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O dia hoje começou com arrumação de malas, roupas de frio ficando com ...
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Flamingos se alimentam nas águas vermelhas da Laguna Colorada, no sudoeste da Bolívia
Conforme combinado ontem o Cristóbal e a Krasna apareceram logo cedo no nosso hotel para partirmos juntos rumo à Bolívia. Já tínhamos enchido o tanque da Fiona e comprado comida e agora só faltava a burocracia da alfãndega de saída, o que deve ser feito ainda en San Pedro de Atacama.
Com a Cristóbal e a Krasna, nossos caronas na travessia até o Salar de Uyuni (na fronteira entre Chile e Bolívia, a caminho da Laguna Colorada)
De volta à Bolívia, a caminho da Laguna Colorada
Feito isso, estávamos prontos! A Fiona, pela primeira vez, carregava quatro pessoas e suas respectivas bagagens para uma viagem de vários dias. Subimos a nossa ladeira velha conhecida de 30 km, que nos leva dos 2.400m para 4.700m e, lá no alto, tomamos o desvio para a Bolívia, que é exatamente ali do lado. Um pouco antes dos diversos tours que saem diariamente do Chile para a Bolívia, chegamos à fronteira. Ali encontramos os muitos jipes bolivianos que vem encontrar os tours que vem do Chile para pegar seus passageiros e levá-los até o Salar de Uyuni. Esses mesmos jipes trazem os turistas que vem no sentido contrário e ali trocam de condução, para chegarem à San Pedro, tudo muito bem combinadinho, horário e local, para que nenhuma van ou jipe faça algum trecho sem passageiros. É a chamada "otimização". Melhor do que isso, só quem faz tudo de Fiona, sem ter de trocar de veículo na fronteira, hehehe.
Jipes levam turistas para a Laguna Colorada, na Bolívia
Bem, nada é perfeito e, para quem vem de Fiona, os passaportes são carimbados ali, mas a documentação do carro deve ser feita em outro lugar, um pequeno desvio mais à frente, na saída do Parque Nacional Abaroa. A entrada desse parque fica uns poucos quilômetros depois da fronteira, mais uma rápida parada nesse nosso primeiro dia de viagem rumo ao Salar de Uyuni.
A Laguna Verde, a primeira de muitas lagoas altiplânicas na rota para a Laguna Colorada e o Salar de Uyuni, na Bolívia
A Laguna Verde, a primeira de muitas lagoas altiplânicas na rota para a Laguna Colorada e o Salar de Uyuni, na Bolívia
Depois da entrada no parque, as primeiras atrações são as Lagunas Verde e Blanca. Já tínhamos visto essas lagunas no dia que chegamos pelo Paso de Jama, de longe, da estrada. Vimos também durante a nossa subida ao Cerro Toco. Agora era hora de vê-las de perto. Bem de perto! Tanto que, na Laguna Blanca, pude até caminhar sobre ela, já que estava completamente congelada. Apesar de ser uma cena comum em filmes, para mim foi a primeira oportunidade na vida de se caminhar sobre uma lagoa. Muito legal!
Filmando a congelada Laguna Blanca, no caminho para a Laguna Colorada, no sudoeste da Bolívia
Caminhando sobre o gelo da Laguna Blanca, no caminho para a Laguna Colorada, no sudoeste da Bolívia
Outra grande atração do parque é a vista do Licancabur. Do lado boliviano ele é bem menos íngrime e é por aqui que a maioria das pessoas tentam subi-lo. Para nós, foi só a visão. E agora, é um motivo a mais para voltar para essa região tão linda, para se chegar aos seus 6 mil metros de altura.
O magnífico cenário no caminho para a Laguna Colorada, na Bolívia
Maravilhosa piscina de águas quentes a quase 4.500 metros de altitude e temperatura externa próxima do 0 graus, no caminho para a Laguna Colorada, na Bolívia
A próxima lagoa no caminho guardava uma magnífica surpresa: águas termais! Uma pequena barragem formou uma piscina e a tentação de entrar nela foi tão grande que, apesar do frio que fazia fora, eu não me acanhei de estar sem calção. Afinal, cueca serve para quê? A sensação de nadar a esta altitude, naquele frio e com aquela paisagem ao redor é indescritível. Um dos momentos mágicos dessa viagem que não esquecerei jamais! A Ana, que estava na dúvida se entrava ou não, depois de ver o meu prazer e desobrir que aquela seria a única água quente nas próximas 48 horas, tambem não titubeou. Aí, já com duas pessoas dentro d'água, as pessoas foram se animando e, quando resolvemos sair, já eram mais de dez na piscina. Muito melhor do que aquela nos Geisers El Tatio, diga-se!
Novo recorde da Fiona, enfim acima dos 5 mil metros de altura, na aduna boliviana da região da Laguna Colorada
Em seguida, saímos da estrada principal rumo ao ponto onde devemos fazer a alfândega da Fiona. Nesse caminho, duas surpresas: primeiro, ultrapassamos a marca dos 5 mil metros de altitude. É o recorde absoluto da Fiona! A segunda foi, ao chegarmos no ponto dessa alfândega, uma das mais altas do mundo, vermos um campo de futebol! Isso mesmo, um campo de futebol acima dos 5 mil metros! Imagino que seria aqui que a Bolívia gostaria de mandar seus jogos, se a FIFA permitisse, hehehe.
Campo de futebol a 5 mil metros de altura!!! (na aduana Boliviana da região da Laguna Colorada)
Nem tudo são flores e também passamos nossas "dificuldades". O cara da alfândega era meio ruim da cabeça e ficou nos enrolando um tempão. Antes de nós, enrolou também um casal de poloneses que trouxe seu carro da Polônia para fazer 20 dias de viagem na América do Sul, do Uyuni à Patagônia. Isso é que é disposição! E dinheiro! Na nossa vez, ele nos fez assistir um filme de uns 20 min de quando nevou por ali, há 3 semanas. Como ele tinha a faca, o queijo e o poder nas mãos, aguentamos tudo pacientemente. No fim, nos deu o documento e estávamos, enfim, todos legalizados mais uma vez em terras bolivianas.
Chegando à fantástica Laguna Colorada, no sudoeste da Bolívia
De lá seguimos para a fantástica Laguna Colorada. Que coisa mais maravilhosa! Incrível o poder e a classe da natureza em inventar coisas novas. Coisas que nossos olhos não querem acreditar!. O normal é que essas lagoas altiplânicas sejam meio prateadas. As vezes brancas, por causa do gelo. Quando são azuis ou esmeralda, já é uma benção, um colírio para os olhos. Mas essa é diferente de todas as outras! É colorada mesmo! A cor vem de um microorganismo que, não sei porque, só atingiu grande concentração nessa lagoa. Uma coisa absolutamente mágica, bem no meio do altiplano boliviano, rodeada por montanhas nevadas e vulcões.
Visitando a Laguna Colorada, no sudoeste da Bolívia, no caminho para o Salar de Uyuni
E mais! Habitada por centenas de flamingos, colorados também, por causa dos camarões de que se alimentam. A gente viu esse cenário de fábula meio de longe e fomos diretamente para nosso refúgio. Ali conseguimos quartos privados com banheiro coletivo, água fria, por supuesto. Banho, nem pensar! O Cristóbal e a Krasna ficaram por lá e eu e a Ana seguimos para perto da laguna maravilhosa.
As incríveis águas vermelhas da Laguna Colorada, a mais de 4 mil metros de altitude, no sudoeste da Bolívia
Mais fotos. Muitas fotos. Muito linda e diferente para ser verdade! Então, na dúvida, o negócio é fotografar mesmo! A lagoa e os flamingos. Depois, de volta ao refúgio, para socializarmos com nossos companheiros de viagem e também com os outros, que chegaram lá em tours ou em bicicleta. No primeiro grupo, tinha até brasileiros, um casal e um solteiro. Todos gente boníssima, ótimos de conversa e amantes de vinho e cerveja. Quanto aos ciclistas, eram alemães e vinham no sentido contrário. Tinham começado em Uyuni, já há vários dias, e demorariam mais 3 dias para chegar até San Pedro. Nossa, que disposição em enfrentar aquele frio, aquele vento e aquelas estradas. E tinham acampado vários dias. Hoje sim, estavam "diretoria", dormindo no refúgio!
Paisagem da Laguna Colorada, no sudoeste da Bolívia
E assim foi nossa noite, todo mundo tentando se aquecer ao lado do fogareiro do refúgio, até que ele se apagasse, Aí, todos para os quartos, embaixo de várias camadas de cobertas para enfrentar o frio que, de madrugada, deve ter chegado perto dos 15 graus negativos. Brrrrrrrr, coitada da Fiona. Vamos ver se amanhã ela pega... Tem de pegar, pois temos um longo caminho até o famoso Salar de Uyuni...
Nosso refúgio na Laguna Colorada, no sul da Bolívia
Cores fortes e arquitetura colonial em Antigua, na Guatemala
Acordamos sem muita pressa, no mesmo ritmo da cidade em véspera de Ano Novo. Pouco movimento nas ruas, clima de feriado. Fomos tomar café outra vez na excelente padaria quase em frente ao hotel, a San Martin. Parece até uma daquelas padarias mais chiques de São Paulo. Aí, enquanto esperávamos o sanduíche quentinho e já bebíamos o suco espremido na hora acompanhado de iogurte com frutas e granola, contei um pouco para a Ana da história recente desse país.
A bela igreja La Merced, em Antigua, na Guatemala
A Guatemala experimentava um raro período de continuidade democrática logo depois da 2ª Guerra Mundial. Um governo de centro-esquerda sobreviveu a várias tentativas de golpes na virada da década e entregou o governo a outro, democraticamente eleito, no início da década de 50. Era o governo de Arbenz, militar que se elegeu prometendo um amplo programa de reforma agrária e distribuição de terra. A Guatemala, caso típico na nossa América, tinha quase toda a sua terra cultivável nas mãos de uma porcentagem mínima da população. Boa parte dessa terra pertencia a famigerada United Fruit Corporation, maior produtora de bananas do mundo. Ocorre que sua política era manter boa parte da terra parada, produzindo em apenas a terça parte dela. Isso obedecia a estratégia de evitar uma super produção da fruta, além de estabelecer uma espécie de rodízio das suas terras. Pois bem, Arbenz cumpriu o que prometeu em campanha e começou a desapropriar as terras cultiváveis e que não estivessem produzindo. Pagava por elas o preço que seus proprietários declaravam para pagar menos impostos. O feitiço virou contra o feiticeiro. A desapropriação começou em suas próprias terras, como exemplo. Na verdade, nas terras da família da sua esposa, que vieram junto com o casamento. Em seguida, passou a desapropriar o maior latifundiário do país, a UFC. É claro que essa foi fazer lobby no congresso americano para tentar se defender.
A cidade colonial de Antigua, na Guatemala
O azar de Arbenz é que nessa época iniciava-se a Guerra Fria. Os EUA não queriam nem imaginar um país comunista bem no seu quintal. Qualquer desconfiança e a CIA logo entrava em ação. E assim um golpe foi armado, uma invasão de militares guatemaltecos descontentes vindos da fronteira de Honduras. Além de dinheiro e armas, a CIA também montou uma rádio para propagandear as vitórias dos golpistas e atacar o comunismo do governo. Esse golpe marcou época no imaginário da esquerda latino-americana e serviu de exemplo, por gerações, do chamado “imperialismo” norte-americano. Um dos que viu isso de perto, pois lá estava, foi um jovem Che Guevara, daí em diante mais do que disposto em pegar em armas para defender aquilo que pensava ser o certo.
A famosa fonte de 1738 do Parque Central de Antigua, na Guatemala
Pior do que o golpe foi o que veio depois: quarenta anos de governos autoritários, corruptos e ineficientes e uma guerra civil que matou mais de 150 mil pessoas. Uma breve comparação com o Brasil dá uma noção da força repressiva desses governos. No Brasil, durante a época da repressão, teriam morrido 1.500 pessoas, nas estatísticas mais elevadas. Ou seja, um centésimo do que morreu na Guatemala. Se considerarmos que a população brasileira é quase 10 vezes maior que a da Guatemala, podemos dizer que o morticínio no país centro-americano foi 1.000 vezes pior do que o nosso. E tudo começou por causa de uma reforma agrária nas terras de uma empresa produtora de bananas...
A Catedral de Santiago, no Parque Central de Antigua, na Guatemala
Foi só com o fim da Guerra Fria e o final do apoio americano àqueles governos “anticomunistas” que a paz e a democracia voltaram ao país. Estamos no meio do processo, muito ainda a se fazer contra a corrupção e o mais novo problema, o narcotráfico que está se estabelecendo no país. Mas hoje, ao menos, e somos testemunhas disso, o país é outro, respira-se liberdade, a cultura se renova e se fortalece e os viajantes exploram novamente esse lindo país que é a Guatemala, com tantas atrações culturais e naturais.
Vulcões cercam a cidade de Antigua, na Guatemala
E foi exatamente para a mais conhecida delas que rumamos depois do nosso café da manhã. A cidade colonial de Antigua, capital do país por quase toda a época de domínio espanhol. O charme dessa cidade e a beleza de seu entorno tem atraído as pessoas por séculos. Mais recentemente, tornou-se um centro mundial para o estudo de espanhol por estrangeiros, talvez o maior na América Latina. Uma das consequências disso foi a sofisticação dos hotéis e, principalmente, dos restaurantes de Antigua. Resumindo: come-se muito bem na cidade!
Bonecos gigantes dançam ao som de Marimba no centro de Antigua, na Guatemala, véspera de Ano Novo
Eu e a Ana chegamos nessa joia de cidade um pouco antes do almoço e a primeira grande tarefa foi achar uma pousada. Afinal, não fomos apenas nós que tivemos a brilhante ideia de passar o réveillon por aqui. Como em todo o mundo, a praia é a primeira opção dos guatemaltecos, mas para quem não gosta de mar ou de muita confusão e engarrafamento, Antigua é a segunda opção, principalmente pela proximidade da capital, menos de 40 minutos. Acabamos achando um mais simples, mas bem simpático e garantimos lugar para as noites seguintes, já bem mais tranquilas, num outro com um quarto bem gostoso e mais barato (estava lotado para hoje).
Uma das muitas igrejas em ruínas (terremotos!) no centro de Antigua, na Guatemala
Depois, fomos nos deliciar caminhando pelas ruas de pedra da cidade, explorando suas igrejas e antigas construções. Boa parte das igrejas ainda está em ruínas, resultado do devastador terremoto de 1773 e a consequente mudança da capital para a Cidade da Guatemala. Mas os restos das suas estruturas estão lá, charmosos e decadentes, lembrete claro de que a Terra está viva. Aliás, não faltam lembretes disso em Antigua. A começar pelos vulcões que cercam a cidade, um deles em contínua atividade. Mas os vulcões serão assunto para outro post. De volta às igrejas, a mais bela é a La Merced, também destruída no terremoto, mas parcialmente reconstruída no século seguinte.
Banda de Marimba, no centro de Antigua, na Guatemala
No Parque Central estão a bela Catedral de Santiago e o vistoso Palacio del Ayuntamento, além de uma famosa fonte de 1738. Ao lado do parque, a calle peatonal (5a Av Norte), centro nervoso da cidade, com a atenção de centenas de pedestres sendo disputadas por artistas populares e, principalmente, simpáticas bandas de marimba. Essas são formadas por vários senhores engravatados e vestidos solenemente em seus ternos, batendo simultaneamente com seus martelinhos no enorme instrumento a sua frente e produzindo agradável ritmo e música. É a cara de Antigua!
Música ao vivo no restaurante La Opera, no centro de Antigua, na Guatemala
Para finalizar com chave de ouro nossa última tarde do ano, escolhemos um restaurante muito legal para tomar uma garrafa de vinho. No restaurante tocava um senhor um instrumento parecido com um acordeon, músicas da melhor qualidade, de bossa nova à clássicos do tango. Simpatizou muito com a Ana, que estava sempre a aplaudi-lo e esticou sua sessão apenas para tocar para nós. Um espetáculo inesquecível que guardaremos para sempre, momentos que marcam uma viagem. Mesmo uma viagem longa como a nossa, tão cheia desses momentos especiais.
Garrafa de vinho na última tarde do ano em charmoso restaurante no centro de Antigua, na Guatemala
Por fim, já escuro, fomos encontrar a Rossana, guatemalteca aqui de Antigua que só conhecíamos por internet. Ela é amiga do Rodrigo, amigo brasileiro da Ana que mora na Cidade do México. Ele as apresentou via Facebook e combinamos de passar o Ano Novo com ela. Fomos nos ver pessoalmente, pela primeira vez, e combinamos como seria a noite. Ceia num hotel de um conhecido e madrugada num bar de outro conhecido. Assim, já temos programa para o réveillon!
Garrafa de vinho na última tarde do ano em charmoso restaurante no centro de Antigua, na Guatemala
Admirando a vista espetacular do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
A Serra dos Órgãos, a cerca de uma hora de carro do Rio de Janeiro, é um pedacinho da Serra do Mar. Mas não é um pedacinho qualquer. Superando os 2 mil metros de altitude, possui algumas das mais belas e dramáticas paisagens dessa cadeia de montanhas que se estende de Santa Catarina até o próprio Rio de Janeiro, com quase 1.500 kms de comprimento. Nessa sua porção fluminense, localizada entre os municípios de Petrópolis, Teresópolis, Magé e Guapimirim, foi criado um Parque Nacional para proteger seu frágil ecossistema e suas paisagens grandiosas. É o terceiro parque mais antigo do Brasil, criado ainda em 1939, e tem justamente o nome de Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Entre seus mais famosos frequentadores e admiradores estão a antiga família real brasileira e o presidente Getúlio Vargas.
Nosso caminho entre o Rio de Janeiro e a portaria do Parque Nacional da Serra dos Órgãos em Petrópolis, passando pelo Dedo de Deus e por Teresópolis
Na região de Teresópolis, o Dedo de Deus, formação rochosa mais conhecida da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Passando pelo mirante do Dedo de Deus, a caminho de Teresópolis e da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
A beleza lendária desse parque pode ser admirada de longe, já que suas enormes montanhas são facilmente avistadas desde a cidade do Rio de Janeiro. Para quem segue pela estrada até Teresópolis, sua mais famosa formação rochosa, o Dedo de Deus, nos cativa os olhos desde o primeiro momento que o avistamos. Ao longo da estrada há diversos mirantes e a profusão de montanhas logo explica o nome da região dado pelos antigos portugueses que aqui passavam. Encavaladas umas nas outras, elas se parecem com os órgãos das enormes catedrais européias.
Chegando à entrada do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no lado de Petrópolis, no Rio de Janeiro
Prontos para começar a caminhada de três dias até Teresópolis, ainda na entrada do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no lado de Petrópolis, no Rio de Janeiro
Mas, muito mais belo do que vê-lo de longe, é vê-lo bem de perto. O parque tem duas entradas principais, uma em Teresópolis e outra em Petrópolis. As duas entradas dão acesso a atrações próximas, como cachoeiras e trilhas curtas através de bosques e florestas. Porém, a maior e mais famosa atração do parque é uma trilha com cerca de 30 km que atravessa o parque e liga essas duas portarias principais. Estou falando da famosa Travessia da Serra dos Órgãos, considerada por muitos como a trilha mais bonita do Brasil.
Mapa completo da travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Mapa do nosso primeiro dia na travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, saindo da Portaria Petrópolis e chegando ao Castelo do Açu
Eu já fiz essa trilha uma vez há quase quinze anos (vou falar disso mais adiante), e é mesmo inegável sua beleza cênica. Mas, tendo feito tantas outras trilhas pelo país afora, não me arriscaria a dizer que ela é mesmo a mais bela. Posso dizer, isso sim, que não há trilha mais bonita do que essa no Brasil, mas estamos falando de belezas distintas e incomparáveis entre si. Caminhar pela Chapada Diamantina ou dos Veadeiros, por Lençóis Maranhenses ou pelos cânions do sul do Brasil também são experiências especiais e inesquecíveis. Enfim, cada uma com a sua beleza.
Sinalização na trilha que corta o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Pequena cascata ainda na parte baixa do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, lado de Petrópolis, no Rio de Janeiro
E a beleza da Serra dos Órgãos é realmente de cair o queixo. Nós tentamos vir ao parque quando passamos pelo estado no início da expedição 1000dias, mas São Pedro não cooperou conosco. A melhor época para fazer essa travessia é durante o inverno, quando o tempo é mais frio, mas o céu é mais limpo. No verão, a chance de chuva é grande. No final de setembro de 2010, não tivemos a nossa chance. Agora, no início de Agosto, a previsão nos deu uma janela de 2-3 dias de céu azul e nós resolvemos aproveitar. Além do frio, só precisamos nos cuidar com tempestades elétricas, aquelas com muitos raios, bastante comuns nessa época. Lá no alto do parque, sem árvores, nós somos um verdadeiro magneto para os raios e, infelizmente, já houve diversos casos de pessoas atingidas e mortas por lá. Enfim, temos os nossos dias de tempo claro para tentar.
Chegando à Gruta do Presidente, local preferido de Getulio Vargas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Momento de descanso e reflexão na Gruta do Presidente, início da trilha que atravessa o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
A travessia pode ser feita em qualquer um dos dois sentidos, Petrô-Terê ou Terê-Petrô, mas a primeira alternativa é preferível. Não porque seja mais fácil, pois no quesito esforço, elas são bem equivalentes. Nos dois casos, começamos a caminhar na parte baixa do parque, a uns 1.100 metros de altitude, e temos de subir até os 2.200 metros. Aí, ficamos alternado entre vales e cristas de montanhas com diferenças de altitudes de 200 metros até que chegamos à descida do outro lado, para atingirmos a portaria de saída nos mesmos 1.100 metros. Na verdade, a diferença entre elas é que quando seguimos em direção a Teresópolis, temos as montanhas mais belas e emblemáticas à nossa frente, como o Dedo de Deus, o Garrafão e a Pedra do Sino. No sentido Petrópolis, essas montanhas passam a maior parte do tempo nas nossas costas e é bem mais trabalhoso ficar admirando-as.
Vegetação no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Subindo o Morro do Açu, parada para admirar a vista do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Subindo o Morro do Açu, a vista começa a ficar mais ampla na trilha que corta o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Eu já sabia disso desde que comecei a me interessar em fazer essa caminhada, no início da minha vida de mochileiro no final da década de 80. Demorou, mas consegui vir para cá em meados da década de 90, em viagem solo. Não foi durante o inverno e era dia de semana. Resultado: não havia quase ninguém no parque. Numa época pré-nternet, desenhei mapas depois de conversas com gente que já havia feito a caminhada antes. Assim, me meti na trilha sem guia mesmo, seguro de que daria tudo certo. Começou tudo bem e, após o primeiro dia de caminhada, cheguei ao Castelo do Açu. Mas o tempo virou de madrugada e, na manhã seguinte, não se via um palmo diante do nariz. Trilha mal sinalizada, eu tentei, tentei, mas era impossível seguir adiante. Sem a referência das montanhas, não havia como saber a direção a seguir. Tive que botar o rabinho entre as pernas e abortar a tentativa, voltando para a mesma portaria e tentando me convencer que o que eu já tinha visto no dia anterior já era o bastante. Claro que o mais bonito tinha mesmo ficado para trás, escondido pelas nuvens. Mas fiz muito bem em voltar. É muito comum que pessoas se percam nesse trecho da trilha a partir do Castelo do Açu.
Aproveitando o ar puro do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Cada vez mais altos no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. Um pouco abaixo de nós, um outro grupo de turistas também descansa depois da forte subida
1000dias na trilha que atravessa o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Fiquei com essa trilha engasgada por mais meia década, quando tive nova chance. Dessa vez, acompanhado de primos e amigos, durante a temporada certa. Novamente, fomos sem guia. Só que dessa vez deu certo. Mas, mesmo com tempo limpo e mais pessoas, também chegamos a nos desviar da trilha e seguir por caminhos alternativos. O problema é que muita gente se perde por ali e essas trilhas secundárias vão se alargando cada vez mais. Com um pouco de senso de direção e as montanhas a nos guiar, voltamos ao caminho correto, mas o estrago à natureza já foi feito, infelizmente. Enfim, finalmente pude conhecer a trilha por inteiro e é realmente maravilhosa. Lá do alto da pedra do Sino, já na parte final da caminhada, pudemos vislumbrar toda a Baía da Guanabara. Foi espetacular!
Meio da tarde e uma belíssima lua quase cheia aparece para nos acompanhar no 1o dia de travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Prestando a devida reverência à enorme lua que nos acompanha ao final do nosso 1o dia de caminhada na travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Por isso, jamais pensamos em deixar esse parque fora dos 1000dias. Ainda mais que a Ana ainda não o conhecia. Ela, que caminhou pelo Grand Canyon e pelo Torres del Paine, era inconcebível que não passasse pelo nosso campeão. Então, já no nosso P.S. dos 1000dias, enfim chegamos à Serra dos Órgãos!
A paisagem grandiosa da parte alta do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
A paisagem grandiosa da parte alta do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Mapa topográfico da trilha no nosso 1o dia de caminhada na travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, da entrada de Petrópolis ao Castelo do Açu. Nesse tipo de mapa, linhas próximas significam terreno mais íngrime
Nós saímos do Rio bem cedinho rumo a Teresópolis. Nosso plano era fazer a caminhada a partir de Petrópolis, mas depois de muito confabular, decidimos que seria melhor deixar o carro na portaria de Teresópolis, no final da nossa trilha. Primeiro, porque ela é maior e o carro ficaria mais seguro. Segundo porque seria melhor enfrentar o trecho de ônibus entre as duas cidades agora, que estávamos descansados, que depois, quando estaríamos exaustos e famintos. Assim, pudemos aproveitar a beleza da estrada de Teresópolis agora e já começamos a entrar no clima da Serra dos Órgãos. Afinal, é dessa estrada que melhor se enxerga do Dedo de Deus, a montanha mais icônica desse parque. Depois, encontramos um bom lugar para deixar a Fiona lá dentro do parque, o mais perto possível do final da trilha. Por fim, descolamos um táxi para nos levar até a rodoviária da cidade. Aí tomamos um ônibus que nos levou até Petrópolis pela curvilínea estrada que rodeia a parte norte do parque. Não é longa, mas é bem demorada. Lá chegando, mais um táxi para nos levar à portaria desse outro lado do parque. O taxista nunca havia ido até lá, mas quem tem boca chega a Roma. Vamos pelo bairro de Correia e depois, ainda tem um bom trecho de estrada de terra. O táxi era bem baixo e o taxista não gostou nada disso. Corrida até lá, nunca mais, ele jurou! Como pode, mora na cidade faz anos e anos e nunca esteve no parque. Vai entender...
Marcações sobre as rochas nos ajudam a encontrar o caminho a seguir na travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Trilha na parte alta do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, a caminho do Castelo do Açu
Fim de tarde na parte alta do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, a caminho do Castelo do Açu
Depois dessa verdadeira epopeia, já era quase meio dia quando, enfim, pusemos nossos pés na trilha. Antes disso, pagamos nossos ingressos e os custos de dois dias de pernoite no parque. Nas mochilas, além da barraca e dos sacos de dormir, muita comida, fogareiro e, claro, roupas para o frio. Pesadas no início, sabemos que, aos poucos, vão ficar mais leves, conforme consumimos as frutas, pães, queijos, legumes, chocolates e massas que levamos.
A baía da Guanabara, a cidade do Rio e o maciço da Tijuca vistos do alto da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro.
A baía da Guanabara, a cidade do Rio e o maciço da Tijuca vistos do alto da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. À esquerda, a silhueta inconfundível da Pedra da Gávea, onde estivemos poucos dias atrás
A caminhada, como já disse, começa na parte baixa do parque. Seguimos ao lado de um rio subindo vagarosamente pelo Vale do Bonfim. São cerca de 40 minutos até a chamada Gruta do Presidente e, logo ao lado, a cachoeira do Véu da Noiva. Muita gente vem até aqui e retorna, um agradável passeio diário. Quem gostava de fazer esse percurso era Getúlio Vargas. Gostava de ir até a gruta, que posteriormente foi rebatizada para homenageá-lo. Aí, dizem, costumava se inspirar e refletir sobre os grandes problemas da nação. Nós também tivemos nossos momentos de inspiração na gruta famosa, além de irmos molhar nossos pés na cachoeira que, nessa época do ano, é praticamente seca.
Cada vez mais próximo do Castelo do Açu, ao final do 1o dia de caminhada na travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
A paisagem montanhosa do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Como tínhamos começado tarde a caminhar, não pudemos ficar muito tempo. Ainda mais que a parte dura da caminhada só começava a partir dali. Agora sim a trilha começa a subir, ziguezagueando montanha acima. São mais 50 minutos de esforços até chegarmos à chamada Pedra do Queijo, nome dado por algum mineiro, provavelmente. Sobre ela, podemos relaxar um pouco e ter nossa primeira visão mais ampla da paisagem, o Vale do Bonfim já ficando bem para baixo e podendo admirar as montanhas mais altas que cercam Petrópolis.
O Morro do Marco, à esquerda, e o castelo do Açu, à direita, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
O famoso Castelo do Açu, onde passamos a primeira noite no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Depois do descanso no Queijo, são outros 40 minutos de subida até um ponto conhecido como Ajax, onde encontramos uma parte mais plana e onde há um pouco de água corrente. Seria um ótimo lugar de acampamento, mas isso não é permitido por lá. Só podemos descansar e nos reenergizar para o próximo trecho, justamente aquele que tem a subida mais íngrime desse primeiro dia de caminhada. Já está bastante erodido e é conhecido como Isabeloca. O nome é uma homenagem à Princesa Isabel que, muito antes de Getúlio, costumava vir até aqui. Em lombo de burro, claro!
Na base do Castelo do Açu, iluminado pela última luz do sol, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Entrando no salão interno do Castelo do Açu, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
No alto da Isabeloca chegamos ao chamado Chapadão, o nome do trecho alto do parque. Agora, já estamos acima dos 2.200 metros de altitude e a vista é sublime. Lá na frente, a silhueta inconfundível do Castelo do Açu, uma formação rochosa que lembra uma fortaleza de pedra. Minha terceira vez por aqui, já até começo e me sentir íntimo com ele.
Luz de fim de tarde ilumina as montanhas do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
O sol se põe a 2 mil metros de altirude no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Fomos uns dos últimos a chegar até aqui, um dos pontos oficiais de camping da travessia. Tem até um belo refúgio, inaugurado recentemente. Para quem prefere uma cama, é uma ótima pedida, desde que seja reservado com bastante antecedência. Não era o nosso caso, que carregávamos a barraca nas costas. Sem muita dificuldade, encontramos um lugar para armar nossa barraca atrás do Castelo e com vista para a Baía da Guanabara. Montamos ela rapidamente, aproveitando o resto de luz. Depois, eu fui apresentar para a Ana o incrível salão interno natural dentro do Castelo do Açu. Foi onde dormi naquela primeira vez por aqui, mas o piso não é muito confortável não, todo de pedra. Mas o salão me protegeu bastante da tempestade da noite!
Preparando nosso delicioso jantar na 1a noite da nossa travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, na nossa barraca no Castelo do Açu
Macarrão enriquecido com muitos legumes na nossa 1a noite na travessia do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, aos pés do Castelo do Açu
Hoje, não tínhamos de nos preocupar com isso. O céu era só estrelas e uma lua maravilhosa. Aliás, a mesma lua que nos acompanhou no final de tarde enquanto subíamos a Isabeloca. Estava simplesmente divina no céu. A luz do luar até nos ajudou na iluminação enquanto cozinhávamos nosso substancioso jantar. Um macarrão enriquecido com muitos legumes, obra-prima da Ana. Bastante energia para a longa caminhada de amanhã.
Acima dos 2 mil metros de altitude, no Castelo do Açu, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, observando as luzes da baixada fluminense e da cidade do Rio de Janeiro
Acima dos 2 mil metros de altitude, no Castelo do Açu, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, observando as luzes da baixada fluminense e da cidade do Rio de Janeiro
Aos pés do Castelo do Açu, quase aos 2.200 metros de altitude, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, a nossa barraca e a Ana, no esculo, observando as luzes da Baixada Fluminense ao fundo
Mas antes de dormirmos, ainda fomos curtir a noite do lado de fora. A Baixada Fluminense estava toda acesa, delineando os contornos da Baía da Guanabara. Tão longe e tão próxima! Difícil acreditar que ela estava a mais de 2 mil metros abaixo de nós, além de dezenas e dezenas de quilômetros de distância horizontal. Que beleza! Fomos dormir inspirados e preparados para levantar bem cedo. Afinal, perder o espetáculo do nascer-do-sol aqui em cima seria um verdadeiro pecado!
O Castelo do Açu iluminado pela lua e pelas estrelas, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Dormindo o sono dos justos, após um dia de caminhada até o Castelo do Açu, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro
Playa Frontón, o melhor segredo da península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
No final da década de 60 do século XIX, a República Dominicana passava por um período de instabilidade política que, mesmo para padrões latino-americanos, estava exagerado. Golpes e tomadas de poder se davam no intervalo de meses e não mais de anos. Os Vermelhos e os Azuis, os dois partidos políticos de então, se digladiavam nas ruas e se alternavam no poder. Até que o presidente de plantão, o Vermelho Baez, encontrou uma possível solução para a confusão reinante: um tratado de anexação aos Estados Unidos, com a possibilidade da ilha se tornar um protetorado e mesmo, um estado americano.
Local onde deixamos nosso carro para caminhar até a Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Depois de uma hora de trilha no mato, chegando à Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
A República Dominicana ganharia em segurança e estabilidade, além do acesso aos ricos mercados do norte. Já os Estados Unidos, ganhariam um lugar para enviar seus negros recém-libertos da escravidão e, para a sua marinha, a Península de Samaná. Isso mesmo, já há algum tempo os militares ianques estavam de olho naquela língua de terra com praias tão bonitas. Uma base ali lhe garantiria o controle de todo o mar do Caribe, além de ser a melhor proteção para o futuro canal que pretendiam construir na Nicarágua, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico.
Chegando à impressionante Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
A incrível Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Pois é, para nós que conhecemos história, sabemos que esse canal nicaraguense nunca saiu do papel, sendo substituído pelo Canal do Panamá, e que a tal base de Samaná acabou sendo construída em outra ilha, um pouco mais a oeste, em um local chamado Guantánamo. Pobres cubanos, felizes dominicanos. Em uma votação apertadíssima no Senado americano, o presidente Grant perdeu em sua proposta de anexação dominicana e o assunto foi definitivamente enterrado. Os dominicanos voltaram à sua rotina de golpes de estado e parte dos negros americanos acabou enviada para a Libéria, na África, ao invés da ilha caribenha.
Playa Frontón, o melhor segredo da península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Um paraíso escondido, Playa Frontón, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Desde então, a península pouco mudou. É mesmo impressionante como um lugar com praias tão belas tenha sido poupada do desenvolvimento turístico que tomou conta do país nas últimas décadas, notadamente em Punta Cana. À meras duas horas de distância do maior polo mundial de hotéis all-inclusive, Samaná tem praias paradisíacas e desertas, um verdadeiro segredo protegido por um parque, estradas de terra e trilhas mal sinalizadas.
Águas transparentes e o enorme rochedo são as marcas registradas da Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Águas transparentes na Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Hoje, seguindo os conselhos do nosso anfitrião francês, fomos conhecer a Playa Frontón, na região de Las Galeras, a pequena vila onde ficamos hospedados. Ao contrário da Playa Rincón, onde estivemos ontem, que pode ser acessada de carro, para se chegar à Frontón, tem mesmo de botar o pé na trilha. Primeiro, uma rústica estrada de terra até um local bem ermo e sem sinalização. Daí, uma hora de caminhada atravessando matas e morros para, do alto de uma falésia, termos acesso a um pedaço de paraíso secreto. É a Playa Frontón, que nessa época do ano praticamente não recebe visitantes. Na época de alta temporada sim, lanchas trazem turistas pelo mar, diretamente de Las Galeras.
Caminhando na Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Enorme rochedo divide em duas a Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Nós levamos nosso lanche, sanduíches e água e armamos acampamento por lá por umas horas. Areias bem branca, praia protegida por um banco de corais, água extremamente transparente. Faixa de areia de uns quinhentos metros, espremida entre o mar e um enorme rochedo que protege a Playa Frontón de estradas e da civilização. Nos dois cantos da praia, mais rochedos. Realmente, ela parece ter nascido para ser secreta. Para complementar os ares de mistério, estranhas ruínas de uma antiga casa aos pés do enorme paredão nas costas da praia. Aparentemente, um milionário estrangeiro já fez ali o seu refúgio, mas teve de sair ás pressas do país, com problemas com a lei. A casa continua ali como um fantasma, um lembrete de que a Playa Frontón não pertence a ninguém, seja a marinha americana, seja essa misteriosa personagem.
Nossa "base" na Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Nadando no mar com cara de aquário, na Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Em Las Galeras, guias dizem que a praia é perigosa, que turistas desacompanhados são alvos de assaltos. Acreditando no conselho do francês que nos assegurou que ela era segura, nós enfrentamos os boatos. A recompensa foi estar naquele lugar maravilhoso completamente a sós. Sensação de aventura, exploração e descobrimento. Difícil dizer qual das duas praias é mais bonita, Rincón ou Frontón, mas certamente esses ares de mistério fazem dessa última um lugar mais especial. Que sorte a nossa ter tido a chance de conhecê-la!
As ruínas da misteriosa casa em Playa Frontón, perto de La Galera, na península de Samaná, litoral norte da República Dominicana
Delicioso banho na Cachoeira do Barata, na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Quanto mais viajamos pelo Brasil, mais fico impressionado com a quantidade de lugares belíssimos que há no país, ainda tão pouco conhecidos da grande maioria das pessoas. Especialmente para nós, do sul, as atrações turísticas fora da nossa região se resumem às “praias do Nordeste”, ao Pantanal e à Amazônia. As exceções, talvez, seriam as Chapadas Diamantina e dos Veadeiros, Bonito e o Jalapão. Pois é, esses lugares mais conhecidos merecem mesmo a fama, maravilhosos que são. Mas o Brasil é muito maior do que isso. Nossos meses de viagem pelo sertão nordestino nos mostraram verdadeiros tesouros turísticos. Na Região Norte, lugares como a Ilha do Marajó ou Alter do Chão são destinos de padrão mundial e no Centro-Oeste, é difícil imaginar um lugar mais alucinante que Terra Ronca.
Chegando à Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Falo isso porque voltamos agora ao Brasil e, logo na nossa primeira parada, aqui na distante Roraima, já damos de cara com um desses tesouros desconhecidos. Quer dizer, desconhecido de nós, sulistas, porque é bem popular aqui no estado. Estou falando da Serra do Tepequem, no noroeste do estado. A Amazõnia, para quem possa interessar, não é só feita de florestas. Mais para o norte, tem muita savana também. Mais que isso, há serras e montanhas. Aliás, a maior montanha brasileira fica na Amazônia, o Pico da Neblina.
Vista do alto da Serra do Tepequem, no norte de Roraima
O Platô, ponto mais alto da Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Infelizmente, por falta de tempo, não poderemos ir conhecer essa montanha. Mas tivemos sim, a chance e a sorte de vir conhecer a Serra do Tepequem, uma região belíssima de serra e clima aprazível, cheio de cachoeiras e rios cristalinos. Aqui, como tantos outros lugares no Brasil, os primeiros a chegar foram os garimpeiros, atrás de joias e diamantes. As riquezas começaram a escassear, mas a notícia das belezas da região correu de boca em boca e a Serra do Tepequem se tornou um dos principais destinos turísticos dos habitantes da capital Boa Vista.
A bela cachoeira do Paiva, na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Descansando em um dos rios da Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Mas, um golpe de sorte reservou o Tepequem praticamente para nós, nesses dias que aqui estivemos. A ponte que dá acesso à cidade estava em reforma e esteve fechada por quase três semanas. Para tristeza e prejuízo de donos de pousadas e restaurantes, o turismo minguou e a pequena vila se esvaziou. Obviamente, não tínhamos a menor ideia disso. Foi chegando à região, numa parada para um lanche, que fomos informados que a ponte que nem sabíamos existir, havia reaberto na véspera.
Depois de tanto tempo, comendo uma legítima comidinha brasileira, na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Depois de tanto tempo, comendo uma legítima comidinha brasileira, na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
No meio da grande planície que é a Amazônia, avistamos a elevação da serra já de longe, as montanhas se elevando sobre o terreno alagado que atravessávamos na estrada. Subitamente, a rodovia torna-se íngreme, ganhamos muita altitude e a temperatura fica muito mais fresca. O visual “amazônico” transforma-se, parece que estamos na Serra do Espinhaço ou da Mantiqueira. Mas não, estamos em Roraima, estamos na Serra do Tepequem!
Acordando depois da primeira noite no Brasil desde 2011! (na Serra do Tepequem, no norte de Roraima)
Decoração de Festa Junina nos faz lembrar que estamos de volta ao Brasil! (na Serra do Tepequem, no norte de Roraima)
Com todas as pousadas absolutamente vazias, muitas delas até fechadas, não foi difícil achar um lugar para ficar. Com pressa de iniciarmos nossas explorações, já que no dia seguinte partiríamos para Boa Vista, fomos logo a uma das cachoeiras mais famosas da região, a Cachoeira do Paiva. Além do mergulho refrescante e do belo visual, também tivemos a chance de ver a vasta planície lá embaixo, estendendo-se até aonde a vista alcança. A estrutura para se chegar à cachoeira, uma longa escada de madeira, sólida e bem construída, nos mostrou que, em outras épocas, o lugar deve receber muita gente. Mas não ontem!
A pacata vila da Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Com a Dona Luzia, na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
De volta à vila, fomos procurar um jantar caseiro, algo que vínhamos sonhando faz tempo. O mais delicioso feijão com arroz e farofa, mais uma carninha, era tudo o que queríamos! Afinal, cachoeiras encontramos em muitos lugares, mas esse feijão com arroz, isso é só no Brasil!
Passeando na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
O finzinho da luz do dia foi admirando o “platô”, a maior montanha da Serra do Tepequem que, como o nome indica, tem um topo bem plano. Uma das principais atrações daqui é a caminhada até lá, mas nós nos contentamos em ver aqui de longe, mesmo. Teríamos de acordar bem cedo hoje, para ir até lá, mas optamos por poder dormir até mais tarde e, sem pressa, conhecer uma outra cachoeira.
Um dos córregos de águas cristalinas da Serra do Tepequem, no norte de Roraima
E assim fizemos, nossa primeira noite no Brasil em tanto tempo, nada de stress para levantar, hehehe. Depois, rumo à cachoeira do Barata, outra joia da serra, águas verdes e ideais para nos acordar de vez. Para chegar até lá, após deixarmos a Fiona na estrada de terra, temos de caminhar uns vinte minutos pelo rio, passando por várias cachoeiras menores e piscinas naturais. Cenário muito semelhante a tantos outros que já percorremos, em Minas, Rio e São Paulo. Mas aqui é Roraima, o que aumenta ainda mais o charme do lugar!
Cachoeira do Barata, na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Depois de mais um banho de cachoeira, estávamos prontos para pegar estrada novamente. Muito felizes de ter parado por aqui, conhecer mais um pedacinho do Brasil, o primeiro do nosso retorno. Levamos na memória a imagem de um lugar tranquilo, lúdico e vazio. Bem diferente de alguns relatos que ouvimos, quando a pacata vila se enche de ônibus e carros com som alto, bagunça e algazarra. Mas não foi assim que o destino quis que conhecêssemos o Tepequem. Só podemos ser-lhe gratos!
Cachoeira do Barata, na Serra do Tepequem, no norte de Roraima
Chegando a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Depois de fazer o programa do Beach Park ontem, com os dois sobrinhos mais novos, foi a vez de, hoje, fazer algo com os dois sobrinhos mais velhos. Esse “algo” era uma caminhada de cerca de 18 quilômetros pela praia entre o Pontal do Maceió, em Fortim, e a conhecida cidade de Canoa Quebrada. Além de mim e dos sobrinhos Leo e João Pedro, é claro que iriam conosco a Ana e o Guto, meu irmão, outro notório amante de desafios e proezas na família.
Com o irmão Guto e os sobrinhos Leo e João Pedro, início da caminhada de Fortim a Canoa Quebrada através do litoral do Ceará
Guto e Leo, pai e filho, no início da caminhada de Fortim a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
No meio do caminho, um grande rio para atravessar. É o Jaguaribe, o maior do Ceará, que atravessa o sertão e abastece dois dos mais conhecidos açudes de combate à seca, o Orós e o Castanhão. Saímos sem saber direito como seria essa travessia, uma vaga ideia de passar nadando ou então, encontrar um barco que nos levasse para o lado de lá. Fomos também com a maré baixa, para poder caminhar melhor na longa praia que se forma, piso duro e plano. A ideia era encontrar outras pessoas da família que fossem nos esperar já em Canoa Quebrada, de carro. Lá, comeríamos algo na praia e voltaríamos todos de carro.
Barco espera sua hora de navegar em praia de Fortim, no litoral do Ceará
Com o sobrinho João Pedro, caminhando de Fortim a Canoa Quebrada, nolitoral do Ceará
Caminhada longa, mas agradável. Apesar do sol, a brisa constante mantém a temperatura sempre agradável. Só não podemos esquecer o protetor solar, pois o vento pode até disfarçar o calor do sol, mas ele continua queimando bastante. Seis pessoas, ritmos diferentes. Nós vamos nos dividindo em duplas, alguns mais à frente, outros para trás, eu e a Ana nos revezando com as fotos. Vamos revezando as duplas também, às vezes conversando com um sobrinho, outras vezes com o irmão, outras ainda com a esposa. Assim, não enjoa.
No caminho entre Fortim e Canoa Quebrada, dezenas de moinhos de vento de um grande parque eólico, no litoral do Ceará
Um pequeno e vistoso farol na região de Fortim, no litoral do Ceará
O estranho é pensar que essas praias por onde caminhamos são as mais “velhas” do Brasil. Ainda mais antigas que as praias de Cabrália e Porto Seguro, quase aos pés do Monte Pascoal. É claro que estou falando do Brasil dos europeus e não do Brasil dos índios, pois esse é muito mais antigo ainda. Que o diga os potiguaras, umas das diversas tribos da etnia tupi que se espalhavam pelo litoral brasileiro quando os europeus começaram a chegar por aqui, lá pelos idos de 1500.
A Ana faz novos amigos antes da travessia do rio entre Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Um barco navega pelo rio que divide as praias de Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Foram os potiguaras os primeiros a observar e travar contato com europeus que chegaram a esta região do Brasil alguns meses antes que Cabral “descobrisse” a Terra de Santa Cruz. Essa tribo vivia desde o litoral da Paraíba até o do Maranhão e era conhecida por sua índole guerreira. É por causa deles que hoje conhecemos os habitantes do Rio Grande do Norte como “potiguaras”.
Depois de atravessar o rio a nado, o Rodrigo corre na praia já do lado de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
De barco, fazendo a travessia pelo rio entre Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Eles foram testemunhas oculares da chegada, em algum ponto não estabelecido desse litoral, da expedição comandada pelo espanhol Vicente Pinzón, em 26 de janeiro de 1500. Nesta mesma data, Cabral ainda participava de intrincados jogos políticos em Lisboa para ser apontado como comandante da frota que chegaria ao Brasil quase três meses depois de Pinzón, em 22 de Abril daquele mesmo ano.
De barco, fazendo a travessia pelo rio entre Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
O barco que fez a travessia do grupo pelo rio entre Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Pinzón não era qualquer um e já tinha muita história quando chegou às costas brasileiras naquele janeiro de 1500. Ele havia sido o capitão da caravela Niña, um dos três barcos sob comando geral de Cristóvão Colombo que haviam descoberto a América em 1492. Essa histórica viagem lhe trouxe fama e dinheiro e, quase oito anos mais tarde, conseguiu financiar do seu próprio bolso mais uma expedição ao Novo Mundo. A esta altura, os reis espanhóis já tinham fortes indícios de que as terras descobertas por Colombo não eram parte da Ásia, mas sim de um novo continente. Eles não só liberaram, mas também estimularam que expedições particulares partissem em direção às novas terras. Os prêmios de novas descobertas seriam divididos entre a coroa e os intrépidos exploradores.
Refrescando-se no rio que divide as praias de Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Refrescando-se no rio que divide as praias de Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Foi nesse contexto que partiu Pinzón, antes do natal de 1499. Sua última escala foi em Cabo Verde, então um arquipélago já bastante conhecido dos marinheiros europeus. Aí ele reabasteceu seus navios uma última vez e partiu rumo ao oeste. Assim que cruzou a Linha do Equador, foi atingido por uma violenta tempestade. Apesar dos enormes perigos, os ventos fortes acabaram por acelerar sua viagem e ele chegou à costa brasileira em apenas 13 dias, num percurso que os navegantes da época, inclusive Cabral, demoravam um mês para realizar.
Chegando perto dos moinhos do parque eólico na região de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Aos pés dos enormes moinhos de vento do parque eólico na região de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Apesar da curiosidade natural, os índios potiguares não foram hospitaleiros. Ao contrário, entraram em violento combate com os homens de Pinzón. Armamento e técnicas militares superiores deram vitória aos espanhóis, que partiram da costa nordestina levando vários indígenas capturados. Ele seguiu explorando a costa até o rio Amazonas, que batizou com muita propriedade de “Mar Dulce”. Continuou pela costa até as Guianas, descobrindo muitos rios. Um deles, o Oiapoque, ganhou o seu nome e, até o século XIX, era conhecido como rio Vicente Pinzón. Das Guianas ele seguiu para as ilhas caribenhas e daí para a Europa. Apesar de tantas descobertas, a viagem foi um fracasso financeiro.
A Ana e o Guto, durante a caminhada de Fortim a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
A Ana e o sobrinho Leo, durante a caminhada de Fortim a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Pinzón só retornaria à América mais uma vez, em 1508. Navegou ao longo da América Central e sua expedição foi a primeira a travar contatos com a civilização asteca, quase uma década antes das conquistas de Cortez. Mesmo com mais essa façanha em seu currículo, seu nome nunca foi muito conhecido. O patriotismo português, que acabou gerando o patriotismo brasileiro, jamais admitiria que nossas terras tivessem sido descobertas por um espanhol e não por um marinheiro lusitano. Ainda mais que o local onde teria desembarcado Pinzón estava a leste da Linha de Tordesilhas e que, portanto, pertencia legalmente a Portugal, pelo menos na jurisdição ibérica (jamais aceita por Inglaterra, Holanda e França, que não assinaram esse tratado).
Os sobrinhos Leo e João Pedro, durante a caminhada entre Fortim e Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Com o Guto, cada vez mais pertos de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Podemos ter esquecido Pinzón com relação ao descobrimento, mas não esquecemos do rio descoberto por ele e que levava seu nome. Foi com base nas descrições feitas pelo navegante espanhol que, ao final do século XIX, o Brasil venceu a França em uma disputa diplomática arbitrada pela Suíça e garantiu a posse do Território do Amapá até o rio Oiapoque. Franceses argumentavam que o rio de Pinzón era outro, o rio Araguari, muito mais ao sul. Foi por pouco que as fronteiras da Guiana Francesa não chegaram quase até a foz do rio Amazonas. O tal rio Araguari está um pouco mais ao norte e é famoso pelo fenômeno da pororoca, atraindo surfistas de todo o mundo interessados em surfar nessas ondas de água doce em plena floresta.
Perto de Canoa Quebrada, com movimento cada vez mais intenso de turistas, no litoral do Ceará
Perto de Canoa Quebrada, com movimento cada vez mais intenso de turistas, no litoral do Ceará
Bom, voltando à nossa caminhada, ele seguiu bem tranquila até o rio Jaguaribe. Apenas nós na praia, nenhum encontro com índios potiguaras hostis. O único sinal de civilização era o vasto parque eólico do outro lado do rio, dezenas de moinhos de vento girando ao sabor da brisa cearense. Muita energia sendo gerada e, infelizmente, desperdiçada. Posso estar enganado, mas acho que esse é mais um caso de obra pela metade, os moinhos todos funcionando, mas ainda não ligados às linhas de transmissão. Por enquanto, só servem de poluição visual.
Mapa da nossa caminhada pela praia, do hotel em Pontal do Maceió, em Fortim, até Canoa Quebrada, passando pelo rio Jaguaribe. O percurso tem metade da distância de quem vai de carro
Às margens desse rio acamparam as forças de Pero Coelho de Souza, em 1603. Ele vinha de Pernambuco e se encaminhava para o Maranhão, disposto a expulsar de lá os colonos franceses que tentavam se estabelecer nos trópicos. Ao lado do rio ele fundou um pequeno forte, ou fortim. Essa é a origem do nome da cidade onde está o nosso hotel. Atualmente, há umas poucas casas por aqui e a Ana foi inquirir sobre algum barco para nos levar para o lado de lá. Quanto a mim, depois de ficar observando a corrente, resolvi arriscar a passar nadando. A maré estava enchendo e a água, portanto, estava entrando dentro do rio. A largura era de uns 200-300 metros e o Guto e o Leo resolveram vir comigo. Qualquer coisa, o barco da Ana iria nos buscar.
Depois de uma longa caminhada, o grupo chega a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Depois de uma longa caminhada, o grupo chega a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
A corrente realmente nos levou para dentro do rio, mas a travessia foi mais fácil do que imaginamos. Logo estávamos nas areias do outro lado observando o barco que trazia a Ana e o João Pedro e também nossas mochilas, tudo pela bagatela de 20 reais. Do lado de cá, todos aproveitaram para tomar um bom banho de água quase doce. Estávamos na metade do caminho, mas o maior desafio tinha ficado para trás.
Chegando a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Depois da caminhada, cervejas e caipinhas nos esperam em um dos bares de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Agora já estávamos bem próximos dos gigantescos moinhos de vento e não resistimos à tentação de passar bem embaixo deles. São realmente enormes e estão ali para aproveitar uma força gratuita da natureza que nunca se cansa: os ventos. São bastante feios também, mas quando estiverem produzindo energia, acho que uma coisa compensa a outra.
Depois da caminhada, cervejas e caipinhas nos esperam em um dos bares de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Observando os paragliders de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Depois da visita aos moinhos, toda a tranquilidade do mundo para caminhar os últimos quilômetros. Aos poucos, começamos a reconhecer as falésias cor de tijolo de Canoa Quebrada. O movimento na praia também começou a aumentar, não só de banhistas, mas de gente passeando de jipe e voando em seus parapentes. A tranquilidade de Fortim tinha mesmo ficado para trás e estávamos no meio da muvuca de alta temporada da famosa Canoa Quebrada. Por fim, chegamos ao símbolo da cidade, a lua crescente e a estrela brancas pintadas sobre a falésia.
O pai e o sobrinho do Rodrigo em Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Foto do grupo de caminhou de Fortim a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
As memórias minhas e da Ana de nossa passagem por aqui há três anos estavam frescas (veja o post aqui). Assim, dirigimos o grupo para um dos nossos bares preferidos na praia, na beira do mar. Aí sentamos e tomamos nossa merecida cerveja enquanto, por telefone, orientamos a outra turma que vinha nos buscar de carro. Entre eles, meu pai e minha irmã, que também já haviam estado aqui, mas há muito mais tempo, no início da década de 80. Imagina só como era Canoa Quebrada há quase 30 anos! Estava começando a ser descoberta para o turismo. Minha irmã, a Lalau, ficou descrevendo-a para nós e ficamos todos querendo conhecer essa cidade que já não mais existe. Eu tinha 13 anos de idade quando meu pai me mostrou as fotos daqui, quando ele e minha mãe trouxeram um casal de alemães para cá. Aliás, vieram dirigindo um Passat TS desde o Rio até aqui, numa viagem de 2 meses. De onde vocês acham que nasceu o 1000dias, hein?
1000dias de volta a Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Paraglider, muito popular em Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Depois das bebidas e do lanche, subimos para cima das falésias e aí ficamos observando a classe do pessoal do paraglider. Fazem voos duplos e levam turistas para um passeio. Dominam completamente o vento e conseguem ficar parados a nossa frente, sobre a falésia. Um show! Quem foi que disse que o homem não nasceu para voar? Acho que nunca veio à Canoa Quebrada. Todos deveriam vir, pelo menos uma vez na vida! O Pinzón veio em 1500, o Pero Coelho em 1603, meus pais e minha irmã em 1982, o 1000dias em 2011 e a família Junqueira em 2014. E você, quando virá?
Turista se diverte nos ares de Canoa Quebrada, no litoral do Ceará
Pôr-do-Sol em Maho Beach - St John - USVI
Em alguns lugares dá para se virar muito bem sem carro. Ilha do Mel, por exemplo. Ou então em locais onde há um bom sistema de transporte público, como as capitais européias. Mas em outros, carros são essenciais. Esse é o caso da St. John. A pé, não dá para ir muito longe. De táxi, enfiam a faca. Então, a solução é simples: alugar um carro!
Nosso carro em USVI
E foi o que fizemos, alugamos um belo de um Jeep Patriot e ganhamos asas (ou rodas). A vida ficou fácil e confortável, o ar condicionado do carro funcionando de oásis para cruzar a montanhosa e ensolarada ilha de St. John. De dentro do nosso "carrinho" a cada curva uma nova vista incrível: praias, montanhas, marzão e céu azuis.
Coral Bay, St. John - USVI
A primeira parada foi num restaurante à beira mar, só para tomar uma cervejinha. O restaurante estava fechado mas o simpático dono nos serviu assim mesmo. Com aquela vista que tínhamos, a cerveja desceu ainda mais redonda.
Visita a Annanberg Plantation
Em seguida, fomos visitar as ruínas de uma plantation da época dos dinamarqueses. As ruínas estão muito melhor preservadas do que aquelas que visitamos em North Caicos. Aí, mais uma vez, fiquei tentando me convencer que os dinamarqueses também tiveram escravos. É tão estranho para mim imaginar isso. Sempre os tive como um exemplo de civilidade. Será que os escravos deles também eram açoitados? Falavam dinamarquês? Não sei, mas o que deu para perceber é que tinham de trabalhar bastante, plantando cana de açúcar nas encostas íngrimes das montanhas daqui. Com esse calor, deveria ser horrível. Pelo menos tinham uma bela vista do mar, logo abaixo! O fato é que depois do fim da escravidão essas plantations todas foram à falência e os dinamarqueses resolveram vender as ilhas.
Visita a Annanberg Plantation
Ainda com os escravos na cabeça, fomos fazer uma caminhada até uma praia maravilhosa. E mais maravilhoso ainda foi o snorkel que fizemos. Arraias, tartarugas, muitos peixes e centenas de estrelas. Até achei uma rara estrela de seis pontas. Será que dá sorte? Fiquei brincando também numa parte mais profunda, cerca de 20 metros. Visibilidade de 30 metros. É engraçado a sensação de estar lá embaixo, sozinho, naquele silêncio. É completamente diferente da sensação do mergulho com garrafas. No snorkel, a essa profundidade, não temos só a sensação, temos é a certeza de que estamos num mundo que não é o nosso. Ao mesmo tempo, há uma estranha calma no local. Difícil explicar, só indo lá para ver.
Pôr-do-Sol em Maho Beach - St John - USVI
Após o snorkel, seguimos para outra praia assistir a um pôr-do-sol cinematográfico. Além do sol, a água do mar tem uma cor que não consigo descrever, de tão bonita. Fiquei muito impressionado mesmo com a beleza das praias daqui e de como elas são vazias. Será que o mundo e os americanos ainda não descobriram St. John?
Pôr-do-Sol em Maho Beach - St John - USVI
De volta ao hotel, nossa última noite nessa ilha incrível, dormi embalado com os muitos punchs de amora e rum, cortesia do hotel, pensamentos embaralhados com as lembranças do estranho mundo das estrelas do mar, ou do também estranho mundo de escravos negros com senhores dinamarqueses, obrigados a passarem o dia plantando cana sob o sol inclemente enquanto, metros abaixo, lá estava o paraíso, praias com areias brancas, águas transparentes e estrelas do mar sem entender porque aqueles homens preferiam as encostas do que as águas refrescantes. Estranho mundo, esse.
Banho de sol emBando Beach, praia privada em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Dias bem tranquilos passamos em Utila, agora na Semana Santa. Como sempre, a cidade está cheia de gringos ocupados em seus cursos de mergulho. Muitos americanos, canadenses ou europeus, viajando um mês aqui pela América central, reservam uma semana de seu tempo aqui na ilha para se iniciar nas artes da vida embaixo d’água. Utila se especializou nesse tipo de “turismo” e são mais de dez escolas que oferecem cursos a preços super competitivos.
Locomovendo-se em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Especialmente essa semana, o mais longo feriado do país, o turismo internacional fica disfarçado pelo turismo nacional, centenas de hondurenhos procurando a tranquilidade e segurança da ilha, seja pelas praias, festas, pescarias, ou mesmo para aprender a mergulhar também. As ruas estão mais cheias, táxis montados em triciclos motorizados andando para lá e para cá, restaurantes funcionando à plena carga, enfim, tudo cheio de vida.
Uma das lagoas de Utila, ilha no litoral norte de Honduras
"Garagem" em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Nós, depois do mergulho meia boca do nosso dia de chegada, resolvemos só voltar ao mar no dia 29, na esperança de seguir à costa norte. É só aí que haveria uma chance do mar se acalmar por aquelas bandas. Enquanto isso, ficamos em terra firme mesmo.
A praia pública de Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Utila tem duas ruas principais. Uma delas é a costeira, onde estão a maioria dos hotéis, restaurantes e escolas de mergulho. A outra segue para o interior da ilha, rumo ao pequeno aeroporto. Aí estava o nosso hotel. Além dessas ruas, um conjunto de ruelas estreitas, formando um verdadeiro emaranhado ou labirinto. Basta entrarmos nele e deixamos de ver turistas. Era a melhor maneira de nos sentirmos em uma Honduras mais verdadeira.
Observando área boa para snorkel, em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Área propícia para o snorkel em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Bem, além dessa experiência “sociológica”, a gente caminhava mesmo era pelas duas ruas pincipais, pela nossa até a Costeira e, de lá, para algum dos lados. No dia 27, fomos para a direita, rumo à movimentada e barulhenta praia pública. Praias não são o ponto forte de Utila, estreitas faixas de areia espremidas entre os corais, no mar, e a vegetação, em terra. Essa é a única praia pública da cidade e estava bem concorrida, restaurantes com seu sistema de som à máxima altura.
A bela Bando Beach, praia privada em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Nada muito animador! Preferimos Seguir em frente, até o canal que liga o mar a uma das lagoas internas da ilha, porto seguro para barcos. Aí também, uma das melhores áreas para prática de snorkel, água bem clara e corais rasos. Ficamos só com a bela vista, enquanto saboreávamos a tranquilidade, o silêncio e, claro!, uma cerveja gelada.
A bela Bando Beach, praia privada em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
No dia seguinte, dia 28, seguimos para o outro lado, para a praia privada de Bando Beach, dentro da área de um hotel. Paga-se uma entrada de 3 dólares e ganha-se acesso a uma praia sem música alta, areias bem brancas e limpas e uma “piscina” de água quente à frente. Os corais impedem que as ondas cheguem até a areia e a sensação é de piscina mesmo, só que com água salgada. Além das horas de vida boa que aí passamos, descobrimos que no mesmo local, nessa mesma noite, haveria uma grande festa de arromba. Já tínhamos programação para a noite!
Mergulho em Bando Beach, praia privada em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Festa ao ar livre, uma espécie de rave com direito ao melhor DJ do país, limitada pelo mar a um lado e pelo céu sobre nossas cabeças. A Ana, com sua tradicional simpatia e sociabilidade, logo conseguiu um ingresso na faixa para ela, enquanto eu banquei os 10 dólares para mim. A festa estava uma delícia, gente do mundo inteiro feliz, dançando e pulando, música eletrônica da melhor qualidade, show de luzes e lazer nas árvores e folhagens no local da festa.
saindo para mergulhar ao redor de Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Mergulho com um grande grupo, em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
O único porém era que não podíamos exagerar, pois tínhamos nosso mergulho marcado para o dia seguinte, bem cedinho, a única chance de rever nossos “amigos” tubarões-baleia.. Sob um céu estrelado e sem vento, voltamos meio tristes para casa, por causa da festa que continuava, e meio alegres por causa das melhores chances de seguirmos para a costa norte.
Atravessando um canyon formado por corais durante mergulho em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Uma grande moréia verde nos observa durante mergulho em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Dito e feiro, no dia seguinte estávamos no barco, nós e outros oito mergulhadores, vários deles meio com cara de ressaca, rumo à desejada costa norte. Foi legal, porque, além dos dois mergulhos que fizemos, o barco deu a volta em toda a ilha, dando a chance de observarmos essa parte isolada de Utila, praias selvagens e quase inacessíveis, muita mata e pequenas ilhotas com visual paradisíaco. Visitar essas “isletas” é um dos programas populares aqui em Utila, mas a gente só viu de longe, mesmo.
Uma arraia passa apressada por nós durante mergulho em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Uma das pequenas ilhotas que cercam Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Quanto aos mergulhos, foram melhores que aqueles do primeiro dia, mas nada de tubarões-baleia. Ainda não foi dessa vez... Desse lado da ilha, o banco de corais afunda mais rapidamente, formando canyons e grandes paredes, um visual bem mais interessante. O lado ruim foi que o grupo era grande e não se dividiu, muita gente na água, borbulhas para todo o lado, mergulhadores meio desengonçados. Eu e a Ana estamos meio mal acostumados, quase sempre mergulhando com gente quase profissional e, quando mergulhamos com gente mais inexperiente, achamos meio “estranho”. Enfim...
Uma das pequenas ilhotas que cercam Utila, ilha no litoral norte de Honduras
Nosso cafe preferido em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
De volta à cidade, fomos diretamente ao Café Che Pancho, o nosso preferido nesses dias por aqui, muita comida saudável e sucos deliciosos. Os donos, argentinos que viajavam do norte para o sul, mas acabaram se apaixonando pela ilha e aqui se estabelecendo, adoravam música brasileira, aquela de boa qualidade. Para nós, era um “colírio” para os nossos ouvidos, saudade da terrinha.
Nosso cafe preferido em Utila também é um cinema! (no litoral norte de Honduras)
Casa típica em Utila, ilha no litoral norte de Honduras
No dia 30 de madrugada, hora de partir. Chegando ao cais, uma longa fila nos fez agradecer termos comprado as passagens com antecipação. Depois de alguma espera, estávamos embarcados e a caminho do continente. Para trás, ficava um dos principais destinos turístico de Honduras. Para frente, um país inteiro para se descobrir...
Deixando Utila para trás, de volta à la ceiba, cidade no litoral norte de Honduras
Divertindo-se em balanço à beira de precipício, na Casa del Arbol, em Baños, no Equador
O primeiro programa do dia foi visitar a Laura na clínica onde ela está internada, quase ao lado da nossa pousada. Com o quarto todo envidraçado ela tem uma belíssima vista das montanhas que cercam Baños. A Ana aproveitou para fazer o seu exame de sangue e também descobriu estar com salmonela, mas numa dosagem bem menor e menos preocupante que a Laura. Já está se medicando para ficar 100% até Galápagos.
Placa comum em Baños, no Equador
Depois do café da manhã com salada de frutas com cereais e o delicioso "pan de yuca" (igualzinho ao nosso pão de queijo!), seguimos de Fiona montanha acima, eu a Ana e o Rafa. Queríamos chegar mais perto do majestoso vulcão Tungurahua, além de ter a belíssima vista lá de cima, da cidade e do vale.
Café del Cielo, em Baños, no Equador
Rodamos bastante pelas estradinhas na parte alta da montanha ao lado de Baños, sempre procurando o melhor ângulo para o vulcão. Na verdade mesmo, procurávamos QUALQUER ângulo em que pudéssemos vê-lo, pois o Tungurahua teimava em se esconder atrás das nuvens. E nessa procura acabamos chegando no Café del Cielo, um restaurante (e hotel) bem gostoso, localizado no alto de morro com uma visão provilegiada da cidade e, teoricamente, do vulcão também, se ele estivesse aberto.
Baños visto do Café del Cielo, no Equador
Admirando a região de Baños, no Equador
Ali lanchamos e ficamos amigo do simpático maître, que nos mostrou as piscinas de água quente ao ar livre do hotel. Tão jóias que prometemos voltar de noite para um banho e ainda sequestrar a convalescente Laura da clínica para trazê-la até ali.
A Casa del Arbol, em Baños, no Equador
Próxima parada: Casa del Arbol, ainda mais alta na montanha e com outra maravilhosa vista potencial para o Tungurahua. Ficou só no "potencial" novamente e a nossa diversão, enquanto esperávamos as nuvens darem uma trégua, foi um balanço colocado estratégicamente na beira de uma encosta bem íngrime. Parecia que estávamos voando enquanto segurávamos firmememte nas cordas do balanço, a nossa única segurança naquele momento.
Escondido entre as nuvens, o Tungurahua, o vulcão ativo de Baños, no Equador
Divertindo-se em balanço à beira de precipício, na Casa del Arbol, em Baños, no Equador
A Ana também conversou longamente com um simpático senhor que mora ali, o "guarda-vulcão". Junto com outros moradores ao redor da montanha, são esses "anjos" os responsáveis para dar o primeiro alerta em caso de sinais de atividade ou erupção desse vulcão que é o mais ativo do país nesses últimos anos. Como não é remunerado por isso, tenta fazer algum dinheiro nos finais de semana com o balanço, a bela "Casa na Árvore" e uma cervejinha gelada. Ele deu uma verdadeira aula para a Ana sobre vulcões, erupções e os diferentes tipos de cinzas que existem. Foi jóia!
Os tipos de cinza vulcânica da região de Baños, no Equador
Hora de voltar para a cidade, passamos nos famosos banhos termais da cidade para dar uma olhada nas piscinas. Não ficamos muito empolgados com o que vimos e decidimos que nosso banho seria mesmo nas apetitosas piscinas do Café del Cielo.
Com o Carlos, um dos guarda-vulcão de Baños, no Equador
E assim, apesar da noite chuvosa e nebulosa, carregamos a Laura lá para cima, para um jantar com vista para as luzes da cidade. Depois, com o frio que fazia, foram só eu e a Ana que nos animamos a entrar nas piscinas. Uma delícia! Tinha até uma Jaccuzzi. Se tivéssemos ido lá no dia anterior teríamos encontrado uma turma de motociclistas de Curitiba que vem percorrendo vários países da América do Sul. Já tínhamos ouvido falar deles pela internet e o nosso encontro aqui em Baños bateu na trave! Motociclista paranaenses... êta mundinho pequeno!
Banhos termais de Baños, no Equador
Jantando com a Laura (em recuperação!) no Café del Cielo, em Baños, no Equador
Para amanhã o médico da aura já deu alta e temos uma longa viagem para o sul do país, até a bela cidade de Cuenca. Já estávamos com saudades das estradas!
Delicioso banho de água quente ao ar livre em noite chuvosa e fria no Cafe del Cielo, em Baños - Equador
Monumento Nacional, no final do Paseo Montejo, em Mérida, no sul do México
Há muito tempo o nome “Yucatán” frequenta minha imaginação. Primeiro, foi quando comecei a me interessar pela história dos povos pré-colombianos. Incas e astecas, com seus exércitos poderosos, atraíram logo minha atenção, mas depois, foi o misterioso povo maia que mais me cativou. Viviam eles nas impenetráveis selvas da América Central, principalmente nesse lugar chamado “Yucatán”. Fixei o nome, mas não o lugar. Sabia que era ali na América Central, mas aonde?
Nosso caminho de Puebla à Mérida, dormindo em Acayucan
Bom, tão rápido como mudava meu corpo e mente no início da minha adolescência, mudavam também meus interesses. Da exploração espacial para o destino dos neandertais para a extinção dos dinossauros para a Biblioteca de Alexandria, tudo estava a um passo um do outro. Era a série Cosmos, de Carl Sagan, que fustigava e alimentava minha imaginação. Foi aí que tomei conhecimento, pela primeira vez, da teoria de que o choque um enorme meteoro com a Terra seria dado cabo dos tiranossauros e companhia. E que esse choque teria ocorrido na Península do Yucatán, há cerca de 65 milhões de anos. Resquícios do impacto e da cratera haviam sido encontrados por lá recentemente. Agora, com um mapa em mãos, nunca mais esqueceria a localização daquela península que unia maias e dinossauros.
Os grandes lagos de Atasta e Términos são a porta de entrada para a península do Yucatán, no México
Passam-se muitos anos e eis que, acompanhado da amada esposa, cruzamos a América Central de carro e adentramos o México pelo estado de Chiapas. A mística Yucatán estava ali, do ladinho, mais perto do que nunca. Mas teria de esperar mais um pouco. Nosso destino era o norte, a América do Norte nos chamando. Foi em Janeiro do ano passado. Um pouquinho mais de paciência. Pois bem, 12 meses se passaram, o mundo não acabou (nem a nossa viagem!) e nós estamos aqui de volta. Dessa vez, muito bem acompanhados da nossa madrinha e amiga Valéria, temos todo o tempo do mundo para o Yucatán.
Fachada de igreja em Mérida, no sul do México
Ontem tínhamos dormido em Acayucan, vindos de Puebla. Na nossa pressa para aqui chegar, deixamos para trás e para uma outra vez a cidade portuária de Vera Cruz, sede do mais animado carnaval do país. Justo em época de carnaval! Bom, não se pode ver tudo. Queríamos mesmo era chegar à Mérida, a cidade de maior importância histórica da região, sede do poder colonial espanhol. É o ponto inicial de nossas explorações nessa semana antes do retorno da Val para o Brasil. Depois, teremos mais tempo para, com calma, curtimos as praias, cenotes e ruínas dessa região fascinante.
Interior da catedral em Mérida, no sul do México
Nós chegamos à Mérida de noite, mas ainda em tempo de apreciar suas ruas coloniais cheias de restaurantes, hotéis e turistas de todas as partes. A cidade está cheia e não foi fácil achar um lugar para ficarmos. Mas achamos, precisando de um descanso depois de tantas horas e quilômetros de estradas e ansiosos por uma noite de sono.
Altar decorado na catedral de Mérida, no sul do México
Hoje, então, foi a largada oficial de explorações. E começamos logo com chuva. Tempo ideal para uma boa sessão de museus, entre uma corrida e outra entre ruas e praças. Foi ótimo para começarmos a ter uma ideia da rica história da península, que começou com um impacto colossal, passou pela mais interessante das civilizações pré-colombianas e se transformou numa verdadeira febre do turismo mundial.
Visita ao belo Palácio Municipal, em Mérida, no sul do México
Visita ao belo Palácio Municipal, em Mérida, no sul do México
Depois de passar por igrejas e pela catedral, pelo pomposo teatro e pela movimentada universidade e por ruas e praças coloniais esvaziadas pela chuva fina, chegamos ao Palácio Municipal, todo decorado com enormes murais que retratam aspectos da história e do cotidiano da península, da época maia aos séculos de opressões e lutas sociais que se seguiram à conquista espanhola. Em um bem decorado salão, uma pincelada sobre os principais momentos históricos dos últimos 500 anos, o que me fez ver o quão pouco eu sabia além de generalidades muito vezes equivocadas. Para alguém que se julga “sabedor da história”, foi um delicado tapa na cara...
Pintura moderna mostrando a importância do milho para os povos do Yucatán (em Mérida, no sul do México)
Sempre aprendi que, ao chegarem ao Novo Mundo, espanhóis encontraram apenas dois grandes povos e impérios: incas e astecas, conquistados por Pizarro e Cortes, respectivamente. Já os maias, não seriam nem sombra do passado, apenas bandos de selvagens vivendo em meio às ruínas de sua decadente civilização. Nada mais falso.
Quem se habilita a ler um texto no idioma maia? (em Mérida, no sul do México)
É certo que os grandes centros mais na Guatemala haviam sido abandonados muito antes, mas ao norte do Yucatán ainda fervilhava uma civilização, com suas cidades e palácios. Dividiam-se em cidades-estado o que, com suas rivalidades, facilitou a conquista espanhola. Mas, ao mesmo tempo, prolongou ao máximo a guerra de conquista, pois não bastava aos colonizadores conquistar uma “capital” ou um país. Tiveram que fazer guerra com cada uma delas, mesmo as mais isoladas e diminutas. Enquanto astecas e incas caíram em menos de uma geração, os mais resistiram por séculos.
Sala de exposições de história em prédio público em Mérida, no sul do México
O grande conquistador da península foi, na verdade, uma família, os Montejo. Pai, depois filho, depois sobrinho. Explorando ao máximo as divisões internas, aliando-se a povos antes oprimidos, derrubaram e conquistaram as antigas cidades dominantes, para depois traírem e escravizarem também seus aliados, Depois, pouco a pouco, foram estendendo seu domínio por toda a península, tribo após tribo. Mas o espírito indígena nunca foi batido, apesar dos séculos de repressão.
Passeando em dia de chuva pelo centro histórico de Mérida, no sul do México
Tanto que, com a independência do México, o Yucatán declarou-se logo independente do poder central, um país governado pela elite local, descendentes mestiços dos antigos colonizadores. Sua capital era Mérida, a cidade fundada pela família Montejo. Mas em seguida, dentro desse novo país, foram os índios a reclamar sua independência. O Yucatán foi dividido em dois, uma república branca e outra índia. Incapaz de controlar a sublevação maia, a “parte branca” preferiu voltar ao controle mexicano para, juntos, controlarem toda a península. Essa guerra que durou um século, conhecida como Guerra de Castas, manteve a península dividida, os maias com seu país independente na parte sudeste da península, uma terra proibida para brancos e mestiços.
Em escultura nada sutil, um conquistador aparece pisando sobre os indígenas conquistados (em Mérida, no sul do México)
Foi só no início do século XX, depois de um acordo entre México e Inglaterra que impediu que os maias continuassem a comercializar armas e mantimentos com Belize que as forças de Porfírio Diaz retomaram o controle da região. Mesmo assim, ainda na década de 30, rebeldes lutavam no interior da península.
Interior da Casa de Montejo, a família que conquistou o Yucatán (em Mérida, no sul do do México)
Depois dessa verdadeira aula de história, atravessamos a praça para visitar a casa dos conquistadores, a família Montejo. Do lado de fora, um alto relevo nada sutil mostra os antigos conquistadores pisando sobre a cabeça dos indígenas conquistados. Pois a cultura deles sobreviveu aos séculos, língua, vestimentas, culinária e o povo. É essa península que começamos a explorar hoje, cada vez mais curiosos em nos aprofundar em sua cultura, história e belezas naturais. Yucatán, chegamos!
Banco especial para namorados, no Paseo Montejo, em Mérida, no sul do México
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