0
Arquitetura Bichos cachoeira Caverna cidade Estrada história Lago Mergulho Montanha Parque Patagônia Praia trilha vulcão
Alaska Anguila Antártida Antígua E Barbuda Argentina Aruba Bahamas Barbados Belize Bermuda Bolívia Bonaire Brasil Canadá Chile Colômbia Costa Rica Cuba Curaçao Dominica El Salvador Equador Estados Unidos Falkland Galápagos Geórgia Do Sul Granada Groelândia Guadalupe Guatemala Guiana Guiana Francesa Haiti Hawaii Honduras Ilha De Pascoa Ilhas Caiman Ilhas Virgens Americanas Ilhas Virgens Britânicas Islândia Jamaica Martinica México Montserrat Nicarágua Panamá Paraguai Peru Porto Rico República Dominicana Saba Saint Barth Saint Kitts E Neves Saint Martin San Eustatius Santa Lúcia São Vicente E Granadinas Sint Maarten Suriname Trinidad e Tobago Turks e Caicos Uruguai Venezuela
Depois de acordarmos em frente ao mar na praia Obama e passarmos pelo vib...
Desde que chegamos à Ilha Grande já sabíamos que o tempo iria fechar g...
Ao contrário de ontem, o dia nasceu esplendoroso hoje, céu azul e sol r...
Jorge Martins (03/10)
Meus caros, Voltando a essa história dos "Falls Top 10", esse Buraco do...
selma (25/09)
oi rodrigo, tenho uma banda e tenho um contrato pra tocar natal e reveill...
claudia (24/09)
Minha Canoa, minha querida Canoa Quebrada, da Casa de Dona Bahia, da lind...
claudia (24/09)
Minha Canoa, minha querida Canoa Quebrada, da Casa de Dona Bahia, da lind...
claudia (24/09)
Minha Canoa, minha querida Canoa Quebrada, da Casa de Dona Bahia, da lind...
Chegamos ao Círculo Polar Ártico, no norte do Alska!
Desde que saímos do Brasil, sabíamos que, um dia, chegaríamos ao Alaska. Mas a gente não pensava muito nos detalhes, não. O Alaska era apenas um nome, um destino meio difuso, lá na frente. Finalmente, no último mês, o Alaska começou a aparecer no nosso horizonte, tornou-se mais real, tangível. Então, era hora de decidir o que fazer e aonde ir quando chegássemos lá.
Nosso percurso hoje, pela Dalton Highway, passando pelo Círculo Polar, chegando à pequena Coldfoot
O Alaska é um estado enorme, de longe, o maior dos Estados Unidos. Mas sua malha rodoviária não é tão extensa assim. Então, não são muitas opções para a Fiona. A maioria da população e das atrações turísticas estão localizadas no sul, perto de Anchorage, a maior cidade do estado, ou na estreita língua de terra que avança sobre o Canadá, mas que não tem acesso por estradas. É sobre essas duas áreas que nosso livro- guia gasta quase todas as suas páginas. Para todo o resto, um mísero quadro de meia página intitulado “The Best of the Rest”. Nesse balaio de gatos, colocam o Denali (mais alta montanha da América do Norte), Fairbanks (segunda cidade do Alaska) e o Círculo Polar Ártico.
Início da Dalton Highway, que vai até o norte do Alaska
Enfim, recorremos á outras fontes e fomos nos animando, cada vez mais, a explorarmos a parte norte do Alaska. A decisão final de irmos para lá foi quando assistimos a Aurora Boreal, ainda no Canadá. Paixão à primeira vista! Tínhamos de ver mais vezes! E o melhor lugar para isso é no minúsculo lugarejo de Coldfoot, na Dalton Highway, 60 milhas ao norte do Círculo Polar.
A estrada e o oleoduto seguem juntos até a costa do Oceano Ártico, no norte do Alaska
Nós já tínhamos estado nessa latitude quando estivemos na Groelândia. Mas estávamos sem nossa fiel companheira, a Fiona. Ela reclamou e achamos justo que ela fosse até lá também, hehehe. Afinal, se nos trouxe até aqui, porque não mais um pouco?
A belíssima paisagem antes de chegarmos à Coldfoot, 95 km ao norte do Círculo Polar Ártico, no Alaska
E assim, estava decidido! Pela Aurora e pela Fiona, para o norte seguimos! Deixamos Fairbanks para trás e, numa estrada meio asfaltada, meio encascalhada, meio em obras, meio completa, seguimos até o início da Dalton Highway. Essa estrada foi construída no início da década de 70, ligando o centro do Alaska até o Oceano Ártico, no norte. A razão não foi política nem turísticas, mas puramente econômica. Tinham acabado de descobrir imensas reservas de gás e petróleo por lá, justo quando estourava a primeira crise internacional do petróleo. Para transportá-lo para o sul, era necessário construir um oleoduto. E para construir esse oleoduto, precisava-se de uma estrada. Em menos de um ano estava pronta (o oleoduto demorou três!), com grande tráfego de caminhões e máquinas pesadas. Menos de uma década mais tarde, a estrada foi aberta para o público e tornou-se um grande atrativo para aventureiros de todo o mundo.
A Dalton Highway atravessa floresta completamente amarelada, com montanhas nevadas ao fundo, pouco antes de chegar ao Círculo Polar, no norte do Alaska
Pois bem, falando em aventureiros, chegou a nossa vez! Decidimos que queríamos dirigir até a simbólica marca do Círculo Polar Ártico e, mais do que isso, dormir por lá, para assistirmos de camarote o show de luzes da Aurora. Fomos informados que só havia duas lugares onde encontraríamos alojamentos: na passagem pelo rio Yukon, o maior do Alaska, ainda antes do Círculo Polar, e em Coldfoot, antigo assentamento mineiro, 60 milhas ao norte da linha imaginária que marca o início das regiões polares. Essa passou a ser, então nosso objetivo do dia.
Muitas expedições (várias de brasileiros, mas só de moto!) deixam seus adesivos no lodge de Yukon Crossing, no norte do Alaska
Imaginávamos a Dalton Highway em pior estado. Mas, acostumados que estamos com nossas estradas da América Latina, achamos ela, na verdade, muito boa. Mesmo nas partes encascalhadas, o piso é de tão boa qualidade que podemos andar a mais de 100 km/h. Então, a viagem foi bem mais rápida que tínhamos imaginado inicialmente.
Um dos dois lugares para ficar na estrada Dalton Highway, Yukon Crossing, no norte do Alaska
Não demorou muito e já passávamos pelo Yukon Crossing. Local muito frequentado por pescadores e caçadores. Infelizmente, a caça é super popular por aqui e não é a toa que a Sarah Palin é popular no estado. Diversas vezes cruzamos com caminhões repletos de cabeças e chifres de alces e caribus. Pessoas em trajes de camuflagem, sempre com seus rifles, também são visão comum. Pobres animais, que chance tem contra armas dessas, com miras telescópicas?
Um magnífico lago que se transforma num gigantesco espelho, pouco antes de chegarmos à Coldfoot, na zona polar do Alaska
Bom, tirando esse aspecto, todo o resto é absolutamente maravilhoso. As paisagens são grandiosas. Nessa época do ano, as árvores já estão amarelas e vermelhas, pois o Outono chega muito mais cedo por aqui. Florestas inteiras amarelas com montanhas nevadas ao fundo, são verdadeiros quadros a cada quilômetro que andamos.
Vegetação com cores de outono e a montanha, já com cores de inverno, 90 km ao norte do Círculo Polar, na Dalton Highway, no Alaska
Isso sem falar dos rios pitorescos e dos lagos que formam grandes espelhos. A paisagem, que já era maravilhosa quando era única, duplicada nas águas dos lagos parece um sonho. Realmente, é de tirar o fôlego.
Um inesquecível encontro com um lobo, na Dalton Highway, a caminho do Círculo Polar, no norte do Alaska
Outra coisa muito legal foi termos visto um lobo na estrada. Desde Yellowstone que estamos procurando um e nada até agora. Hoje, lá no Yukon crossing, a mulher do alojamento tinha me desanimado, dizendo que só por milagre veríamos um aqui por perto. Pois o milagre aconteceu! Ele estava no meio da estrada, majestoso. Com a Fiona se aproximando, correu para o alto do barranco. Ali, ainda antes de desaparecer no mato, posou todo elegante e imponente, contra o céu azul atrás de si. Que visão mais mágica que foi isso!
Chegada ao Círculo Polar. Nosso destino era Coldfoot, ainda 60 milhas ao norte! (Dalton Highway - Alaska)
Também foi legal deixarmos nosso adesivo em Yukon Crossing, junto com adesivos de outras expedições. Várias brasileiras, mas todas de moto. Pelo menos ali, a Fiona foi o primeiro carro brazuca a deixar seu registro, hehehe.
Chegamos ao Círculo Polar Ártico, no norte do Alska!
Mas a frente, foi a vez do monumento ao Círculo Polar. Também foi emocionante passar lá. São nessas placas que a gente realiza de verdade o quanto já andamos e o quanto estamos longe de casa. A América do norte está muito mais ao norte do que a América do sul está ao sul. Esta latitude que estamos, mais de 66 graus, equivaleria a estar muito além de Patagônia e Terra do Fogo.na verdade, estaríamos em plena Península Antártica! Não é demais?
Observando as vastidões árticas no norte do Alaska, a caminho do Círculo Polar
Por fim, um último lugar muito legal que passamos foi em uma pedra que é um ponto de referência, não só na estrada, mas em toda a região. E tem sido assim há milhares de anos! Junto a essa mesma pedra se reuniam os caçadores de mamutes, pois dali podiam observar os animais caminhando pelas planícies abaixo. Pois é, imaginar mamutes caminhando naquela tundra que nos cercava nos fez sentir muito perto dessa outra realidade que, um dia, existia por aqui. Estávamos sós, eu e a Ana, naquele enorme vastidão, visão de 360 graus para todos os lados, quilômetros e quilômetros de tundra e espaços vazios. Nós e os fantasmas dos antigos caçadores e dos gigantescos mamutes. Foi muito especial ter estado ali...
A vastidão da tundra, na Dalton Highway, a caminho do Círculo Polar, no norte do Alaska
Mas havia algo mais especial nos esperando. Um show de luzes cósmico que também era visto por esses mesmos caçadores e mamutes. Coldfoot está pertinho, assim como o fim da tarde, que por aqui, nessa época, se dá por volta das 22 horas. E antes disso, ainda queríamos nos instalar e comer. Portanto, pé na tábua para o norte, Círculo Polar Ártico já no nosso retrovisor fazia tempo!
A belíssima paisagem antes de chegarmos à Coldfoot, 95 km ao norte do Círculo Polar Ártico, no Alaska
Admirando a região das ruínas de Quilmes, próximo à Cafayate - Argentina
Saímos de Cafayate, umas das principais regiões produtoras de vinho na Argentina, com destino a Fiambalá. Mas antes de chegar lá, outro importante compromisso: conhecer as ruínas de Quilmes, a 60 km ao sul de Cafayate, bem no nosso caminho.
Placa da Rota do Vinho na região de Cafayate - Argentina
Os Quilmes eram o povo que vivia nesta área na época da chegada dos conquistadores espanhóis. Sem nenhuma intenção de se deixar serem escravizados, eles foram os indígenas que mais resistiram à conquista. A arquitetura da cidade em que moravam ajudou bastante essa resistência. Habitavam a encosta de uma montanha e nela construíram várias fortalezas e torres de observação. Lá do alto, além de poderem observar a aproximação do inimigo pela vasta planície à frente, a defesa também era bem mais eficiente, já que a gravidade jogava a seu favor.
As ruínas de Quilmes, próximo à Cafayate - Argentina
Infelizmente para eles, essas vantagens não foram suficientes. Resistiram até a metade do séc XVII, caíndo frente à tecnologia superior dos espanhóis. Os sobreviventes dessa última batalha foram levados em marcha forçada até a distante Buenos Aires. Muitos morreram na árdua caminhada e os dois mil sobreviventes foram alojados num subúrbio da cidade que hoje tem o nome de Quilmes. E é lá que nasceu a famosa cerveja tão admirada pelos brasileiros que viajam pelo país. Eu, por exemplo, que já era fã, agora sempre tenho a quem brindar, quando tomo essa saborosa cerveja. Viva esse povo valente e guerreiro!
No alto de fortaleza nas ruínas de Quilmes, próximo à Cafayate - Argentina
Nós passamos algumas horas explorando as ruínas e a montanha onde elas se localizam. Do alto de suas fortalezas observamos a planície à nossa frente, tentando imaginar o que sentiam seus habitantes vendo aproximar os exércitos espanhóis. Imaginamos suas preces para que seus deuses os ajudassem à preservar sua cidade, sua cultura, suas famílias. Infelizmente, a história não é uma novela da Globo nem um filme de Hollywwod e são pouco as vezes em que a justiça prevalece.
As ruínas de Quilmes, próximo à Cafayate - Argentina
Bom, após o passeio, os devaneios e as lindas paisagens era hora de seguir viagem. Uma longa viagem. Estradas de asfalto em infinitas retas, estradas de terra com poeira infinita e fomos dando a volta numa pequena cordilheira (se fizessem um túnel, economizaríamos uns 100 km!) até chegarmos em Tinogasta.
As ruínas de Quilmes, próximo à Cafayate - Argentina
Aí, tomamos uma dura da polícia, com direiro a cão farejador. Com toda a educação, como tem sido todas as vezes que temos contato com policiais. Como andamos com tudo encima, não tivemos nenhum problema. É, problema não tivemos, mas eles nos deram uma informação meio triste: o Passo de São Francisco estava fechado do lado chileno, por excesso de neve. Talvez abrisse, mas eles não sabiam quando. É, um dia deve abrir...
Observando as ruínas de Quilmes, próximo à Cafayate - Argentina
Com essa ducha de água fria seguimos até Fiambalá. Ali, após obtermos informações na Oficina de Turismo, seguimos diretamete para as termas, uns 15 km montanha acima. na verdade, vulcão acima. Vulcão extinto, mas com força suficiente para esquentar as águas que nascem em sua antiga caldeira. Ali foram construídas piscinas termais e também um hotel, onde fomos nos hospedar.
Venda de artesanato nas ruínas de Quilmes, próximo à Cafayate - Argentina
Para nossa alegria, havia vagas para nós. Melhor que isso, as piscinas são incríveis, água bem limpa e quente mesmo. São várias piscinas e a temperatura vai abaixando conforme nos afastamos da fonte. Na hora que chegamos, já de noite, ninguém mais estava por lá e tínhamos aquele paraíso todo só para nós. Tratamos de aproveitar, começando com a piscina de 38 graus e subindo até a de 44, já do lado da nossa Cabana VIP, uma verdadeira casa com dois quartos, varanda, banheiro e cozinha. Um conforto que não esperávamos, à um preço ótimo. Assim, mesmo com o Paso São Francisco fechado, já valeu a viagem, hehehe! Falando em Paso, a esperança é a última que morre e amanhã vamos para lá! Depois de mais um banho nas piscinas, claro!
Banho noturno nas deliciosas termas de Fiambalá - Argntina
Ahhh... já ía esquecendo! Imagina se não tomamos e brindamos uma Quilmes dentro daquela piscina de água quente na noite de lua quase cheia com vistas para as encostas de um antigo vulcão? MARAVILHOSO!
1000dias em Plaza Francia, em frente à mítica parede sul do Aconcágua, a 4.300 metros de altitude (Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
O Aconcágua é a maior montanha do mundo fora da Ásia. Ligeiramente abaixo dos 7 mil metros, é também a alta montanha mais fácil de ser escalada. Essas duas características se combinam para fazer dela um cume bastante popular e foi apenas o aumento acentuado das tarifas para se entrar no parque e ter o direito de tentar subi-la que conseguiu controlar o número cada vez maior de alpinistas ou simplesmente turistas que queriam se arriscar nas altas altitudes. Com os preços atuais, muita gente já começa a preferir pagar um pouco mais e ir até o Himalaia, onde as montanhas são ainda mais altas.
O belo cenário do Parque Provincial do Aconcágua, perto do acampamento Confluencia, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Início da caminhada do acampamento Confluencia para Plaza Francia, campo base da parede sul do Aconcágua (região de Mendoza, no oeste da Argentina)
O problema maior é que a facilidade em se chegar ao cume é extremamente relativa. É verdade que é possível caminhar até o alto, sendo desnecessário qualquer conhecimento mais técnico de alpinismo, pelo menos para quem segue pela rota normal. Mas só chegará ao cume quem tiver passado pelo adequado processo de aclimatação às grandes altitudes, algo que requer muitos dias na região. Alguns organismos não se adaptarão e quem não souber reconhecer isso e insistir é um forte candidato a entrar no rol de estatísticas de mortos nessa montanha. Além disso, mesmo para quem estiver aclimatado, o cume só será atingido em condições favoráveis de tempo e o tempo na montanha é notório por sua instabilidade. Em condições excepcionalmente boas, pessoas já chegaram ao cume do Aconcágua calçando apenas um tênis e até cães foram até lá também, acompanhando seus donos. Mas em dias de clima ruim, e eles são a maioria, ninguém chega ao alto, nem o mais experiente dos alpinistas.
Ponto onde a trilha se bifurca, um lado seguindo para Plaza de Mulas, na rota normal, e o outro seguindo para Plaza Francia, a nossa opção, onde está a parede sul do Aconcágua. (região de Mendoza, no oeste da Argentina)
Ponto onde a trilha se bifurca, um lado seguindo para Plaza de Mulas, na rota normal, e o outro seguindo para Plaza Francia, a nossa opção, onde está a parede sul do Aconcágua. (região de Mendoza, no oeste da Argentina)
O topo do Aconcágua foi atingido pela primeira vez em 1897. Antes disso, os Incas usavam suas encostas mais altas como local de adoração e sacrifício. Múmias já foram encontradas acima dos 5 mil metros, mas não há indícios que tenham chegado ao cume da montanha. Foi apenas a partir do séc. XX que os 6.962 metros de altitude dessa montanha começaram a ser visitados com uma frequência cada vez maior por seres humanos. Estabeleceu-se uma “rota normal”, um caminho em que se podia chegar ao cume apenas caminhando. É claro que os verdadeiros alpinistas não iriam se satisfazer com isso e novos caminhos, cada vez mais difíceis, foram sendo estabelecidos. Agora sim, rotas apenas para profissionais, paredes de gelo e rocha que só seriam vencidos com muita técnica, bons equipamentos e a aquiescência de São Pedro. Enquanto a face noroeste da montanha, onde está a rota normal, foi deixada para os turistas interessados em caminhar até o topo do continente, a magnífica face sul virou território dos melhores e mais famosos alpinistas do mundo. E mesmo entre eles, a taxa de sucesso é baixíssima. Enquanto do lado de lá, o Aconcágua é considerada a mais fácil montanha de alta atitude do mundo, do lado de cá, ela está entre as mais desafiadoras.
Um pequeno descanso na caminhada até Plaza Francia, no Parque Provincial do Aconcágua, na região de Mendoza, no oeste da Argentina
Grandes pináculos de rocha fazem parte do cenário do Parque Provincial do Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
A face sul do Aconcágua é uma enorme parede com cerca de 2,5 quilômetros de altura. Não é um paredão único, mas uma sequência de pequenas paredes, algumas de gelo, outras de rochas, muitas delas com gelo e rocha misturados. Técnicas e equipamentos para essas duas superfícies são distintos e os escaladores que quiserem enfrentar essa rota terão que dominar todas essas técnicas e levar para cima o peso de todos esses equipamentos. Essa é a parte fácil da história. A difícil são os constantes desabamentos e avalanches, tanto de gelo como de rocha. Por isso, os caminhos tentam passar longe das canaletas, onde a queda de rocha e gelo é mais comum. Mas eles ocorrem por toda a parede e o melhor para os alpinistas é passar o menor tempo por lá, fazer a escalada o mais rapidamente possível. Mesmo com pressa, é impossível acelerar muito nessas altitudes e condições, com o frio chegando a trinta graus negativos durante a noite, ventos de quase 200 km/h. São escaladas que levam cerca de 4-5 dias e, em muitos momentos, o alpinista estará exposto ao bom ou mau humor da natureza.
O relevo pintado de vermelho e amarelo na região do monte Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Caminhando no Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Com todas essas dificuldades, não é difícil entender porque mais de mil pessoas chegam ao cume a cada ano, tentando pela rota normal, enquanto que, pela face sul, são comuns os anos em que absolutamente ninguém chega ao topo da parede. O número de alpinistas que tentam fica entre uma e duas dúzias, mas, muitas vezes, devido às condições de tempo desfavoráveis, muitos deles nem chegam de fato a iniciar suas tentativas. Ficam no acampamento base, chamado de Plaza Francia, admirando aquele enorme paredão, ouvindo o som quase constante de avalanches e prestando atenção nas previsões climáticas no rádio. Alguns dos mais famosos alpinistas brasileiros já passaram pela experiência, voltando para casa de mãos vazias, mas vivos para poder tentar algum outro ano.
Muitas cores e até uma cachoeira de gelo em um paredão de rocha no Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Trilha entre Plaza Francia e Confluencia, no Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Infelizmente, nem todas as histórias terminam bem. Quando eu estive no Aconcágua da outra vez, na temporada 98/99, estava fazendo um ano uma das mais tristes tragédias do alpinismo brasileiro. No ano anterior, Mozart Catão, o primeiro brasileiro a chegar ao cume do Everest junto com Waldemar Nicleviz, liderava uma expedição para vencer a face sul do Aconcágua. Nunca uma expedição brasileira havia chegado tão perto disso. Dos cinco alpinistas, dois haviam desistido e esperavam no campo base. Os outros três, liderados por Mozart, estavam a menos de 800 metros do cume. Entre eles, Othon Leonardos, um jovem alpinista que meu irmão havia conhecido dois anos antes, no mesmo Aconcágua, mas na rota normal. Costumavam jogar ping-pong no refúgio que há em Plaza de Mulas e Othon se destacava por sua animação e bom humor constantes. Agora, ele seguia de perto um dos maiores alpinistas brasileiros, Mozart, quase já ao fim de mais um dia de escaladas na face sul, talvez o penúltimo antes de chegar ao cume. Mas a natureza tinha outros planos. Uma pequena avalanche atingiu Mozart em cheio e ele despencou da montanha para nunca mais ser achado. Othon e o outro alpinista, Alexandre Oliveira, também haviam caído vários metros, mas estavam pendurados em uma corda que havia se enroscado em uma pedra. Alexandre estava mais abaixo, quase inconsciente, enquanto Othon havia quebrado suas duas pernas. Mesmo pendurado, conseguiu buscar o rádio em sua mochila nas costas e pedir ajuda ao campo base. Infelizmente, naquele lugar e naquelas condições, não havia ajuda possível. Othon ainda ficou conversando por duas horas com seus colegas em Plaza Francia, que tentavam animá-lo de todas as formas. Mas acabou por sucumbir ao terrível frio da montanha, não sem antes enviar mensagens para os pais e entes queridos.
Uma rocha e os rastros de seu deslizamento nas encostas de uma montanha no Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Caminhando entre Plaza Francia e Confluencia, no Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Quatro anos depois, foi a vez de Rodrigo Ranieri e Vitor Negrete finalmente conquistarem a temida parede para o alpinismo brasileiro. Na subida, por incrível que pareça, acabaram passando pelos corpos congelados e ainda pendurados de Othon e Alexandre. Rodrigo, que já esteve no Himalaia e no topo do Everest diversas vezes, sempre disse que o maior desafio vencido da carreira foi mesmo a face sul do Aconcágua, menos pelas dificuldades técnicas, mas principalmente pelo perigo constante das avalanches e deslizamentos. Agora, tantos anos mais tarde, o mais provável é que a corda que sustentava Othon e Alexandre tenha finalmente se rompido, devido ao frio e envelhecimento. Mas, para mim, é impossível olhar essa parede e não me lembrar dessa triste história, assim como também do sucesso dos meus amigos Rodrigo e Vítor, contemporâneos da minha época de Unicamp.
Uma prima da urtiga, adaptada às grandes altitudes do Parque Provincial do Aconcágua, na região de Mendoza, no oeste da Argentina
Uma prima da urtiga, adaptada às grandes altitudes do Parque Provincial do Aconcágua, na região de Mendoza, no oeste da Argentina
Hoje pela manhã, aqui no acampamento de Confluencia, todas essas histórias estavam em minha cabeça. Assim como a vontade de chegar pela primeira vez à Plaza Francia e ver de perto essa paisagem espetacular, a tão famosa face sul da maior montanha do continente. Da outra vez que estive aqui (vou contar a história no próximo post), segui diretamente para Plaza de Mulas e de lá para o cume. Plaza Francia foi apenas uma vontade, adiada por quinze anos. Hoje, dia de céu azul, nada mais me impediria de vê-la de perto, de frente, de baixo.
Vegetação adaptada ao frio a grandes altitudes da região do Aconcágua, Província de Mendoza, no oeste da Argentina
Vegetação adaptada ao frio a grandes altitudes da região do Aconcágua, Província de Mendoza, no oeste da Argentina
Eu e a Ana saímos cedo, mas sem pressa. Tínhamos todo o dia para chegar até lá, observar e fotografar, lanchar, e voltar para Confluencia, onde ficaria nossa barraca e sacos de dormir. Caminharíamos leves, apenas o lanche, a máquina fotográfica e um par de casacos na mochila. Quase onze quilômetros para ir e o mesmo percurso de volta. Sairíamos dos 3.400 metros de altitude de Confluencia para chegar aos 4.250 metros de Plaza Francia, numa longa subida, lenta e gradual, em meio a algumas das mais belas paisagens do Parque Provincial do Aconcagua. Apenas aqueles que pretendem (e pagam por isso) subir a face sul é que podem acampar em Plaza Francia. Os outros, como nós, só podem passar o dia por lá, mas devem retornar e dormir em Confluencia.
Arbusto com flores amarelas no nosso caminho para Plaza Francia, quase aos 4 mil metros de altitude, no Parque Provincial do Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Perfil da caminhada até Plaza Francia, campo base para quem for enfrentar a famosa Parede Sul do Aconcágua, nos Andes argentinos, região de Mendoza
Logo no início da caminhada chegamos à bifurcação da trilha. Para a esquerda, Plaza de Mulas, o campo base da rota normal. Para a direita, Plaza Francia, nosso objetivo de hoje. As duas trilhas seguem pelos braços do rio Horcones, o Superior e o Inferior, que se juntam exatamente nessa bifurcação, conforme se vê muito bem no mapa da região que mostrei no post anterior.
A imponente Parede Sul do Aconcágua começa a aparecer por detrás de uma montanha mais baixa, no nosso caminho para Plaza Francia (Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
A imponente Parede Sul do Aconcágua começa a aparecer por detrás de uma montanha mais baixa, no nosso caminho para Plaza Francia (Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
Bom, como disse, eu e a Ana pegamos o caminho da direita, sempre ao lado do rio. Passamos por cachoeiras coloridas e a estranha flora de altitude. Vegetação rasteira, mas com muitas flores nessa época do ano. Brancas, amarelas, vermelhas. Tem até uma parente da urtiga e, com tantos espinhos em suas folhas, caules e flores, dá até medo de chegar perto. Mas são lindas e ajudam a dar cor a um ambiente que é quase estéril, principalmente quando vamos ganhando mais altitude.
O glaciar Horcones, quase escondido por terra e rocha que traz consigo desde a Parede Sul do Aconcágua (Parque Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
O glaciar Horcones, quase escondido por terra e rocha que traz consigo desde a Parede Sul do Aconcágua (Parque Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
Pode não haver muita vida por lá, mas a beleza é grandiosa. Picos e paredões coloridos para onde quer que se olhe. Diferentes camadas geológicas, compostas de diferentes minérios e expostas pelo tempo, tem cores distintas, os tons variando entre o amarelo e o vermelho e as dezenas de combinações possíveis entre eles. Tudo isso com pitadas de branco e marrom. É lindo, quase uma paleta de cores.
Cada vez mais próximos de Plaza Francia e da parede sul do Aconcágua, na região de Mendoza, no oeste da Argentina
Finalmente, ainda antes de chegarmos à Plaza Francia, o Aconcágua aparece com todo o seu esplendor! (Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
É muito estranho pensar, principalmente quando já estamos acima dos 4 mil metros, que tudo isso estava abaixo do mar, não há muito tempo em termos geológicos. Mas os fósseis marinhos incrustados nas rochas estão ali para nos lembrar disso. Mesmo no cume do Aconcágua já foram encontrados exemplares de antigas criaturas marinhas. Foi o choque de placas tectônicas que começou a levantar os Andes nas últimas dezenas de milhões de anos. O que era leito marinho, com o tempo, se tornou a mais alta montanha dessa parte do globo. E algum dia, tudo vai estar no leito do mar novamente, enquanto outras montanhas serão criadas em outros lugares. Perto da eternidade, o Aconcágua é tão passageiro como nós.
Finalmente, ainda antes de chegarmos à Plaza Francia, o Aconcágua aparece com todo o seu esplendor! (Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
A Ana tendo ao fundo a imponente parede sul do Aconcágua, pouco antes de chegarmos à Plaza Francia, no Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Falando nele, após algumas horas de caminhada, ele finalmente começou a aparecer, escondido ainda atrás de montanhas muito mais baixas, porém muito mais próximas de nós. Era a mitológica parede sul, cada vez mais perto de nós. Agora, já estávamos acima dos 4.200 metros, bem mais altos que o cume do Lanín, a última montanha que havíamos subido, poucos dias atrás (post aqui). Enquanto lá, 300 metros abaixo da altitude em que nos encontrávamos agora, a sensação era a de se estar no topo do mundo, aqui era o contrário. Ao nosso redor, apenas montanhas mais altas. E à nossa frente, uma parede com mais de dois quilômetros de altura! Estávamos praticamente no fundo do vale!
O glaciar Horcones, disfarçado sob entulho, que nasce nas encostas do Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Prestando a devida reverência à imponente parede sul do Aconcágua, a 4.300 metros de altitude, na região de Mendoza, no oeste da Argentina
Ao nosso lado, o rio Horcones havia se transformado no glaciar Horcones, um rio de gelo praticamente escondido sob toneladas de rochas e detritos. É o material que ele arranca e carrega das altas montanhas, especialmente da face sul do Aconcágua, onde nasce. Vendo todas aquelas rochas sendo trazidas lá de cima, fica mais fácil acreditar que a montanha está mesmo se desfazendo e que, um dia, voltará a estar abaixo do mar. Mas não enquanto o choque de placas tectônicas continuar a empurrá-la para cima. É a natureza agindo dos dois lados ao mesmo tempo, criando e erodindo montanhas. Nesse balanço de forças, por enquanto, o Aconcágua continua a subir.
Chegando à Plaza Francia, acampamento para os poucos alpinistas que se arriscam na parede sul do Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Uma das muitas geleiras penduradas na parede sul do Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Nós chegamos ao mirante de observação da montanha. Visão absolutamente magnífica! Há outros excursionistas por aqui. A maioria deles não segue adiante, lancha no mirante mesmo e retorna para Confluencia. Nós queríamos ir um pouco mais adiante. Plaza Francia está ainda mais perto da base da montanha. A visão que se tem de lá do Aconcágua nem é tão bela como a que se tem do mirante, mas a sensação de se estar ainda mais perto, esta é imbatível. Além do mais, agora que já chegamos até aqui, quero ver de perto o local onde acampam os bravos alpinistas que enfrentam a face sul.
Admirando os dois quilômetros de altura da imponente parede sul do Aconcágua, a 4.300 metros de altitude, na região de Mendoza, no oeste da Argentina
A Ana admira a impressionante parede sul do monte Aconcágua, em Plaza Francia, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Continuamos a contornar o glaciar, que aqui faz uma curva bem aberta. Já podemos observar e ouvir alguns pequenos desabamentos na parede. Lembro-me perfeitamente da descrição feita pelo Rodrigo e o Vítor em uma palestra deles em que estive presente. Uma palestra depois de uma tentativa que fizeram de subir a montanha e que desistiram, acho que em 2001. Sempre as avalanches, o maior temor dos alpinistas que vem até aqui. A cada vez que ouvíamos um barulho, o coração disparava. E olha que estávamos longe! Fico só imaginado como é estar naquela parede e ouvir esse barulho dezenas de vezes ao dia, ao seu lado. Não deve ser fácil... Essa não é a minha praia! A minha praia termina exatamente em Plaza Francia, demarcada por uma placa, local ainda totalmente seguro de deslizamentos, pelo menos nos meses de verão.
1000dias em Plaza Francia, em frente à mítica parede sul do Aconcágua, a 4.300 metros de altitude (Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina)
A Ana admira a impressionante parede sul do monte Aconcágua, em Plaza Francia, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Em Plaza Francia, fizemos nosso lanche, essa paisagem maravilhosa à nossa frente, trilha sonora de avalanches. Foi de tirar o fôlego, um dos pontos altos (no caso, literalmente!) dos 1000dias. O ponto mais alto do continente que temos explorado nos últimos quatro anos, sem parar, bem ali na nossa frente, quase ao nosso alcance, a uns meros quilômetros. Chegar até aqui, foi fácil. Difícil mesmo foi dar as costas e iniciar o caminho de volta...
Área de acampamento conhecida como Paza Francia, em frente à parede sul do Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Solo cristalizado na região de Plaza Francia, no Parque Provincial Aconcágua, na província de Mendoza, no oeste da Argentina
Mas tínhamos de fazê-lo. A tarde chegava e a temperatura caía, a sombra tomando conta do vale. Iniciamos a volta, a paisagem bem diferente da ida, pois agora olhávamos para o lado oposto. Paisagem distinta, luz diferente, já no final de tarde. Céu azul, tudo lindo, nítido, colorido. Distraídos e inebriados, mal vimos o tempo e a distância passarem. Logo estávamos chegando de volta à nossa “casa” em Confluencia. No caminho de volta, ficamos amigos de uns poloneses. Depois de Plaza Francia, amanhã eles seguirão para Plaza de Mulas. De lá, tentarão o cume. Infelizmente, não é o nosso caminho. Adoraríamos seguir para lá também, principalmente a Ana que ainda não conhece. Mas amanhã nossa rota é para baixo, de volta à Fiona. Mas nos próximos posts, como numa viagem no tempo, vamos para cima também, para Plaza de Mulas e ao cume do Aconcágua. Foi o caminho que fiz 15 anos atrás. Como num passe de mágica, ele também vai fazer parte desses 1000dias por toda a América. Merece!
Após visitar Plaza Francia, retornando ao acampamento de Confluencia, no Parque Provincial Aconcágua, região de Mendoza, no oeste da Argentina
Cara de Bahia, mas é a praia de Grande Anse, em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Tecnicamente, voltamos à Europa (e portanto, deixamos A América!). Tudo aqui, dentro do Caribe, com um voo de 20 minutos. Saímos de Antígua e chegamos à Guadalupe (em francês: “Guadeloupe”). A primeira, uma ex-colônia inglesa, hoje país independente dentro da comunidade do Commonwealth (o que significa que a Rainha ainda é a Chefe de Estado da ilha). A segunda, uma ex-colônia francesa, já há bastante tempo transformada em “departamento” (o equivalente ao que chamamos de “estado”, no Brasil, ou de “província”, na Argentina). Ou seja, Guadalupe, juridicamente, é um estado francês, como qualquer outro lá na Europa, como a Bretanha, a Alsácia ou qualquer outro. Elege seus deputados e senador, vota para presidente.
Chegamos na França! (no aeroporto internacional de Guadalupe, no Caribe)
Essa diferença é fruto das distintas políticas de emancipação de suas ex-colônias das duas grandes potências colonialistas de outrora. A Inglaterra, quando percebia que o negócio começava a esquentar em alguma colônia, corria lá e “concedia” a independência, mas tentando manter o país em sua comunidade (a tal Commonwealth), o que lhe trazia vantagens comerciais. Já a França, dizia a sua colônia: ”Mas vocês não são colônia, vocês são a própria França!”. Essa tática funcionou bem aqui no Caribe e América do Sul. Hoje, além de Guadalupe, temos Martinica e Guiana Francesa como departamentos franceses na região. A Europa em plena América. Mas, em alguns lugares, essa mudança de nome não funcionou bem não, e acabou gerando sangrentas guerras de libertação. O melhor exemplo é o caso da Argélia.
Parece a Serra da Mantiqueira, mas é a Cascade aux Ecrevisse, no Parque Nacional em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
A gente sente essa mudança de continente logo que chegamos à ilha. Foi muito similar ao que sentimos quando entramos na Guiana Francesa. Lá, saímos da doce bagunça do Amapá para entrarmos numa “Amazônia arrumadinha”. Aqui, saímos da bagunça caribenha de Antígua para entrar no “Caribe arrumadinho” de Guadalupe, com organização europeia. Percebemos isso no aeroporto, no porte das estradas, no padrão de sinalização e por aí vai.
Mata tropical no Parque Nacional em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Outra mudança que logo percebemos, essa mais pelos ouvidos do que pelos olhos, é a língua. E não falo apenas da mudança do inglês para o francês. É a atitude, mesmo. Nos países de língua espanhola, obviamente falávamos seu idioma. Mas se quiséssemos, poderíamos nos virar no inglês mesmo. Nos países de língua holandesa, então, era só inglês! Mas aqui, que nada! É raro encontrar alguém que faça o mínimo esforço em falar inglês. É até mais fácil falar espanhol, pois se encontram muitos imigrantes de países de fala espanhola. Então, o negócio foi desenferrujar meu francês mesmo, Algumas vezes, muito divertido, outras, bastante aflitivo, pela falta de vocabulário. A Ana até se impressionou com a velocidade que falo. Mas eu sei muito bem o tanto que “não estou falando”! Para complicar, a não ser que eu peça expressamente, meus interlocutores falam rapidamente, como seu eu fosse francês nativo. A técnica é pescar palavras-chave e, com muita agilidade, deduzir o significado e sentido do que dizem...
Delicioso banho de cachoeira na Cascade aux Ecrevisse, no Parque Nacional em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Nós chegamos cedinho no aeroporto, vindos de Antígua, e passamos acelerados pela alfândega, uma olhadinha rápida nos passaportes e aquele carimbo mágico que nos dá o direito de entrar no país. Acho que foi a fronteira mais expedita que já passamos! Um pouco depois já estávamos de carro alugado dirigindo pelas autoestradas da ilha. Pois é, nossa primeira autoestrada numa dessas pequenas ilhas caribenhas, chique demais!
Nosso roteiro planejado para os 4 dias em Guadalupe
No próximo post vou falar um pouco da geografia interessante da ilha, mas Guadalupe tem o formato de uma borboleta de asas abertas. A capital, Ponte-à-Pitre e o aeroporto ficam quase no centro, no “encontro das asas”. Nós seguimos diretamente para a “asa” oeste, chamada de “Basse Terre”. “Basse” só no nome, pois é aí que estão as montanhas de Guadalupe. Além de montanhas, muita mata tropical, rios, cachoeiras e praias mais selvagens.
Refrescando-se na cachoeira de Cascade aux Ecrevisse, no Parque Nacional em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Para proteger toda essa natureza, foi criado um parque, o “Parc National de la Guadeloupe”. Uma estrada corta o parque em dois, a “Route de La Traversée”, e foi por ela que seguimos, nosso primeiro contato com a natureza exuberante dessa parte da ilha. Seguindo no sentido leste-oeste, logo chegamos à bela cachoeira conhecida como “Cascade aux Ecrevisses”, um convite irrecusável para um banho refrescante. Foi a primeira das muitas cachoeiras que devemos encontrar nessas ilhas daqui para o sul, até Santa Lucia, cada vez mais “tropicais”!
Chegando ao mar do Caribe logo após atravessar o Parque Nacional em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Seguindo adiante, muita mata, alguma chuva e mirantes prejudicados pela presença de neblina. Não demorou muito e estávamos já na costa oeste de Basse Terre, nosso primeiro contato de verdade com o litoral franco-caribenho. Começamos seguindo para o sul, até uma região transformada em parque em homenagem ao lendário documentarista Jacques Costeau. O velho lobo do mar uma vez afirmou que ali era um dos melhores pontos de mergulho do mundo! E olha que ele mergulhou por todos os sete mares e oceanos da Terra!
Cara de Bahia, mas é a praia de Grande Anse, em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Mesmo apesar dessa afirmação um tanto patriótica, estávamos mais para praia do que para mergulho e resolvemos seguir para o norte, até Grande Anse, considerada por muitos a mais bela praia de Guadalupe.
As águas tranquilas e calmas da praia de Grande Anse, em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Bom, não sabemos se é a mais bela, mas que é linda, isso é! Ela nos lembrou muito as praias de Ubatuba, com o mata chegando até a praia de areias grossas e amareladas, inclinada para entrar no mar. Mas duas coisas davam um toque “especial”. Primeiro, a presença de muitos coqueiro, conferindo um certo “ar baiano”. E a segunda, a incrível transparência da água. Mas, ao invés do tradicional azul caribenho, a cor era verde mesmo, como no litoral norte de São Paulo e região de Paraty.
Praia de Grande Anse, em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe. Uma mistura de Bahia com litoral norte de São Paulo. Uma beleza!
Nessa época do ano, está bem tranquila, quase sem turistas. Resolvemos ficar por ali mesmo, acomodados numa das muitas sombras da praia, antes de encontrar algum hotel para nós. Foi só no fim de tarde que fizemos o esforço supremo de sair da praia para achar um hotel. Hotel não, que isso é coisa rara por aqui. Fomos a um “gite”, a maneira mais comum de hospedagem no mundo francês. São pequenos chalés que são alugados quase sempre por semana. Tem cozinha completa, mas sem serviços de hotel, como limpeza ou café da manhã. Muitos deles não aceitam hóspedes para ficar pouco tempo. Querem, no mínimo, três ou quatro dias. Mas, nessa época de baixa temporada, feles ficam mais “maleáveis”.
Praia de Grande Anse, em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe. Uma mistura de Bahia com litoral norte de São Paulo. Uma beleza!
Enfim, encontramos um gite bem simpático para nós e fomos ao mercado comprar suprimentos. Por “suprimentos”, leia-se “queijos, vinho e pães”! Assim, de noite, pudemos celebrar em grande estilo, com vinho e queijos nacionais, nossa chegada à Europa, à França e à exuberante Guadalupe!
Lanche de queijos e vinho, enquanto trabalhamos um pouco em Grande Anse, em Basse Terre, em Guadalupe, no Caribe
Eva Perón, a famosa "Evita", um dos ícones da história argentina, em Buenos Aires, na Argentina
O dia hoje começou com arrumação de malas, roupas de frio ficando com a gente e as de calor indo direto para a Fiona. Isso porque hoje, no final do dia, vamos nos encontrar com o Marcelo e a Carola, que vão guardar o carro para gente enquanto estivermos viajando para a Antártida. Vou guardar esse assunto para o próximo post, quando for falar do nosso encontro e combinação com eles, além da pequena viagem até Pilar, onde ficará muito bem protegida nossa querida amiga de quatro rodas.
Prédio da Fundação Eva Perón, em Buenos Aires, na Argentina
Enfim, foi só no final da manhã que saímos para mais uma caminhada de explorações, dessa vez bem mais curta que a de ontem. Fomos até a Recoleta, bairro muito mais próximo de Palermo do que o centro da cidade, onde estivemos ontem, e presença obrigatória em todos os roteiros turísticos pela cidade de Buenos Aires. Mas antes de chegarmos lá, ainda em Palermo, tivemos uma outra parada, num local que eu ainda não conhecia de minhas visitas prévias à cidade: o museu da Evita Perón.
Uma das frases famosas de Evita, na Fundação Eva Perón, em Buenos Aires, na Argentina
Eva Duarte Perón, ou simplesmente Evita, personifica tanto este país como o tango ou o futebol. Uma personagem real, histórica, que acabou engolida pelo mito de uma vida curta, marcante e trágica e que acabou elevada quase à condição de santa, apesar de ter também gerado tanto ódio em alguns de seus contemporâneos.
Cenas do funeral de Evita, na Fundação Eva Perón, em Buenos Aires, na Argentina
Eva nasceu e cresceu em uma família simples do interior e teve um início de vida duro. Na verdade, seu pai era rico, mas sua mãe não era sua esposa oficial. Assim, ela e seus irmãos eram considerados ilegítimos, o que naquela época, na década de 30, na Argentina, era algo muito pesado. O pai morreu cedo e a vida de sua família, que já era difícil, piorou ainda mais, sem direito nenhum sobre a herança. Enfim, Eva cresceu e aos 15 anos foi morar na capital, buscando o que sempre sonhara: a vida artística.
Vestidos usados por Evita, na Fundação Eva Perón, em Buenos Aires, na Argentina
Trabalhou em teatros, rádio e até cinema, mas sempre em produções de 2ª grandeza. Mas um terremoto devastador na distante San Juan mudaria a sua vida. O militar Juan Carlos Perón foi incumbido pelo governo de organizar a ajuda à cidade destruída. Para arrecadar fundos, ele pediu a ajuda da comunidade artística para organizar shows e espetáculos beneficentes. Assim conheceu Evita e foi amor a primeira vista. A campanha em prol de San Juan lhe trouxe popularidade e ele acabou sendo eleito presidente, agora já casado com Evita.
Evita no seu auge, visitando trabalhadores mineiros, em foto na Fundação Eva Perón, em Buenos Aires, na Argentina
Ao contrário das antigas primeiras-damas, Evita se envolveu com o governo, sempre ajudando seu marido, mas rapidamente ganhando luz própria. Liderou a campanha pela aprovação do voto feminino nas eleições e abraçou a bandeira dos mais trabalhadores, protegendo sindicatos e direitos. Mais do que isso, lançou diversas campanhas assistencialistas para os “descamisados”, como chamava a população menos favorecida.
Caminhando na praça Justo Jose de Urquiza, em Buenos Aires, na Argentina
O sempre movimentado Centro Cultural da Recoleta Buenos Aires, na Argentina
Tanta popularidade obteve que a população a queria como vice-presidente num possível 2º mandato do marido. No maior comício já realizado no país, cerca de 2 milhões de pessoas gritaram pelo seu nome, pressionando-a para que aceitasse a indicação. Ela titubeou, pois sabia também do ódio que lhe tinha a classe mais abastada e os militares, assustados com tanto poder conferido para uma mulher, algo inédito naquela sociedade. Mas a esta altura, já com 31 anos de idade, ela também já sabia que algo não ía bem na sua saúde, com desmaios frequentes. Acabou não aceitando a indicação em um emocionante discurso transmitido ao vivo na rádio.
Chegando ao Centro de Exposições da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Interior do Centro Cultural da Recoleta Buenos Aires, na Argentina
Era o câncer. Mesmo escondendo a gravidade da doença, ela definhou em público. Quando o marido foi reeleito de forma avassaladora, ela pesava apenas 38 kg. Alguns meses depois, faleceu, fazendo o país parar e chorar por vários dias. Seu corpo foi embalsamado e colocado em exposição, virando ponto de peregrinação. Um enorme monumento, maior do que a Estátua da Liberdade, seria construído e o corpo embalsamado ali ficaria, assim como Lenin, no Kremlin. Mas dois anos depois, antes do monumento ficar pronto, um golpe militar derrubou seu marido. Ele fugiu do país, mas não teve tempo de resgatar sua esposa. Os militares, em campanha para extirpar o movimento peronista da história do país, sequestraram seu corpo e sumiram com ele.
A Petrobrás, uma das patrocinadoras da exposição de fotos no Centro Cultural da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Exposição de fotos no Centro Cultural da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
O corpo de Evita só reapareceu 16 anos mais tarde, num pequeno túmulo em Milão, na Itália. Como foi parar lá, ainda é matéria controversa. O fato é que seu marido, então exilado na Espanha e casado com Isabelita, recuperou o corpo e o levou para casa, onde ficou guardado na sala de estar. Seu exílio terminou em 73 e ele voltou à Argentina para ser reeleito presidente. Antes que pudesse repatriar o corpo da antiga esposa, faleceu, mas sua nova esposa e nova presidente do país o fez. Evita foi enterrada no famoso cemitério da Recoleta, em um túmulo super protegido e, ainda hoje, é a maior atração do lugar, mesmo com tantos outros famosos enterrados por ali.
Chegando ao Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Entrada do famoso Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Tudo isso vimos no museu, além de fotos e filmes da época. E também toda uma sala com os vestidos que usava, desde seus tempos de radio e atriz, até o guarda-roupa que levou em sua aclamada viagem à Europa, já como primeira-dama, quando foi recebida por Franco, na Espanha, pelo papa, no Vaticano, e na França. Só desistiu de ir à Inglaterra porque a família real inglesa se recusou a recebê-la. Afinal, uma plebeia ilegítima entre a realeza?
Caminhando nas ruelas do Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Túmulos e esculturas no Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Enfim, ainda com Evita na cabeça, seguimos nosso caminho através dos parques da Recoleta até o Centro Cultural, onde visitamos uma interessante exposição de fotografias patrocinada pela Petrobrás e American Express. Era um favor que fazíamos ao Che Toba, que necessitava de umas fotos de lá para terminar um post que faria sobre a exposição.
A capela do Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
A gigantesca e centenária figueira da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Depois, finalmente, ao ponto mais famoso do bairro, o cemitério! O elegante bairro foi ocupado originalmente pelos monges da Ordem dos Recoletos, ainda no séc. XVIII, quando aquilo era uma área afastada da cidade. Tinham sua igreja, monastério e cemitério. A Ordem foi desmantelada em 1822 e o cemitério passou a ser público. A cidade cresceu e a área passou a ser ocupada pela fina flor da sociedade portenha, os vivos e os mortos! Presidentes, intelectuais, artistas, todos disputavam um lugar naquele cemitério. As famílias que conseguiam seu espaço, tratavam de enfeitá-lo bem com estátuas e criptas bem elaboradas.
A gigantesca e centenária figueira da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Hoje, além de ser considerado um dos mais belos do mundo, virou atração turística. O interessante é entrar lá e se perder em seu labirinto de ruelas, sempre atento para encontrar alguém famoso e, principalmente, encontrar a Evita. Acaba sendo fácil, pois a quantidade de turistas ao redor do seu túmulo é sempre uma boa pista. A gente, que já havia estado lá outras vezes, fez o circuito rapidinho, apenas por desencargo de consciência, e fomos logo para os belos cafés que existem ali perto, quase em frente ao cemitério.
A gigantesca e centenária figueira da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Ainda antes de nos sentarmos, pagamos nossos respeitos à centenária figueira que há no jardim e que foi testemunha de todos os enterros que por ali passaram e também de todas as outras vezes que estive em Buenos Aires. Já me chama pelo nome, o que é uma grade honra para mim, hehehe! Depois, um delicioso lanche acompanhado de bom vinho para celebrar estamos ali, naquele lugar delicioso, perto daquela árvore mágica, na cidade que adoramos. Um brinde à Evita, que conhecemos melhor hoje. Um brinde à Fiona, de quem vamos nos separar amanhã. Um brinde à Antártida, que mercê sempre ser brindada. E de brinde em brinde, a tarde passou e já era hora de irmos encontrar a Carola e o Marcelo, assunto do próximo post!
Lanche com vinho na Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina
Admirando a grandiosidade da Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Sem muita pressa, afinal tínhamos um dia inteiro pela frente, acordamos, tomamos o café da manhã e empacotamos a Fiona. A noite de hoje não seria mais aqui, em San Ignacio, mas no alto da Sierra de San Francisco, em pleno deserto Vizcaino, longe das luzes da cidade e embaixo do mais estrelado dos céus. Não seria uma viagem longa: 40 km pela transpeninsular (que acabará por nos levar até Tijuana) e um desvio com mais 30 km de asfalto e outros 10 de terra, em estado precário.
Encontro com americanos em San Ignacio, na Baja California - México
Primeiro, precisamos voltar à sede da Inah para comprarmos nossos ingressos à Sierra e às cuevas que lá estão, com suas pinturas rupestres de milhares de anos. Depois, já estando na praça central de San Ignacio perto do meio-dia, uma ótima oportunidade para o almoço. Aí conhecemos um grupo de americanos que voltava exatamente de lá, da Sierra de San Ignacio e do hotel rústico onde pretendíamos ficar. Os mesmos americanos a quem nosso guia de ontem havia se referido, os “doutores” que estavam fazendo serviço voluntário na região.
Vista da imensa planície desértica, subindo a Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Pois é, os “doutores” são dentistas de uma ONG americana que, uma vez ao ano, vem à esta região para trabalhar por um tempo, fazer uma revisão geral das bocas dos habitantes das serras de Sam Francisco e Santa Marta. Acabavam de terminar o trabalho na primeira e seguiam para a segunda, onde havíamos estado ontem. Um deles não era dentista não, apenas casado com uma. Mas vem sempre junto, é fotógrafo documental e tem um livro joia sobre a vida dos “califórnios”. Muito simpático, nos presenteou com um exemplar!
Vista da imensa planície desértica, subindo a Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Admirando a grandiosidade da Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
E nós, bem alimentados, seguimos viagem, atravessando a enorme planície desértica do Vizcaino. Não demorou muito e já tínhamos pego o desvio, agora seguindo diretamente para a Sierra de San Francisco, que ía crescendo no nosso horizonte. Esta estrada está sendo asfaltada e o trecho que sobe a serra, um pesadelo até há poucos anos, já está pronto. Lá de cima, uma vista absolutamente grandiosa da infinita planície abaixo de nós. Que mundo enorme! As luzes de tarde ainda faziam tudo ficar mais bonito!
Fiona no pueblo da Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Não só a planície atrás de nós, mas também s canyons à frente. Nesse trecho, a estrada tem de serpentear entre as encostas íngremes, contornando vales e precipícios profundos. É o trecho que ainda é de terra e precário. Ao mesmo tempo, é o que ainda protege esse região maravilhosa e isolada do acesso de centenas de turistas.
Nosso rústico hotel na Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Enfim, chegamos ao nosso hostal, a primeira construção do pequeno e humilde povoado de San Francisco. Marcamos nosso passeio para amanhã, à primeira hora, e vamos passear na pequena vila. Um lugarejo perdido no tempo e no espaço, localizado no meio de uma natureza belíssima, a mais de 1.200 metros de altitude. São poucas as famílias que aí vivem, uma orgulhosa de seu belo jardim florido, outra da igreja nova da cidade, outra preocupada pela dificuldade de trabalho na região, todas em dúvida sobre os benefícios e mudanças que trará a nova estrada, quando estiver pronta. É assim no Brasil, no México e em todo mundo. Uma estrada traz o progresso, com suas facilidades e problemas.
Jardim de flores no pueblo da Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Ao lado do povoado está a trilha que desce um profundo canyon onde estão várias grutas com pinturas rupestres. Para se conhecer o lugar, é um passeio de três dias e duas noites ao relento, em barracas. Obrigatoriamente com guia e mulas para carregar a bagagem e também os próprios turistas morro abaixo e, principalmente, morro acima, na volta. O preço da “expedição” acaba saindo caro, mas que fez diz que vale muito a pena. As pinturas e o “mundo” lá embaixo são inesquecíveis, dizem. Para nós, foi uma difícil decisão. Apertados mais pelo tempo que pelo dinheiro, acabamos optando por apenas vir ate aqui passar a noite e, amanhã fazer uma visita à uma gruta aqui no alto mesmo. Decidir foi difícil, mas mais difícil ainda é não se arrepender...
Cores fortes na igreja nova do pueblo da Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Voltamos para nosso hostal e jantamos um verdadeiro banquete preparado pela simpática Jadira: além dos tradicionais petiscos mexicanos, uma abobrinha com queijo de cabra derretido. Hmmmm! O friozinho lá fora e o refúgio de madeira e pedra em que estávamos fazia tudo ficar mais gostoso ainda.
Esperando o jantar no refeitório do nosso hostal na Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Por fim, já dez da noite, todos dormindo, luzes apagadas, eu e a Ana, enrolados em nossos cobertores, ainda fomos passear um pouco pelo terreno, completamente extasiados com o céu acima de nós. Noite de lua nova, não havia concorrência para as estrelas (e muito menos sujeira no ar!). Absolutamente formidável, nossa última noite na Baja California Sur. Amanhã, depois da nossa visita da Cueva del Ratón, começamos a longa viagem à Tijuana.
A lua nova, Júpiter e Vênus na noite sobre a Sierra de San Francisco, no deserto Vizcaino, na Baja California - México
Cruzando a Jamaica de carro
Deixamos Treasure Beach logo cedo, dispostos a atravessar a ilha da Jamaica, saindo da sua costa sudoeste para chegar ao seu litoral nordeste, passando pela capital Kingston no caminho. A primeira parte do trajeto seria por um emaranhado de estradas secundárias, passando por pequenas vilas, trechos montanhosos e asfalto de qualidade duvidosa. Depois de alguns dias, já estou “quase” craque de dirigir na mão inglesa. O “quase” é porque ainda tenho uma certa dificuldade de desviar dos buracos no caminho, acertando “quase” todos, hehehe.
Antes de partir, olhamdo no mapa o longo caminho entre Treasure Beach e Port Antonio, na Jamaica
E assim, mapa na mão e algumas paradas para pedir informações e conseguimos chegar na estrada principal, aquela que dá a volta em toda a ilha. Aqui passamos numa Jamaica menos turística, mais autêntica, todos vivendo suas vidas independente de visitantes estrangeiros. Enfim, começávamos a ver uma Jamaica mais “jamaicana”...
Estrada secundária na região de Treasure Beach, no sul da Jamaica
A tal estrada principal também tem seus buracos e a situação só melhorou mesmo quando chegamos à autopista, uns 40 km antes da capital. Pois é, autopista mesmo, muitos carros, pista dupla, pedágio, mais uma peça para nos ajudar a montar esse quebra-cabeça chamado Jamaica.
Escolares caminham em rua de pequena cidade na Jamaica
Passagem tranquila pela capital Kingston e logo estávamos cruzando as Blue Mountains, rumo ao norte da ilha. Estrada bem estreita, cheia de curvas, daquela que temos de buzinar antes de cada virada. Com paciência (e fome!), chegamos ao litoral onde encontramos novamente uma estrada mais larga. Aí, tapetão até a pacata Port Antonio, local onde nasceu o turismo no país, já há muitas décadas.
Prédio da prefeitura de Port Antonio, no nordeste da Jamaica
Felizmente, o tal turismo logo migrou para Montego Bay, Ocho Rios e Negril, deixando Port Antonio relativamente à salvo dos grandes resorts e da descaracterização que eles trazem. Estamos agora na Portland Parish, considerada a mais bonita do país e, mesmo assim, uma das mais bem preservadas!
A movimentada praça central de Port Antonio, no nordeste da Jamaica
Aqui chegando, fomos direto nos alimentar, de frente a uma das muitas belas baías da região. Aí sim, de estômagos forrados, fomos procurar algum lugar para ficar. Finalmente, pudemos nos livrar dos hotéis mais caros e achamos uma Guest House super simpática, na península de Titchfield, a mais agradável vizinhança de Port Antonio. Ainda tivemos tempo de, caminhando, conhecer o centro da cidade, sua bela igreja anglicana, a movimentada praça e a marina que recebe veleiros do mundo inteiro. Depois de tantas praias e hotéis, foi uma delícia estarmos novamente em uma cidade normal, com gente normal.
A bela igreja anglicana Port Antonio, no nordeste da Jamaica
A ideia, amanhã, é ir logo conhecer a famosa Blue Lagoon e depois, dar uma passada rápida em alguma praia. Afinal, ainda queremos pegar estrada para ir dormir no alto das Blue Mountains, com vista para Kingston!
Céu de fim de tarde sobre o Mercado de Port Antonio, no nordeste da Jamaica
Chegando à Caleta Tortel, no sul do Chile
Hoje foi nosso primeiro dia de verdade na Carretera Austral, no sul do Chile. No post anterior falei bastante dessa famosa estrada e de como foi a nossa viagem de Cochrane até Villa O’Higgins, o pequeno povoado onde a rodovia termina e onde estamos agora. Mas deixei o relato da nossa visita à maior atração desse trecho, uma pequenina vila perdida no fim do mundo, para um post só dela. Estou falando da pitoresca Caleta Tortel.
O fiorde (caleta) onde está Caleta Tortel, no sul do Chile
Caleta Tortel, a cidade das passarelas, no sul do Chile
Com cerca de 400 habitantes, essa pequena cidade viveu praticamente isolada do mundo até o início desse milênio, quando um ramal da Carretera Austral chegou até ela. Antes disso, eram só barcos ocasionais da marinha chilena ou de alguma empresa madeireira que chegavam até lá, levando alimentos e recolhendo o principal produto da região, a madeira de uma espécie de cipreste muito comum aqui no sul do Chile.
Chegando à Caleta Tortel, no sul do Chile
Caminhando nas passarelas de Caleta Tortel, no sul do Chile
Caminhando nas passarelas de Caleta Tortel, no sul do Chile
“Caleta” em espanhol quer dizer “enseada” e foi exatamente numa enseada quase perdida em meio a um verdadeiro labirinto de canais, ilhas e fiordes que foi fundado o povoado de Tortel, no final da década de 50. Outras tentativas de povoamento ou de exploração econômica da área já haviam falhado antes, talvez pela dificuldade de acesso, talvez pela distância da civilização, mas a pequena Tortel resistiu dessa vez. A exploração de madeira, mesmo em um lugar tão isolado, mostrou-se rentável e o número de casas ao longo da encosta e de frente àquela pequena baía só foi aumentando.
Visita à Caleta Tortel, no sul do Chile
Cada passarela tem seu nome em Caleta Tortel, no sul do Chile
caminhando na passarela costeira de Caleta Tortel, no sul do Chile
Sem dinheiro ou recursos para grandes obras de engenharia para aplainar aquela enorme encosta ou destruir e densa vegetação, não foi possível construir ruas ou praças no povoado que crescia. A solução encontrada para se abrir caminho entre as casas foi dado exatamente pela mesma matéria-prima que havia atraído todos aqueles imigrantes para lá: o cipreste! Madeira resistente e de boa qualidade, a ideia foi construir passarelas com ela, da primeira à última das casas espalhadas pela encosta.
Em caso de tsunami, sempre é bom ir para cima! (em Caleta Tortel, no sul do Chile)
O mapa das passarelas de Caleta Tortel, no sul do Chile
Um "cruzamento de ruas" em Caleta Tortel, no sul do Chile
A ideia deu certo e, com o número de casas crescendo, algumas delas já subindo a encosta, as passarelas também começaram a subir o morro. E assim criou-se, com o tempo, talvez até inspirados pelo labirinto de canais ali em frente, um outro labirinto de caminhos de madeira. Ruas em formato de passarelas, ladeiras em formato de escadarias. Ideal para uma cidade que não tinha carros, apenas pedestres. Pouco mais de 50 anos após sua criação, eram mais de 6 quilômetros desses caminhos de madeira, desde o pequeno aeródromo recentemente construído até uma pequena praia mais distante, passando no caminho por cada uma das casas desse que é o mais pitoresco povoado chileno.
Um belo e tranquilo passarinho em uma árvore em Caleta Tortel, no sul do Chile
Um belo e tranquilo passarinho em uma árvore em Caleta Tortel, no sul do Chile
Por isso, todo o esforço para se planejar e implementar um ramal de 22 km partindo da Carretera Austral e atravessando um terreno de difícil construção até o alto da encosta que margeia a enseada onde está o povoado. A ideia era incentivar o turismo nessa verdadeira atração arquitetônica que só estava esperando ser descoberta. Os carros, obviamente, ficam lá encima enquanto os turistas se deliciam explorando as famosas passarelas de madeira em busca de um melhor ângulo, de flores ou plantas exóticas, de um bom restaurante, do contato com o mar ou simplesmente de exercício e ar puro.
Árvores florindo em Caleta Tortel, no sul do Chile
Uma pequena horta, também pendurada sobre as águas, em Caleta Tortel, no sul do Chile
Tempo de flores em Caleta Tortel, no sul do Chile
Quem visita Caleta Tortel logo se impressiona com o verde exuberante que nos cerca. É só quando vemos a foto de satélite que dá para perceber que, na verdade, é o branco que domina a região. O branco de algumas das maiores extensões de gelo no mundo fora das regiões polares. A simpática e pequena Tortel fica exatamente no meio do caminho entre os Campos de Gelo Sul e Norte, nascedouros de dezenas e dezenas de geleiras que escorrem para o Oceano Pacífico ou para os grandes lagos argentinos. Não é preciso muita imaginação para deduzir que, não muito tempo atrás, pelo menos em termos geológicos, também Caleta Tortel estava abaixo de uma camada de centenas de metros de gelo, senão milhares. Os dois campos de gelo formavam uma única massa branca até pouco mais de 10 mil anos atrás e os incontáveis fiordes e canais de mar na região de Tortel são exatamente a prova disso, caminhos abertos pelos titânicos rios de gelo que desciam dessa quase calota polar.
Trecho final da Carretera Austral, entre Cochrane e Villa O'Higgins. Note que Caleta Tortel fica justamente entre os Campos de Gelo Sul e Norte, na patagônia chilena
Hoje, ali embaixo, no conforto dos bosques e passarelas, na tranquilidade da pequena baía de águas calmas, não temos ideia dos gigantes que se escondem por trás das montanhas. E, para falar a verdade, nem é mesmo para lá que ficamos olhando com tanta coisa interessante ao nosso redor e bem mais perto. Eu e a Ana vencemos os 22 km do ramal de ligação, deixamos a Fiona lá em cima e viemos logo desfrutar desse tesouro escondido. Afinal, tínhamos um tempo limitado para voltar a tempo de alcançar a balsa em direção a Villa O’Higgins.
Visão da pequena Caleta Tortel, no sul do Chile, a cidade das passarelas
A passarela costeira de Caleta Tortel, no sul do Chile
Uma das "praças" de Caleta Tortel, no sul do Chile
Acho que por ter lido bastante sobre a charmosa vila antes de chegarmos, eu já imaginava ver ônibus turísticos estacionados no alto e dezenas e dezenas de turistas se acotovelando nas famosas passarelas. Nada como estar redondamente enganado! Talvez se estivéssemos nos EUA, Europa ou Japão. Mas não aqui, a mais de 1.000 km de distância da primeira autopista asfaltada que verdadeiramente mereça este nome. Ônibus turísticos são mercadoria raríssima por essas bandas! Que bom! Enfim, durante todo o tempo que estivemos em Tortel fazendo nossas explorações, não vimos mais do que dez turistas...
Passarela que leva à Playa Ancha, a praia de Caleta Tortel, no sul do Chile
Passarela que leva à Playa Ancha, a praia de Caleta Tortel, no sul do Chile
Visita à Playa Ancha, em Caleta Tortel, no sul do Chile
Nós descemos as escadarias até o nível do mar e fomos rodeando a encosta pela passarela principal. No caminho, há jardins, hortas suspensas e até praças. Mesmo elas, construídas sobre madeira suspensa sobre palafitas. Cães e gatos também caminham tranquilamente sobre os caminhos de madeira, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. talvez para eles, mas não para nós que visitamos pela primeira vez.
Passarela que leva à Playa Ancha, a praia de Caleta Tortel, no sul do Chile
Playa Ancha, a praia de Caleta Tortel, no sul do Chile
Aqui e ali, pegamos caminhos alternativos, passarelas que sobem um pouco para descer logo mais adiante. Vamos tentando nos orientar no pequeno labirinto. O importante é seguir um sentido e o nosso sentido era a tal “Playa Ancha”, o único lugar onde encostaríamos nossos pés em terra firme de verdade. Para chegar até lá, sempre nas passarelas, deixamos a cidade para trás, passamos por um terreno de relva onde vacas pastam tranquilamente e até por um canal onde a passarela se eleva para permitir a passagem de barcos.
A passarela mais alta para que o barco possa passar, em Caleta Tortel, no sul do Chile
Meio de locomoção em Caleta Tortel, no sul do Chile
O "carro da polícia" em Caleta Tortel, no sul do Chile
Falando em barcos, eles são o principal meio de locomoção, além dos pés, pela região. A pesca também é uma força econômica local, assim como passeios com turistas até geleiras próximas. Até o “carro da polícia”, por aqui, é um barco. É o único barulho de motor que se pode ouvir nas imediações.
Voltando de Playa Ancha para Caleta Tortel, no sul do Chile
Passarela atravessa região de bosques em Caleta Tortel, no sul do Chile
A chegada da estrada e dos turistas vêm trazendo suas modificações para Tortel. De novo, em bem menor escala do que eu havia imaginado. Já há pousadas e restaurantes para esse novo público, mas são em pequeno número. Alguns artistas e ecologistas se mudaram para cá em busca de inspiração, mas ainda pouco mudaram a “fauna” local. O mais comum é ainda ver pescadores ou lenhadores caminhando pelas passarelas, muito mais entretidos com seus próprios afazeres do que conosco, forasteiros.
Lã de carneiro secando em varal, em Caleta Tortel, no sul do Chile
Arquitetura charmosa em Caleta Tortel, no sul do Chile
E assim, Caleta Tortel continua charmosa como sempre. Agora, ao alcance dos viajantes, que se deliciam com sua arquitetura especial, admiram a simplicidade da vida e se deleitam com uma taça de vinho tendo como cenário a pequena baía que, até ontem, era perdida do mundo e, até anteontem, escondia-se sobre um lençol de gelo. Vamos ver como estará amanhã...
Arte nas passarelas de Caleta Tortel, no sul do Chile
O restaurante/armazem El Sotano de Los Quesos, em Colón, na Argentina
Depois do resgate quase épico do nosso ipad no Chile, da chateação na alfândega e da chegada já de madrugada em Mendoza, não tivemos pressa de acordar no dia 7. Mas também não queríamos perder o horário do café da manhã no hotel e nem perder tempo em levar a Fiona até a concessionária. Finalmente, iríamos trocar o para-brisa dela. A rachadura no vidro estava cada vez maior (a pedrada que levamos já tinha quase dois meses!) e já incomodava para dirigir. Aproveitamos também para marcar um balanceamento, pois desde a passagem pelas centenas de quilômetros de estradas de terra da Carretera Austral que não tínhamos feito isso. Enquanto o carro ficou no serviço, aproveitamos para passear na sempre agradável Mendoza, com suas alamedas e bons restaurantes. Trocamos dólar uma última vez no país e, no final da tarde, fomos buscar o carro. Estava de vidro novo, mas, com a máquina quebrada, não puderam fazer o balanceamento. Mesmo assim, decidimos cruzar o país no dia seguinte, nossa última travessia da Argentina.
Todos os nossos caminhos pela Argentina, após tantas entradas e saídas. Em azul, nossa última travessia pelo país, de Mendoza a Colón, na fronteira com o Uruguai
Foram inúmeras entradas e saídas nossas durante os 1000dias neste país. Percorremos milhares de quilômetros de estradas por aqui, cruzando o país de norte a sul e de leste a oeste, diversas vezes. Agora seria a saideira, uma última vez, indo da fronteira chilena até a fronteira uruguaia. É um percurso longo, mais de 1.200 quilômetros, parte dele já feito em outra oportunidade, quando rumávamos para Buenos Aires. Resolvemos percorrer a distância em dois dias, com uma parada em Villa Nueva, na casa de nosso amigo Che Toba. De Mendoza para lá são mais de 600 quilômetros e saímos bem cedo para poder viajar sempre de dia. Logo na saída da cidade, passamos pelos resquícios de um grande acidente no dia anterior. Só se via o esqueleto de um ônibus queimado. No dia seguinte soubemos da história: um carro com placas do Brasil trafegava em contramão e a mais de 120 km/h em uma estrada de pista dupla. Foram diversos quilômetros, muitos deles filmados por motoristas argentinos espantados com a situação. Por fim, o carro bateu de frente com um ônibus, que pegou fogo, matando duas dezenas de pessoas. Tragédia nacional. Ainda bem que deixamos Mendoza para trás, pois a Fiona também tem placa brasileira e a gente ficou com o filme queimado por lá...
Chuva na estrada entre Mendoza e Villa Nueva, na Argentina
Fim de tarde, quase chegando à Vulla Nueva, na Argentina
Foi um longo dia de viagem, com direito a chuva, mas com estradas vazias. A região central argentina é uma vasta e monótona planície, mas viajávamos por uma estrada nova para nós, o que sempre é interessante. O que mais nos chamou a atenção foi quando passamos em frente a uma “chacineria”. Essas diferenças linguísticas podem ser engraçadas às vezes. Chacineria?!? Aí se vendem “chacinados”! Pelos desenhos, não demorou muito para aprendermos o real significado da palavra. São embutidos, como salames e mortadelas. No caso, os únicos “chacinados” por lá são vacas e cavalos...
Uma loja de "chacinados", na estrada perto de villa Nueva, na Argentina. às vezes, as diferenças de língua são muito engraçadas!
Última despedida do Che Toba e esposa, na casa deles em Villa Nueva, na Argentina
Acabamos chegando bem no fim de tarde na casa do Che Toba. Dessa vez, já sabíamos o caminho, pois também dormimos por lá da outra vez (veja o post aqui). Como sempre, muito bem recebidos, com abraços, sorrisos e pizza. A família inteira, o Che Toba, a esposa Marcela e os filhos Sofia e Toto. Estão muito felizes, pois vão passar uma temporada na Ilha Grande, no litoral fluminense, local onde já residiram por mais de um ano. No dia 9, cedo, a gente se despediu mais uma vez. Será que a próxima vez que vamos nos ver será no Brasil ou na Argentina? Ou em outro lugar qualquer? Para gente viajadora assim, pode ser até na Suazilândia!
Atravessando a grande ponte sobre o rio Paraná, em Rosario, na Argentina
Atravessando a ponte sobre o rio Paraná e observando a cidade de Rosario em sua margem ocidental, na Argentina
Atravessando a ponte sobre o rio Paraná e observando a cidade de Rosario em sua margem ocidental, na Argentina
Agora sim, repetimos um trecho de estrada. Foi a autopista até Rosario, uma das maiores cidades do país, na orla do rio Paraná. Da outra vez, passamos bons momentos na cidade (post aqui), mas hoje foi mesmo só de passagem. Finalmente, pudemos cruzar a vistosa ponte sobre o rio. A gente a tinha admirado e fotografado bastante da praia e do calçadão onde caminhamos alguns meses atrás. Agora foi o contrário e, do alto da ponte, fotografamos o rio e a cidade. Janela aberta e com o carro em movimento, pois é estritamente proibido parar lá em cima.
Passeio público movimentado, às margens do rio Uruguai, em Colón, na Argentina
Grupo se diverte nas águas do rio Uruguai, na cidade de Colón, na Argentina
Próxima parada e destino final desse dia de viagem, a cidade de Colón. Ele também fica na orla de um grande rio, o Uruguai. Do outro lado, o último país americano no roteiro dos 1000dias, o único que não visitamos nem uma vez durante essa jornada. Já passou da hora e estamos ansiosos! Mas resolvemos esperar um pouco mais e passar um dia na simpática Colón. Já era quase final do dia e pretendíamos fazer o tal balanceamento por aqui. Então, achamos um hotel simpático perto do rio e fomos passear.
O rio Uruguai em Colón, na Argentina, fronteira com o Uruguai
Um belo entardecer às margens do rio uruguai, em Colón, na Argentina
Nos finais de tarde, boa parte da população da cidade vem para a beira do rio, onde há uma espécie de parque. Muita gente caminhando, outros remando barcos, outros apenas admirando o entardecer. A gente fez o mesmo, andando para lá e para cá e fotografando a paisagem e as pessoas. Foi assim que encontramos um armazém/restaurante que é uma das marcas da cidade, o “Sotano de Los Quesos”. Uma delícia passear lá dentro, onde vendem não apenas queijos sortidos, mas também vinhos e “chacinados”. Do lado de fora, mesas no jardim para quem quiser lanchar ou bebericar. Para minha surpresa e alegria, eles vendiam até mesmo pão de queijo por lá. Não com esse nome, mas igualzinho a deliciosa iguaria mineira. Eu me refestelei!
Prédio histórico em Colón, na Argentina
Uma charmosa loja/restaurante de queijos em Colón, na Argentina
Hoje cedo, lá fui eu com a Fiona a um mecânico. Seria um serviço rápido. Seria... Mas ao mexer no amortecedor, ele achou uma peça encalacrada e, para tirar de lá, precisou até de solda. Ao final, foram horas e de trabalho e a Fiona só ficou pronta no fim da tarde. Novinha em folha e pronta para mudar de país mais uma vez. Enquanto esperávamos, aproveitamos para passear na cidade, almoçar muito bem na Plaza San Martín (o nome da praça central de 99% das cidades argentinas), caminhar ao lado do rio e comer mais pão de queijo no Sotano.
Venda de queijos e embutidos no El Sotano de Los Quesos, um charmoso restaurante/armazem em Colón, na Argentina
Venda de embutidos no El Sotano de Los Quesos, um charmoso restaurante/armazem em Colón, na Argentina
Encontramos deliciosos pães de queijo em Colón, na Argentina
Depois, já a bordo da Fiona, era a hora de cruzar a ponte e entrar, por fim, no Uruguai, o último país dos 1000dias. O frio na barriga está cada vez maior...
Carro antigo típico da Argentina, em Colón, fronteira com o Uruguai
O famoso "Castillo", a mais emblemática construção de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Dentre as centenas de sítios arqueológicos da cultura maya no Yucatán, nenhum se compara em fama e esplendor à antiga cidade de Chichen-Itza. Com seus enormes templos e palácios de pedra, ela vem cativando viajantes, exploradores e turistas desde a metade do século XIX, mas sua história é muito mais antiga do que isso, da época do apogeu da cultura maya, ainda no primeiro milênio da nossa era, até o período da conquista espanhola, quando suas construções de pedra serviram de refúgio, durante meses, para os conquistadores espanhóis sitiados pela população local.
A placa não deixa dúvidas: estamos na península do Yucatán, no México
A cidade começou a ser ocupada nos primeiros séculos depois de Cristo, mas foi só no ano de 600 ela começou a adquirir uma proeminência regional. Com a decadência ou queda das cidades-estado mayas da Guatemala. Chichen-Itza chegou ao auge de seu poder entre os anos 900 e 1.000, controlando o comércio e a economia de toda a região central do Yucatán, estendendo sua influência até o litoral. É dessa época a forma final de todos os prédios importantes que conhecemos hoje, como o Castillo, o Grande Jogo de Pelotas e o Grupo das Monjas.
Com a Val, caminhando nas ruínas mayas de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Depois do auge, a decadência, Chichen-Itza foi perdendo seu poder, população e influência até que, em meados do século XIII, foi conquistada pelo poder emergente de Mayopan. Perdeu força política, mas continuou um importante centro religioso, o seu “cenote sagrado” atraindo peregrinos de todo o mundo maya. Tamanha ainda era a sua importância na época da conquista espanhola que os ibéricos planejaram fazer dela a sua “capital imperial” na península.
O famoso "Castillo", a mais emblemática construção de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
A primeira tentativa de conquista da península, empreendida por um companheiro de Cortes na conquista do império asteca, falhou fragorosamente no ano de 1528, a resistência maya muito mais aguerrida que o esperado. O velho Montejo tentou novamente, três anos mais tarde, agora com um exército muito maior. Após o sucesso inicial, quando conquistou e estabeleceu sua capital na cidade portuária de Campeche, o velho conquistador enviou seu filho para conquistar o interior da península. O jovem Montejo marchou sobre Chichen-Itza, declarando-a sua capital. Pouco tempo depois, os mayas resolveram contratacar e sitiaram os espanhóis na antiga cidade. Aí eles resistiram por dois meses, mas por fim, se retiraram para o sul, até Honduras. Empolgados após vencerem o filho, os mayas se voltaram para o pai, forçando os espanhóis a se retirarem de toda a península. Mais uma vez, tinham resistido a uma tentativa de conquista.
As ruínas mayas de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Boa parte desse sucesso pode ser explicada pelo fato de que os mayas tinham, como estrategista, um espanhol. Gonzalo Guerrero foi um náufrago que chegou à região vinte anos antes. Acabou se integrando à sociedade local, inclusive casando-se com uma maya. Quando o momento chegou, preferiu aliar-se ao povo que o adotou contra seus irmãos de sangue. O caminho contrário tomou um outro náufrago, Aguilar, companheiro de barco de Guerrero. Oito anos depois de estar entre os mayas, teve a chance de unir-se a Cortes, no início de sua expedição. Tornou-se seu tradutor e conselheiro, de valor inestimável para o mais famoso dos conquistadores espanhóis, na sua epopeia de conquista do império asteca.
"Grupo de las mil Columnas", em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
O jovem Montejo voltou mais uma vez, em 1540, agora determinado a conseguir a conquista. Aproveitando-se das disputas internas entre as diversas etnias mayas, conseguiu o seu intento, boa parte pela ajuda dos mayas Xiu, os primeiros a se converter ao cristianismo. Ninguém sabe ao certo o destino de Gonzalo Guerrero mas, muito provavelmente, morreu lutando ao lado de seus companheiros mayas. Montejo, dessa vez, escolheu fundar uma nova capital, Mérida, e Chichen-Itza ficaria esquecida pelos próximos séculos.
As ruínas mayas de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Foi só a partir da segunda metade do século XIX que aventureiros e exploradores a redescobriram. Suas descrições e fotos logo se espalharam pelo mundo, atraindo a curiosidade de um número cada vez maior de pessoas sobre aquelas enormes construções de pedra escondidas por uma densa vegetação, sinais de uma misteriosa civilização perdida e, quem sabe, muitos tesouros.
A Plataforma de los Craneos, em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Mesmo com a fama da região aumentando, o cônsul americano no Yucatán foi capaz de comprar a fazenda onde se localizava as ruínas, em 1894. Por quase 30 anos ele desenvolveu extensas pesquisas arqueológicas no local, inclusive no Cenote Sagrado, enviando várias de suas descobertas para museus americanos. Seus planos de construir um hotel por ali só foram adiados pela Revolução Mexicana e, mais tarde, pela 1ª Guerra Mundial.
Visita às ruínas mayas de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Na década de 30 o governo mexicano tentou recuperar aquelas terras e a confusão se prolongou até o final da 2ª Guerra quando, finalmente, os herdeiros do cônsul venderam a fazenda para um empresário mexicano que queria investir em turismo. O que começou com dezenas de visitantes por mês, passou a centenas, milhares, milhares por semana, por dia e hoje, segundo estimativas, são mais de um milhão de turistas por ano a visitar as ruínas.
Chegando às concorridas ruínas mayas de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Muitos vendedores ambulantes em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Hoje, alguns dessa verdadeira multidão éramos nós. Além de abrir caminho entre tantos visitantes, também é preciso driblar os vendedores, que circulam livremente pelo local. Mas todo esse trabalho vale a pena para poder conhecer uma das novas sete maravilhas do mundo, escolhida em votação mundial pela internet. Para quem não acredita muito nessa classificação, Chichen-Itza é também um patrimônio da humanidade escolhido pela Unesco, essa sim uma classificação com mais credibilidade.
O Maracanã do mundo maya, El Gran Juego de Pelota, em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Sem dúvida, a construção de maior impacto visual é mesmo o Castillo, um primor arquitetônico, matemático e astronômico do povo maya. Foi construída com tal perfeição que os equinócios de primavera e outono são perfeitamente marcados por suas sombras. Além disso, o número de terraços somados nos quatro lados, mais o templo acima do pirâmide equivalem a 365, o número de dias do ano. O templo é dedicado ao deus Kukulkan, a versão maya de Quetzalcoatl, a serpente emplumada dos toltecas e astecas. Nos equinócios, e somente aí, uma sombra de serpente se forma sobre os degraus da face norte, um ritual que atrai dezenas de milhares de visitantes nesses dois dias do ano.
Uma das cestas do Gran Juego de Pelota, em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Infelizmente, não se pode mais subir no El Castillo. O acesso aos grandes prédios de Chichen-Itza foi sendo progressivamente fechado para turistas, e o Castillo foi exatamente o último deles, em 2006. A gota d’água foi a queda fatal sofrida por uma turista americana naquele ano. Pinturas e relevos famosos do templo que está acima da pirâmide podem apenas ser imaginados, hoje em dia. Ou então, admirados através de fotos antigas.
"Grupo de las mil Columnas", em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Outra construção que chama a atenção é o Grande Jogo de Pelotas, o maracanã do mundo maya. Essa espécie de precursor de futebol misturado com basquete era muito popular naquela época, um jogo de, literalmente, vida ou morte. Pode-se encontrar campos em que ele era jogado em diversos lugares do México, mas o maior de todos os “estádios” era aqui em Chichen-Itza. A gente passa por ele e imagina as multidões que vinham assistir, assim como os pobres integrantes do time perdedor, que tinham seu capitão sacrificado em seguida.
Os mayas também sabiam jogar jogo da velha! (em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México)
Passamos algumas horas passeando nas ruínas, uma parte dos prédios completamente restaurada, o que nos dá a noção de como eram na época de seu apogeu mas, ao mesmo tempo deixando de ser autênticas, já que foram remontadas. Visualmente, fica lindo e imponente, mas perde-se em veracidade. Além disso, temos de ter paciência com as outras centenas de turistas, a maioria deles vindos em excursão de Cancun, todos procurando os melhores ângulos para suas fotos.
Uma autêntica e simpática representante dos mayas, em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Enfim, com jeitinho dá. A área das ruínas é bem grande e sempre é possível achar um local mais tranquilo. Escapar de vendedores e grandes grupos de turistas seguindo bovinamente algum guia. Um pouco de asas à imaginação e podemos no teletransportar para o passado, quando os templos eram coloridos e sagrados, sacerdotes vigiavam atentamente os céus e jogadores jogavam por suas vidas. Que mundo diferente não terá sido! Tudo se passando naquele exato lugar, naquelas exatas construções, separado apenas por um mísero lapso de tempo.
Momento de descanso e leitura em um dos gramados de Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Aproveitamos até os últimos momentos por ali, a luz de fim de tarde fazendo tudo ficar mais bonito, a maioria dos turistas já tendo partido, seus ônibus de turismo sem muita flexibilidade de horário. Sentados no gramado em frente ao Castillo, foi o ponto alto da nossa visita. Até sermos enxotados pelos seguranças, loucos para poder voltar para casa depois de mais um dia de trabalho duro. Imagino que já estejam acostumados a, todos os dias, ter de lidar com algum chato que quer ficar lá até depois do horário.
Luz de fim de tarde no El Castillo, em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
Enfim, cumprimos da melhor maneira possível o nosso “dever de casa” ao visitar Chichen-Itza, programa obrigatório para quem viaja pelo Yucatán. Agora, vamos em busca de outras ruínas, menos visitadas, menos restauradas, menos glamorosas. Mas, até para melhor admirar e entender essas outras ruínas, nada melhor do que passar uma tarde em Chichen-Itza que, com todos os seus poréns, não deixa de ser um espetáculo.
A Fiona em pleno mundo maya, em Chichen-Itza, na península do Yucatán, no México
2012. Todos os direitos reservados. Layout por Binworks. Desenvolvimento e manutenção do site por Race Internet