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Gerson Strelniek (29/05)
Rodrigo. Boa Noite! Como vou tentar dar a volta na ilha, fazendo San Juan...
samuel baker mororo aragao (29/05)
Maravilhosa Cuenca... a história das cidades sempre me aguça curiosida...
Sérgio (28/05)
Galera, Preciso de uma ajuda. Estarei em Arequipa e gostaria de ir até o...
eloizo (28/05)
Parabéns por belas reportagens; Nós que fazemos o Blog "naserra" ficamo...
Larissa (28/05)
Olá Rodrigo e Ana...primeiramente, simplesmente adorei o blog de vcs!!! ...
Um belo iceberg proveniente das gigantescas plataformas de gelo da Antártida cruza nosso caminho na entrada do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
A tarde de hoje foi a nossa última nas costas da Geórgia do Sul, essa incrível ilha perdida no meio das imensidões geladas do Atlântico meridional. Depois de tantos desembarques ao longo da costa norte da ilha, agora foi a vez de ficarmos admirando a paisagem de dentro do conforto do Sea Spirit, enquanto o barco percorria toda a extensão do Drygalski Fjord, o maior fiorde da Geórgia do Sul.
Nosso roteiro e pontos de parada na Geórgia do Sul
Navegando no Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Navegando por entre as montanhas e geleiras do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Fiordes são formações geológicas deixadas para trás pelas grandes geleiras das épocas glaciais. Esses enormes e poderosos rios de gelo abriram caminho por entre as montanhas, formando vales profundos em forma de “U” na sua rota para o mar. Naquela época, com tanta água na forma de gelo no norte, sul e grandes montanhas do planeta, o nível dos oceanos era bem mais baixo do que é hoje. Com o clima se aquecendo, as geleiras foram derretendo e o nível dos mares subindo, passando a ocupar os enormes vales formados pelos rios de gelo que retrocediam. Essas formações são muito comuns nas costas do Noruega, Groelândia, Islândia e Chile, mas também são encontradas em menor número no Canadá, Dinamarca, Alaska, Nova Zelândia e aqui, na pequena Geórgia do Sul. O Drygalski é o maior deles, um estreito e comprido braço de mar ladeado por altas montanhas, penhascos e inúmeras geleiras reminiscentes daquela antiga e gigantesca geleira que abriu caminho por entre essas montanhas na última era glacial. O cenário é simplesmente grandioso e espetacular.
O primeiro iceberg tabular, vindo diretamente da Antártida, a gente nunca esquece! (pouco antes de entramos no Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul)
Os passageiros do Sea Spirit correm a fotografar os primeiros icebergs da nossa viagem, pouco antes de entrarmos no Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Mas antes de entramos nesse fiorde, tivemos um outro encontro não menos emocionante. Pela primeira vez nessa viagem, encontramos os gigantescos icebergs vindos diretamente das grandes plataformas de gelo da Antártida. São os chamados icebergs “tabulares”, em formato de mesa, com centenas de metros de lado formando um grande platô no seu topo. Eles são diferentes (e muito maiores!) do que qualquer outro iceberg que já tenhamos visto, aqui na Geórgia do Sul e mesmo ao redor da Groelândia, por onde também viajamos nesses 1000dias.
Avistando os primeiros grandes icebergs da viagem, pouco antes de entrar no Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Blocos de gelo provenientes das geleiras do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Blocos de gelo se soltam das geleiras aqui da Geórgia do Sul (e também na Islândia, Groelândia e Alaska) formando pequenos icebergs que já conhecíamos. Claro, alguns deles são bem grandes também e um deles chegou mesmo a afundar o Titanic. Mas tamanho é relativo e o que nos parecia grande antes, agora, comparado a esses colossais icebergs tabulares, viraram pequenos “cubos de gelo”. Aqueles tem um formato mais quebrado, pontiagudo. Esses, vindos diretamente da Antártida, são mais quadrados. Os maiores, formados quando um grande pedaço de plataforma de gelo se rompe, chegam a ter o tamanho de estados como Alagoas e Sergipe. Enfim, são mesmo colossais. Assim que se desprendem do gelo continental, as correntes marinhas os levam lentamente para o norte. Aos poucos, vão derretendo e se partindo em icebergs menores. Existe uma linha imaginária no Atlântico Sul (na verdade, ao redor de todo o continente antártico) que marca o ponto máximo aonde essas enormes massas de gelo chegam antes de derreter completamente. A Geórgia do Sul se encontra dentro dos limites dessa linha imaginária e por isso já começamos a vê-los por aqui enquanto as Falkland situam-se ao norte dessa linha.
A vistosa parede de gelo de um iceberg que flutua a frente do Sea Spirit, pouco antes de entrarmos no Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
A paisagem geleda e montanhosa do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Navegando no Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
O que vimos hoje foi o mesmo que viram os primeiros navegadores e exploradores dessa região há poucos séculos atrás. Ao se depararem com esses enormes icebergs, logo concluíram que só poderiam vir de alguma enorme massa de terra mais ao sul. Muito provavelmente, um novo continente! Por isso, muito antes de qualquer pessoa ver a Antártida com seus próprios olhos, a existência do continente já era conhecida (ou deduzida...). Com pistas desse tamanho, não é de se admirar! E olha que passaram-se mais de dois séculos entre os primeiros encontros com os icebergs tabulares e o momento em que, finalmente, alguém encontrou a verdadeira “terra firme” do último continente.
Uma das muitas geleiras ao longo do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Mais uma das geleiras do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Geleiras e montanhas do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Enfim, muitos icebergs tabulares e a história da exploração da Antártida nos esperam nos próximos dias. Hoje foi só para abrir o apetite! A atração principal dessa tarde foi mesmo a navegação pelo Drygalki Fjord. Logo na entrada do fiorde, um zodiac levou para terra firme dois dos nossos guias enquanto nós continuávamos nossa navegação. Os guias foram fazer um trabalho científico de observação de animais em uma baía mais isolada. É uma espécie de favor que fazem aos pesquisadores dessa ilha, algo muito comum entre cientistas e as companhias de turismo, unindo o útil ao agradável. Na volta, após irmos até o fim do fiorde e voltarmos, recolhemos eles de volta, já com seus preciosos dados para serem enviados às bases científicas aqui da Geórgia do Sul.
Uma imponente geleira do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Blocos de gelo se desprendem de geleira no Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Uma das inúmeras geleiras ao longo do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Quanto a nós, navegamos tranquilamente por esse fotogênico braço de mar. A quantidade de pequenas geleiras no seu entorno realmente impressiona. Digo “pequenas” só porque estou comparando-as com a geleira inicial, aquela que deu origem ao fiorde por onde hoje navegamos. Porque, se esquecermos do tamanho colossal desta, essas outras que vimos hoje também são enormes. Descem das altíssimas montanhas ao fundo trazendo consigo milhões de toneladas de gelo e rocha arrancada das montanhas. Isso mesmo, ainda hoje essas geleiras continuam a abrir caminho e formar novos vales, moldando a geologia do local.
Observando o final do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Admirando a beleza grandiosa do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Navegando por entre as montanhas e geleiras do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
O fiorde não é largo e o Sea Spirit está sempre próximo dos penhascos e geleiras, ora de um lado do antigo vale, ora do outro. Cada geleira, cada visão, cada cenário mais impressionante que o anterior. Por fim, chegamos ao fim do fiorde, o ponto para onde retrocedeu a antiga geleira formadora de toda essa maravilha. Ainda hoje, ela continua bem maior do que as geleiras laterais, suas antigas “afluentes”. Aí o Sea Spirit para, faz meia volta, nos dá um tempo para nossas fotos e momentos de admiração e veneração e inicia o longo caminho de retorno.
Com a Kim na piscina de água quente do Sea Spirit, deixando a gelada Gold Harbour, na Geórgia do Sul
Com a Kin e o Brian na piscina de água quente do Sea Spirit, deixando para trás a gelada Gold Harbour, na Geórgia do Sul
No caminho de volta, aproveitamos para admirar a paisagem de “outro ângulo”: de dentro da nossa piscina de água quente! A situação era quase surreal: circundados por montanhas geladas e cachoeiras de gelo que despencavam de dezenas de metros sobre uma mar com águas de 2 graus de temperatura, lá estávamos nós em nossos trajes de banho e ao ar livre, mais felizes do que nunca, uma lata de cerveja em uma mão e uma máquina fotográfica em outra. A tática era ficarmos até o pescoço dentro da água quente e alternar corridas ao convés gelado para tirarmos fotos, com mergulhos de cabeça para reaquecermos nossas faces geladas. Foi uma delícia, assistida pelos incrédulos velhinhos que formam a maioria dos nossos colegas de viagem. Enfim, quem está na chuva é para se molhar e lá estávamos nós, mais molhados do que nunca. Uma despedida à altura dos dias inesquecíveis que passamos nessa fantástica ilha chamada Geórgia do Sul!
Aproveitando a piscina de água quente no convés do Sea Spirit enquanto navegamos nos ares gelados do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
Aproveitando a piscina de água quente no convés do Sea Spirit enquanto navegamos nos ares gelados do Drygalski Fjord, na Geórgia do Sul
A famosa estátua de David, na Plaza Rio de Janeiro, centro do bairro de Roma, na Cidade do México, capital do país
O dia começou com nova corrida de táxi pelas freeways que cortam a megalópole mexicana. Temos achado mais prático deixar a Fiona guardadinha na garagem do prédio do Rodrigo na distante Lomas de Santa Fé e seguir para a zona central de táxi mesmo, para não nos preocuparmos com trânsito e estacionamentos. A corrida custa uns 80 pesos (12 reais) e leva uma meia hora, dependendo do tráfego. Amanhã, aí sim vamos desenferrujar a Fiona: o destino serão as famosas pirâmides de Teotihuacán, um pouco afastadas da cidade.
A famosa estátua de David, na Plaza Rio de Janeiro, centro do bairro de Roma, na Cidade do México, capital do país
Mas hoje, queríamos ir era na zona central mesmo, na área da Zócalo. Antes de nossa viagem ao Caribe estivemos lá uma vez. Mas só conseguimos ver a Catedral, o Palácio do Governo e o Templo Mayor dos Astecas. Enfim, nem saímos da praça! Hoje, queríamos era passear pelas ruas centrais, ver outros prédios, o movimento das ruas, sentir o centro de verdade.
Pintura retrata o primeiro encontro entre Cortes e Montezuma, no Hospital fundado pelo conquistador espanhol, na Cidade do México, capital do país
E assim foi! Começamos pelo ponto onde houve o primeiro encontro entre o conquistador espanhol Hernán Cortés e o imperador asteca Montezuma. Mal sabia esse último a verdadeira catástrofe que aguardava seu povo nos meses seguintes. Perdeu a chance de liquidar os espanhóis ali mesmo, naquele momento. O povo que se achava os escolhidos dos deuses e que habitava o centro do universo desapareceria num piscar de olhos... Bem ali do lado, após a conquista e a destruição do império asteca, Cortés mandou construir um hospital. O prédio ainda está lá, completamente escondido dentro de outro hospital, mais moderno. Mas para quem sabe da dica e entra no prédio, encontra um verdadeiro oásis dentro do agitado centro da capital. Arquitetura espanhola, dois pátios com agradáveis jardins e murais mostrando eventos históricos, inclusive o fatídico encontro. Tudo isso a duas quadras da Zócalo!
Passadem pela Zócalo, a praça central da cidade, com a Catedral ao fundo (Cidade do México, capital do país)
E foi para lá que seguimos. Impossível não parar novamente para fotos na fotogênica praça, a Catedral ainda mais imponente sob aquele dia ensolarado. Mas, seguimos em frente pois o caminho era longo! Próxima parada: Plaza San Domingos, onde está o prédio da Secretaria de Educação; Ali dentro, outro segredo: um enorme pátio interno com três andares de colunas e arcos, todas as paredes pintadas com imensos murais do famoso Diego Rivera, retratando cenas do cotidiano do país, especialmente sua gente. Um espetáculo! Pausa para respirar, para fotos e para admiração...
Murais de Diego Rivera cobrem as paredes de pátio interno da Sec. de Educação, na Plaza Santo Domingo, na Cidade do México, capital do país
Voltamos para a Zócalo e de lá seguimos pelo calçadão da Madero, cheio de lojas, prédios com arquitetura refinada e muita gente andando para lá e para cá. O coração da Cidade do México. Uma rápida passagem pelo antigo Clube Espanhol, com um pátio interno de cair o queixo e chegamos a um dos prédios mais famosos da cidade: o Palácio de Bellas Artes.
Visita à Sec. de Educação com suas enormes e impressionantes pinturas, (na Plaza Santo Domingo, na Cidade do México, capital do país)
Seria um outro lugar que poderíamos, facilmente, passar um dia todo explorando. A Cidade do México, assim como outras grandes cidades com o São Paulo ou Buenos Aires, possibilita meses e meses de explorações, de prédios e museus à restaurantes e vida noturna. Para uma vista relâmpago de poucos dias, não tem remédio! Vamos só pegar um gostinho, além de passar muita vontade...
O sempre movimentado calçadão da Madero, ao lado da Zócalo, no centro da Cidade do México, capital do país
Ali do lado do Palácio de Bellas Artes está o parque mais central da cidade. Não é por menos que se chama Alameda Central. Cruzamos ele duas vezes, primeiro até uma pracinha que tem uma igreja completamente afundada e depois já na direção do nosso próximo destino, o bairro boêmio de Roma. A tal igreja é impressionante! Nossos olhos não querem acreditar no que veem. A cidade foi construída sobre um antigo lago, que foi drenado pelos espanhóis. Mas o solo abaixo sempre foi muito instável e os pesados prédios afundam sobre ele. A Catedral é o exemplo mais conhecido, mas é essa pequena igreja o que mais salta aos olhos!
O vistoso Palácio de Belas Artes, no centro da Cidade do México, capital do país
Para seguir até Roma foram mais uns 20 minutos de caminhada. Cruzamos duas movimentadas estações de metrô e lá estávamos, justo na pequena praça de onde nasceu o bairro, conhecida como Romita. Um lugar bem chuchuzinho, a poucas quadras do real coração do bairro. A fome apertava e para lá seguimos rapidamente, sem mais desvios.
Comida de ruas no bairro boêmio de Roma, na Cidade do México, capital do país
Para nós, brasileiros, é ainda mais interessante. Afinal, essa praça que marca o centro de Roma tem o simpático nome de Rio de Janeiro. No meio da praça tem uma grande estátua, escondida por uma fonte refrescante. Esperaríamos ver ali o Cristo Redentor, mas não é ele não. Aqui, fala de novo os ares italianos! Quem está na praça é uma réplica de David, de Michelangelo. E assim se completa a salada: temos Firenze no meio do Rio de Janeiro, que está no meio de Roma, que está no meio da Cidade do México. Viva a globalização!!!
Estamos em casa! Plaza Rio de Janeiro, coração do bairro boêmio de Roma, na Cidade do México, capital do país
Depois das fotos, corremos para os cafés e restaurantes ali perto. Possibilidades de escolha não faltam! Achamos um num esquina movimentada e ali ficamos, respirando os ares romanos com uma pitada de maresia carioca e observando a vida e o movimento à nossa volta. Uma taça de vinho nos ajudou em nossos deliciosos devaneios!
Pausa para abastecimento num dos muitos botecos no bairro de Roma, na Cidade do México, capital do país
Voltamos então para casa para nos preparar para mais um compromisso. Um amigo do Rodrigo nos convidou para um jantar no exclusivo Clube 51. O nome vem do fato que o restaurante está no andar 51 da Torre Mayor, o mais alto edifício da Cidade do México. Essa pessoas só podem ir lá convidados por algum sócio. No nosso caso, o Guilhermo, amigo do Rodrigo. Vista espetacular da cidade, boa comida e um excelente vinho mexicano fecharam com chave de ouro esse nosso dia de explorações nesta cidade que nunca para. Quer dizer, para sim. Só para chegar lá foram uma hora e meia de congestionamento. Mas valeu muito à pena!!! Obrigado ao Guilhermo e ao Rodrigo pelo privilégio!
Com o Rodrigo e o Guilhermo, no restaurante 51, na Torre Mayor, o mais alto prédio da Cidade do México, capital do país
Hmmmm, e já ía esquecendo de contar! Para entrar no tal clube, só muito bem vestido! É claro que eu não carrego esse tipo de roupa comigo. Mas, por sorte, as roupas do Rodrigo serviam em mim, embora o sapatos fossem bem apertados. Um preço pequeno a se pagar para poder aproveitar essa oportunidade!
Vista do alto da Torre Mayor, o mais alto prédio da Cidade do México, capital do país
Viagem entre Cusco e Puno, no Peru
Deixamos a cidade de Cusco na manhã de ontem rumo ao sul, à cidade de Puno. São cerca de 400 quilômetros de estrada asfaltada e sem muito movimento, cruzando as belezas do altiplano peruano. Puno fica na beira do lago Titicaca, já bem próxima da fronteira com a Bolívia, o próximo destino da nossa expedição pelas Américas.
São quase 400 quilômetros entre Cusco (A) e Puno (B), cruzando o sul do país e chegando às margens do mais alto lago navegável do mundo, o Titicaca, que fica na fronteira entre Peru e Bolívia
Sem dúvida, o trecho mais bonito da viagem é no ponto mais alto da estrada, bem na fronteira dos departamentos de Cusco e Puno. Aí, estamos a mais de 4.300 metros de altitude, a atmosfera é sempre limpa e podemos ver ao longe vários dos picos andinos. Entre as montanhas, no terreno chamado de puna (áreas planas a grande altitude), sempre podemos observar grandes rebanhos de lhamas e alpacas, o que dá um ar mais campestre àquela paisagem. A partir daí, começa uma longa e suave descida até às margens do Titicaca, o mais alto lago navegável do mundo, a 3.800 metros de altitude.
A magnífica paisagem do ponto mais alto na estrada entre Cusco e Puno, no Peru, a mais de 4.300 metros de altitude
A magnífica paisagem do ponto mais alto na estrada entre Cusco e Puno, no Peru, a mais de 4.300 metros de altitude
Antes de chegarmos à Puno, ainda passamos por Juliaca, a outra grande cidade da região. Sem atrativos turísticos, os turistas passam por aqui por ser ela um importante entroncamento ferroviário, com linhas para Cusco, Puno e Arequipa. Há 23 anos, quando viajei de trem entre Cusco e Arequipa, passamos uns bons 40 minutos por aqui, dentro do nosso vagão, chacoalhando a cada encaixe e desencaixe, enquanto locomotivas desmontavam e remontavam suas composições, alguns vagões seguindo para Puno e outros para Arequipa. Na época, era muito recomendado que não descêssemos dos vagões e que, se descêssemos, que não dos afastássemos muito, pelo perigo de assalto. Mal iluminada naquela hora da noite, foi mesmo uma aventura seguir até uma lojinha ali do lado, para comprar algo para comer. Agora, tanto tempo depois, dentro da nossa confortável Fiona, ela continua me parecendo caótica, mas mais segura também. Boa parte das avenidas está em obras, cartazes anunciando uma Juliaca mais limpa no futuro. Aí, só vai faltar encontrar (ou construir!) algumas atrações turísticas para que os turistas comecem a frequentar...
Atravessando Juliaca, a caminho de Puno, no Peru
Quem sabe, no futuro, Juliaca, no Peru, fique uma cidade mais agradável aos olhos dos turistas...
Não seria uma má ideia, pois dezenas de milhares deles passam por aqui, no seu caminho entre Cusco e Puno, a primeira e a quarta cidades mais visitadas do país (entre elas, estão Lima e Arequipa). E era justamente para Puno que estávamos indo. Cidade construída pelos espanhóis no início da colonização, é o principal ponto de parada para aqueles que viajam entre Bolívia e Peru. É uma cidade com pouco mais de 100 mil habitantes e possui um centro histórico bem simpático, com uma movimentada rua repleta de bons restaurantes e turistas perambulando.
A Plaza de Armas de Puno, no Peru
Mas a principal atração da cidade não são suas antigas praças ou igrejas, mas o enorme lago no seu quintal. E a melhor forma de conhecer o Titicaca é visitando suas ilhas, Algumas, inclusive, não são ilhas “normais”, topos de pequenas montanhas que se elevam sobre o nível da água. Não, na verdade, são ilhas flutuantes (ou “Islas Flotantes”, em espanhol), grandes jangadas onde vivem dezenas de famílias.
A Plaza de Armas de Puno, no Peru
Nós chegamos à Puno na noite de ontem e achamos um hotel quase do lado do Parque Pino, uma das praças centrais da cidade. Hoje tivemos um dia bem tranquilo, caminhando pelo centro, tirando fotos das igrejas e praças e buscando informações sobre passeios. Decidimos visitar primeiro as tais Islas Flotantes, amanhã, e, no dia seguinte, seguirmos para as ilhas mais distantes, Amantani e Taquile. De lá retornamos à Puno para seguir viagem à Copacabana, também na beira do Titicaca, mas já na Bolívia. Dali podermos conhecer mais uma ilha, a famosa Isla del Sol. Assim, com tantos passeios pelo lago, acho que vai dar para darmos uma boa olhada no Titicaca.
A Catedral de Puno, no Peru
Huaca de La Luna, em Trujillo - Peru
Bem ao lado de Trujillo (provavelmente embaixo também!) há tesouros arqueológicos inestimáveis. O mais famoso deles, há muito Patrimônio Mundial da Unesco, é a gigantesca cidade de Adobe de Chan Chan. Essa eu conheci há 21 anos atrás e amanhã estará no nosso roteiro. Outro, para mim ainda mais fascinante, são as ruínas da cultura Moche, que antecedeu Chan Chan em muitos séculos.
A Huaca del Sol, que só agora começa a ser escavada e estudada, em Trujillo - Peru
Para lá seguimos hoje, seguindo a recomendação do Andreas e da Vania que gostaram muito de lá. A escavação é relativamente recente, tanto que nem existia quando passei por aqui da outra vez. São dois enormes sítios, um ao lado do outro, a Huaca de La Luna, um centro religioso, e a Huaca del Sol, um centro administrativo. Por incrível que pareça, a Huaca del Sol ainda está praticamente intocada, coberta pela terra de séculos e séculos. As visitações não são permitidas e só se pode observá-la de longe. Imagina quantos segredos lá dentro? As escavações devem começar nos próximos meses.
A nossa excelente guia Milagro, que muito nos ensinou sobre a cultura Moche, na Huaca de La Luna, em Trujillo - Peru
Já a Huaca de La Luna, nessa as escavações andam a todo vapor e as visitações são um verdadeiro show, principalmente com um guia bom como o que tivemos a sorte de ter, a simpática, profissional e inteligente Milagro. Ela nos conduziu através do antigo templo e seus diversos níveis e nos ilustrou sobre a cultura Moche, que floresceu na primeira metade do primeiro milênio da nossa era. Ouviu e respondeu pacientemente nossas perguntas, tanto sobre o assunto que ali visitávamos, como sobre outras antigas culturas peruanas e arqueologia em geral. Uma verdadeira aula!
Placa informativa na Huaca de La Luna, em Trujillo - Peru
O espaço está muito bem organizado, cheio de painéis explicativos, desenhos e diagramas. Pode-se ver arqueólogos trabalhando, além de observar trabalhos de manutenção do sítio. Um dos painéis mostrava o número e a origem dos visitantes. Nós, brasileiros, ainda estamos lá atrás. Como também já disse em outro post, brasileiro vem ao Peru para ver Machu Pichu, mas o país tem muito mais coisa a mostrar, entre tesouros arqueológicos e belezas naturais.
Visita à ruína moche de Huaca de La Luna, em Trujillo - Peru
E aqui é um deles! Os moches, de tempos em tempos, provavelmente quando havia alguma mudança de poder, enterravam seu antigo templo e faziam outro encima, um pouco maior. Isso ajudou a preservar os templos antigos e hoje, ao serem desenterrados, mostram suas paredes pintadas ainda com todas as suas cores. Aliás, para mim isso foi inédito aqui no Peru: ver pinturas coloridas, mais vivas do que nunca. Parecem até as tumbas egípcias, mas com deuses diferentes.
Painel representando os sacrifícios humanos realizados na Huaca de La Luna, em Trujillo - Peru
Aliás, o deus principal daqui exigia sacrifícios humanos de tempos em tempos, características de quase todas as culturas pré-colombianas. Aqui, os sacrifícios eram raros, a cada 20 ou 30 anos, ao final de alguma grande seca ou enchente (coisa do El Niño...). O que foi diferente entre os Moches era que os sacrificados, todos homens, eram Moches também. Participavam de algum combate contra os próprios companheiros e, aos perdedores, o sacrifício. Para eles, tudo indica, deveria ser uma honra, tudo para aplacar a ira divina.
Trabalho de conservação na Huaca de La Luna, em Trujillo - Peru
Bom , por aqui ficamos algumas horas, extasiados com a arquiteura, pinturas e histórias do lugar. E também curiosíssimos sobre o que vai aparecer quando escavarem a vizinha Huaca del Sol. Um motivo a mais para voltar daqui a um tempo. Quanto aos moches, entraram em decadência depois do ano 500, mas não demorou muito para que, transfigurados, criassem a cultura Chan Chan ali do lado mesmo, um pouco mais ao norte. Para lá seguimos ainda hoje, mas só tivemos tempo de dar uma olhada no museu. A visita à famosa cidade de Adobe será mesmo amanhã, já a caminho de Mancora, no extremo norte do país.
Um belo, complexo e misterioso painel na Huaca de La Luna, em Trujillo - Peru
A praça central de Minas, no Uruguai
Aproveitamos nossa última manhã em Colonia del Sacramento para, pela internet, pesquisar, escolher e reservar um hotel na pequena e isolada Cabo Polonio, uma praia no Uruguai onde não se pode chegar de carro. Marcamos para a próxima quinta e sexta, portanto temos outros três dias para chegar até lá. Essa era nossa última preocupação para reservar hotéis aqui no país, já que nas outras cidades, teremos tempo e tranquilidade para definir nossa estadia no momento em que chegarmos. O pagamento, fizemos por um sistema que existe no Uruguai chamado Rede Pago, presente em todas as cidades. Pagamos aqui, em alguma casa comercial associada ao sistema e o dinheiro chega lá. Com esse assunto resolvido, hora de pegarmos estrada!
Antes de seguirmos para a praia, ainda queríamos passar no interior do país, em uma das poucas regiões de serra do Uruguai. Quando estamos explorando um país, é claro que gostamos de conhecer suas atrações mais conhecidas. Mas sempre procuramos também alguma região ou cidade desconhecida dos turistas. Quase sempre, é aí que chegamos mais perto da alma do país e de seus habitantes. Para descobri-lo, alguma pesquisa na internet, livros-guia e, principalmente, conversas com os habitantes locais. Normalmente, é daí que saem as melhores ideias. E foi assim que surgiu o nome de Minas. Mineiro que sou, já simpatizei logo de cara. Depois, ao descobrir que se tratava de uma região de serra, aí me decidi de vez! É para lá que vamos! Quem sabe, achamos até uma cachoeira e uma goiabada?
Chegando à fábrica da Patricia, a mais popular cervejaria do uruguai, na região de Minas, no sul do país
Cervejaria Patricia, estrategicamente construída ao lado do parque Salus, fonte da melhor água mineral do país, na região de Minas, no Uruguai
Minas fica a nordeste de Montevideo, na direção do interior. Nosso caminho de Colonia até lá não passa pela capital, desviando-se um pouco antes. São quase 300 quilômetros, ou cerca de três horas nas sempre tranquilas estradas uruguaias. Mas não fomos diretamente. Um pouco antes, paramos no parque Salus, onde está a principal fonte de água mineral do país. Aliás, é esta a água que bebemos em todo o Uruguai, a marca Salus, tão comum em restaurantes e supermercados. Uma boa maneira de começar a compreender um país é exatamente em seus supermercados, observando quais as marcas mais populares, de água a chocolate, de sabão em pó a cerveja. Aqui no Uruguai, a água é Salus e Salus é aqui de Minas. Aliás, o próprio nome da região e da cidade, Minas, refere-se às minas de água presentes nessa região serrana.
Chegando ao parque Salus, de onde vem a famosa água do país, na região de Minas, no Uruguai
Nós chegamos ao parque esperando encontrar uma das “instituições” uruguaias, mas, ao invés disso, encontramos duas delas! Isso porque, além da engarrafadora de água mineral, ali também está instalada a fábrica da Patrícia, a cerveja mais popular do Uruguai. Como todos sabemos, o principal ingrediente de uma cerveja é a água e a Patricia foi esperta o suficiente para fazer sua fábrica justamente ao lado da fonte mais saudável de seu principal ingrediente! Realmente, esse parque vale ouro para o país, hehehe!
A fonte de água mineral Salus, na região de Minas, no Uruguai
bebendo a água direto da fonte! No parque salus, região de Minas, no Uruguai
Nós não entramos na fábrica da Patricia e nos contentamos em fotografá-la de fora. Depois, fomos até a engarrafadora Salus. Com nossas garrafas em mãos, seguimos até a fonte pública e ali nos abastecemos da mais pura água uruguaia. Aproveitamos também para dar um bom passeio nos bosques e jardins do parque, repleto de flores. Não sei o quão popular é o parque entre os habitantes locais, mas hoje, uma segunda-feira, éramos só nós por ali, aproveitando o ar puro, água fresca, sombra e visual florido.
Muitas flores nos bosques e jardins do parque Salus, na região de Minas, no Uruguai
Muitas flores nos bosques e jardins do parque Salus, na região de Minas, no Uruguai
Depois do parque, rumo a Minas. É uma cidade pequena, cercada por serras e centrada em uma grande praça. Mais ou menos como o livro guia havia dito, “o principal charme dessa cidade pequena é exatamente ser uma cidade pequena”. Não sei se influenciado pelo nome, mas a minha sensação era a de estar em alguma cidade no interior da minha Minas Gerais. A praça, bem arborizada, está em frente à maior igreja da cidade. Ali do lado também está o principal hotel, o banco (no caso, não é o banco do Brasil, como seria, se estivéssemos mesmo em Minas Gerais), algumas lojas e restaurantes. Entre eles, o mais famoso de Minas. Na verdade, uma confeitaria, a Irisarri. Puro charme e tradição, foi aí que nos refestelamos em suas guloseimas, quando passamos pela cidade no dia seguinte. Não tinha a minha goiabada, mas o que não faltava em seus balcões eram doces. Respeitando as devidas proporções, vir a Minas e não parar na Irisarri é como ir ao Vaticano e não ver o papa!
Muitas flores nos bosques e jardins do parque Salus, na região de Minas, no Uruguai
Muitas flores nos bosques e jardins do parque Salus, na região de Minas, no Uruguai
Por fim, como não poderia deixar de ser, uma estátua adorna o centro da praça. Ela faz uma homenagem a uma batalha ocorrida a quase 190 anos, nos campos de Sarandi, não muito longe daqui. Outra vez, precisamos nos acostumar com a ideia de que, aqui no Uruguai, pelo menos na história, nós brasileiros somos os vilões. A batalha de Sarandi foi o primeiro grande combate entre os valentes uruguaios que buscavam sua independência e o exército imperial opressor dos brasileiros. O ano era 1825 e o resultado da batalha foi uma vitória acachapante uruguaia.
Muitas flores nos bosques e jardins do parque Salus, na região de Minas, no Uruguai
O Uruguai havia sido ocupado por tropas luso-brasileiras oito anos antes e seu herói nacional, o general Artigas, vencido e expulso para o Paraguai. A jovem nação tinha sido rebaixada e rebatizada como Província Cisplatina. Com a independência brasileira em 1822, o vasto Império do Brasil ia do Oiapoque ao Rio da Prata, uma promissora nação destinada a se tornar potência mundial. Mas sua fronteira sul enfrentava problemas e a também nascente nação argentina não se conformava com a perda dos territórios da Banda Oriental, como era conhecido Uruguai entre eles. O nome vinha do fato de se referir às terras situadas na margem oriental do rio Uruguay.
Estátua homenagenado a batalha de Sarandi, primeira grande vitória uruguaia na guerra de libertação contra as forças imperiais brasileiras, em 1825 (na praça central de Minas, no Uruguai)
Em 1825, um grupo de homens conhecido como os “Treinta y Tres Orientales” atravessaram o rio Uruguay, vindos de Buenos Aires e liderados por Lavalleja, e desembarcaram na Província Cisplatina. O intuito era iniciar a guerra de liberação do país. Rapidamente, as vilas do interior do Uruguai foram liberadas e as duas principais cidades do país, Montevideo e Colonia del Sacramento, cercadas. As tropas imperiais reagiram, uma coluna de 1.000 homens entrando na província rebelde vindos do Rio Grande do Sul e outra coluna de mesmo tamanho partindo da capital uruguaia rumo ao norte, para se juntar a seus compatriotas. Por mais que as tropas rebeldes de Lavalleja fustigassem as duas colunas, não conseguiram impedir que elas se encontrassem nas proximidades de Sarandi. Os revoltosos decidiram então, num ato de grande valentia, dar cabo desse grande exército reunido, num só golpe.
Estátua homenagenado a batalha de Sarandi, primeira grande vitória uruguaia na guerra de libertação contra as forças imperiais brasileiras, em 1825 (na praça central de Minas, no Uruguai)
Foi exatamente o que ocorreu em 12 de Outubro de 1825. Forças de tamanho similares se enfrentaram nos campos de Sarandi e, talvez pegos de surpresa pelo ataque impetuoso e inesperado, o exército brasileiro foi fragorosamente derrotado. Entre os dois mil combatentes imperiais, houve 400 mortes e outros 400 feitos prisioneiros, enquanto as baixas uruguaias ficaram em apenas 10% dessas cifras. A vitória catapultou a rebelião e, em breve, quase todo o território uruguaio estava em suas mãos. A última região a cair foi o nordeste do país, restando apenas as cidades de Montevideo e Colonia, que permaneceram sob cerco terrestre, mas sob domínio brasileiro, até o final da guerra, três anos mais tarde.
Gravura sobre a batalha de Sarandi, a primeira grande vitória dos uruguaios contra as tropas imperiais brasileiras, em 1825
As derrotas terrestres eram contrabalançadas pela superioridade naval do Império do Brasil. A ajuda escancarada dos argentinos na guerra fizeram com que o Brasil declarasse guerra àquele país e fizesse um bloqueio naval de sua principal cidade e porto, Buenos Aires. O cerco estrangulou a economia do país e, após três anos de hostilidades, o país vizinho estava pedindo água. Foi nesse impasse que a Inglaterra fez uso de sua poderosa diplomacia e “convenceu” os países beligerantes que a solução seria a criação de um terceiro país, o Uruguai. Nâo era esse o intuito inicial daqueles “33 orientales”, que sonhavam com uma república federalista e não centralizada, mas unida, de todas as províncias de língua espanhola na Bacia do Prata. Por fim, brasileiros ficaram felizes que o Uruguai não pertenceria à Argentina; argentinos ficaram felizes de ter seu porto liberado e que o Uruguai não pertenceria ao Brasil; uruguaios ficaram felizes de ter sua própria nação, livres do Império do Brasil e da Argentina de governo centralizado fortemente em Buenos Aires; e a Inglaterra ficou feliz de criar uma nação livre entre as duas maiores potências do continente e de mostrar ao mundo que ela ainda tinha força de exercitar sua diplomacia dentro do “quintal” da mais nova e emergente potência imperialista do mundo, os Estados Unidos e sua recém-criada doutrina Monroe (América para americanos).
Gravura sobre a batalha de Sarandi, a primeira grande vitória dos uruguaios contra as tropas imperiais brasileiras, em 1825. Eram 2 mil homens de cada lado e as tropas brasileiras sofreram mais de 400 mortes
Depois da aula de história, seguimos adiante. Minas não era nosso destino final hoje. Queríamos chegar verdadeiramente à região serrana do país e, para isso, precisávamos seguir mais alguns quilômetros. A pequena Villa Serrana e o Parque Salto del Penitente não estavam longe.
Almoçamos na Irisarri, a mais tradicional confeitaria de Minas, no Uruguai, uma verdadeira institução local
Bricadeiras e muita farra aproveitando o dia de sol na praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Com apenas um dia para explorar a península de Cape Cod, já que amanhã iremos para a ilha de Marta´s Vineyard, não tínhamos tempo a perder. Por falar em tempo, ele amanheceu lindo, céu azul e ensolarado. Era a dica: tínhamos de ir para a praia!
Estudando o mapa da península de Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
As mais belas praias da região estão na costa leste da península, onde um reserva criada por John Kennedy ajudou a preservar as belíssimas paisagens da especulação imobiliária que já ameaçava a península na década de 60. O famoso ex-presidente não era bobo, e o fato de sua família possuir uma casa em Cape Cod, região que já frequentavam fazia tempo deve tê-lo ajudado na decisão pela preservação desse belo litoral!
Nosso roteiro por Cape Cod
A história de Cape Cod começa muitos milhares de anos antes disso, durante as grandes glaciações. Há 20 mil anos atrás, enormes geleiras vindas do norte chegavam até aqui. O nível do mar era muito mais baixo (já que muita água estava na forma de gelo!), e as geleiras carregavam milhares de toneladas de rochas e detritos para o que é hoje mar aberto, mas na época ainda era terra firme.
Uma das muitas mansões na península de Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
O clima esquentou, as geleiras se retraíram, o gelo derreteu, mas as rochas que elas trouxeram serviram de “base” para essa estranha península que parece avançar mar adentro nos dias de hoje. Aos poucos, o mar está reconquistando seu espaço e, cientistas dizem, Cape Cod estará desaparecida em poucos milhares de anos. Mas, enquanto isso, o mesmo mar que destrói trouxe também muita areia, formando as belas praias que vemos hoje.
Magnífica paisagem do Salt Pond, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Outra característica interessante de “Cape”, como a região é conhecida para os íntimos, são os lagos de água doce, de forma circular, que pontilham pela região. Sua origem também vem da era glacial! Enormes blocos de gelo, alguns com o tamanho de bairros de uma cidade, foram deixados para trás pelas geleiras que retrocediam. Aos poucos, derreteram também, não sem antes afundar o solo com o seu enorme peso e formar enormes buracos, que encheram com sua própria água. Por aqui, são chamados de “ponds”.
Um dos muitos faróis espalhados pela península de Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Nós atravessamos a parte sul da península, em busca das praias que estão na costa leste. No caminho, além desses “ponds” reminiscentes das glaciações, muitas mansões dos milionários que tem aqui sua casa de praia. Estradas bem feitas, jardins bem cuidados, campos de golfe, tudo bem combinado numa paisagem elegante e bem conservada!
A praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Antes das praias, ainda passamos no centro de visitantes do parque, onde aprendemos muito da história, geologia e geografia desse lugar especial. Escolhemos também quais praias visitar, e aonde passaríamos boa parte do nosso dia. Antes disso, ainda deu tempo de fotografar outra das marcas de Cape Cod, alguns dos muitos faróis que ajudam a orientar os navios que há séculos navegam pela região.
Painel informativo sobre Marconi e a primeira comunicação wireless entre continentes, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Passamos rapidamente pela Costal Guard Beach, mas decidimos que seria na Marconi Beach que faríamos acampamento. A praia tem esse nome em homenagem ao eminente cientista italiano. Com apenas 20 anos de idade, nos últimos anos do séc XIX, ele já fazia os primeiros experimentos na garagem da sua casa, na Itália, com comunicação sem fio. Sem nenhum apoio ou estímulo em seu país, mudou-se para a Inglaterra e, em 1899, conseguiu mandar um sinal através do canal da Mancha!
Com a Bebel, no alto de praia em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Único trecho movimentado da praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Mas a grande conquista veio dois anos mais tarde, quando venceu o Atlântico, mandando uma mensagem de Labrador (Canadá) para a Inglaterra, ainda em fase experimental. O local escolhido para tentar fazer algo em escala comercial foi a península de Cape Cod. Aqui montou seu enorme aparato e, em 1903, conseguiu transmitir um longo telegrama de saudações do presidente Roosevelt para o Rei George, na Inglaterra. A breve, a nova e incrível tecnologia wireless transformou em obsoleta os cabos de telégrafo que saíam da mesma Cape Cod em direção ao outro lado do Atlântico. Hoje, acostumados que estamos com internet, Skype e Facebook, é difícil imaginar o valor dessa conquista tecnológica. Mas, para a época, certamente deve ter parecido a mais incrível, maravilhosa e inacreditável invenção: poder escrever algo nos EUA e ser lido, um segundo mais tarde, na Europa, que coisa mais assombrosa!
A belíssima paisagem de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Banho de mar em Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Depois dessa visita e de prestarmos nossas sinceras homenagens a essa conquista, finalmente era a hora da praia. Pra chegar lá, é preciso descer uma longa escadaria de madeira, que vence o barranco de areia que é protegido por lei, mas comido inexoravelmente pelo mar. Lá embaixo, uma multidão de americanos, felizes com seus poucos meses de sol e mar de água quente o suficiente para se nadar. A partir do início do Outono, só com muita roupa para entrar nas águas geladas!
Curtindo o lindo dia em Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Como multidões não são a nossa praia, bastou andarmos uns poucos minutos para acharmos o nosso espaço na areia. A partir daí, foi diversão pura! Mar delicioso, com água bem limpa! Sol quente, vento refrescante, areia excelente para uma boa caminhada ou corrida.
caminhando pela belíssima Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Relaxando em Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Melhor de tudo, a maré baixa forma várias piscinas, verdadeiros lagos no meio da praia. Misteriosamente, a multidão prefere ficar aglomerada lá embaixo da escada (acho que multidão é igual em todos os lugares do mundo!), enquanto essas piscinas maravilhosas, a dez minutos de distância, ficam praticamente vazias. Aí a Bebel se esbaldou, amante que é dos corpos líquidos. Não só ela, mas todos nós, que voltamos a ser crianças a aí brincamos sem parar.
Brincando com a afilhada em piscina natural na praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Brincando com a afilhada em piscina natural na praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Enfim, foi uma tarde maravilhosa em Marconi Beach, quase no mesmo lugar de onde partiram as primeiras mensagens wireless dos EUA à Europa, há 110 anos. Muitas fotos para imortalizar os momentos inesquecíveis que ai passamos.
Refrescando-se em piscina natural na praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Por fim, com o sol já perto do horizonte, era hora de voltar. Mas fizemos um pequeno detour, em direção à Chatham, outro dos centros turísticos da península. Chegamos bem em tempo de ver um enorme bando de leões-marinhos cruzar o canal em busca do jantar. E nós também, em busca do nosso, achamos um belo restaurante por ali, indicados para nós por uma simpática ciclista que também assistia à passagem dos leões-marinhos.
Bricadeiras e muita farra aproveitando o dia de sol na praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Agora sim, de barriga cheia, de volta ao nosso hotel em Falmouth. Aliás, ontem jantamos aqui mesmo, uma deliciosa lasanha servida por uma simpaticíssima garçonete brasileira, muito feliz por nos encontrar ali. Hoje, seguimos direto para o quarto. Amanhã cedo, A Fiona fica por aqui enquanto, de barco, seguimos para outra das maravilhas da região, a ilha de Marta´s Vineyard.
1000dias na praia de Marconi Beach, em Cape Cod, litoral sul de Massachusetts, nos Estados Unidos
Tradicional pose para fotos, durante festa na fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
Eram mais de onze da noite quando pousamos no aeroporto de Viracopos, região de Campinas, em São Paulo. Foram cerca de sete horas de viagem, saindo de Boa Vista, fazendo escala em Manaus, trocando de avião em Brasília, para finalmente chegarmos à Campinas. Nossa primeira vez no hemisfério sul do planeta, desde que chegamos à Quito, no Equador, em Outubro de 2011.
Família reunida na fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
No aeroporto nos esperavam minha irmã e também a mãe da Ana, que tinha acabado de chegar num voo de Curitiba, onde mora. Veio passar conosco alguns dias em Ribeirão Preto, para onde seguimos todos de carro, durante as primeiras horas da madrugada. Foi nossa primeira chance de começar a colocar o papo em dia e, vocês podem imaginar, tínhamos muita coisa para contar e ouvir, depois de tanto tempo na estrada.
O aniversariante e os sete irmãos, na fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
Fazer longas viagens tem muitas vantagens, mas pelo menos uma grande desvantagem: ficarmos longe de amigos e familiares queridos por muito tempo. Felizmente, nesses tempos modernos em que vivemos, ferramentas como Skype e facebook nos ajudam bastante, mas eles ainda não conseguem substituir um bom abraço e um contato mais próximo. Foi por isso que a Patrícia, quando soube que vínhamos para Ribeirão, conseguiu uns dias de folga para vir encontrar a filha querida. Chega de Skype, ela queria era um beijo de verdade!
A Patrícia, mãe da Ana, na fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
Nós resolvemos deixar a Fiona lá no extremo norte e voar para cá para podermos participar de uma celebração muito especial: o aniversário de 80 anos do meu pai. Além de poder rever a ele e à minha mãe, a quem já não víamos há dois anos e meio, também seria a oportunidade de rever todos os outros parentes da minha família, que vieram prestigiar a data importante. Irmãos, tios, primos, sobrinhos,, todos reunidos para a festa. Não poderia ser melhor!
Fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
A festa foi na fazenda da família, pertinho de Ribeirão. Quase cem pessoas presentes, entre parentes e amigos. No centro de tudo, o homenageado, o homem que me ensinou tantas coisas e, entre elas, a arte de viajar. Desde pequeno, acostumei-me a entrar num carro para enfrentar estradas por longas distâncias, já que morávamos em Belo Horizonte e íamos comumente para Poços de Caldas, Ribeirão Preto ou para praias. Todas elas viagens de mais de cinco horas. É por isso que, ainda hoje, quando as pessoas me perguntam se não tenho medo ou receio de dirigir por longas estradas ou por trechos desconhecidos, respondo sinceramente: “Não.”. Essa rotina faz parte da minha vida desde que me lembro por gente.
Fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
A tradição, na verdade, começou uma geração antes. Meu avô já levava meu pai e seus sete irmãos para longas viagens de carro. Isso, na década de 30 e 40. Nossas estradas de hoje não são nada comparadas àquelas jornadas de 70 anos trás. Depois, meus avós passaram a desbravar outros continentes, como na lendária viagem de dois meses na Europa, na década de 50, dirigindo um fusca. Ou à destinos mais exóticos, como o Egito ou à União Soviética. É... o gosto por viagens vem de longe...
Reencontro com os pais na fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
Enfim, viemos para Ribeirão não para viajar, mas para dar uma pausa na viagem, rsrs. A festa foi uma delícia, chance única de estar com tanta gente querida. Poderia durar dias, ou até semanas, que não faltaria assunto. Para ficar ainda mais memorável, foi feita nesse lugar tão especial para a família. Na infância e adolescência, passava todo o mês de julho por aqui, na companhia de uma dezena de primos com idades parecidas. Mas, mesmo antes de eu nascer, na verdade desde muito antes disso, a fazenda já fazia parte da história da família. Na verdade, o meu agora octogenário pai já passava temporadas por aqui na adolescência. Difícil imaginar lugar melhor para essa comemoração.
Reencontro com primos e irmãos na fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
Bem, a festa não durou uma semana, mas nossa convivência sim. Os primeiros dias foram aqui mesmo, em Ribeirão., aproveitando ao máximo a convivência familiar, a cidade e o clima bucólico da fazenda. Mas no dia 23, partimos para a praia, uma longa viagem até Picinguaba, eu, a Ana, minha irmã Lina e meus pais. Fomos de carro, claro! E adivinha quem foi dirigindo? Vou dar uma pista: tem mais de 80 anos... Isso sim é exemplo!
O aniversariante durante festa na fazenda em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo
A Ana é a única pessoa na Praia Vermelha, no nosso caminho entre a Praia do Rosa e a Praia da Ferrugem, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Havia um programa aqui na região de Garopaba que eu não queria deixar de fazer. Em honra aos meus velhos tempos por aqui, tinha de fazer a caminhada entre as duas praias mais conhecidas e concorridas dessas redondezas, a Praia do Rosa e a Praia da Ferrugem. São cerca de oito quilômetros em que se passa por praias, campos, matas e dunas, paisagem diversificada e espetacular ao longo de todo o caminho. E o melhor de tudo: longe das multidões.
Caminhando no pequeno canal que liga a lagoa ao mar, na Praia do Rosa, litoral sul de Santa Catarina
Caminhando no pequeno canal que liga a lagoa ao mar, na Praia do Rosa, litoral sul de Santa Catarina
A primeira tentativa foi ontem, dia 9, mas São Pedro não estava colaborando. Assim, só seguimos até a Praia Vermelha, aqui do lado do Rosa. Foi só o aperitivo para hoje, além de podermos fazer um pouco de exercício também. Os dedos cruzados durante a noite funcionaram e o dia amanheceu bem mais firme hoje cedo. Então, sem dar chance para o azar, tratamos logo de partir.
Turistas se refrescam na Lagoa do Meio, na Praia do Rosa, litoral sul de Santa Catarina
Mapa da região da Praia do Rosa mostrando as trilhas para Ibiraquera (Imbituba) e Praia da Ferrugem (Garopaba), no sul de Santa Catarina
Nossa caminhada começou com a descida até a praia, uns quinhentos metros por entre a pousada mais antiga e tradicional da Praia do Rosa. Não muito tempo atrás, seus proprietários se separaram e resolveram por bem separar a pousada também, uma de cada lado. No meio, a nossa simpática trilha de acesso à Praia do Rosa, um belo atalho que nos evita ter de descer pela estrada empoeirada que usam os carros.
Caminhando para a Praia vermelha, no caminho entre a Praia do Rosa (Imbituba) e a Praia da Ferrugem (Garopaba), no litoral sul de Santa Catarina
Caminhando para a Praia vermelha, no caminho entre a Praia do Rosa (Imbituba) e a Praia da Ferrugem (Garopaba), no litoral sul de Santa Catarina
Chegamos à praia ao lado da Lagoa do Meio. Num dia ensolarado como hoje, impossível resistir a um bom mergulho. Mas não nos enrolamos muito não, pois tínhamos muito chão pela frente. A começar por toda a praia até o costão que delimita sua parte norte. É aí que começa a trilha que vai nos levar até a Ferrugem.
Chegando à deserta Praia Vermelha, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
A Ana é a única pessoa na Praia Vermelha, no nosso caminho entre a Praia do Rosa e a Praia da Ferrugem, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Temos de vencer um morro que é, na verdade, uma pequena península. Do lado de lá, a deserta praia Vermelha. Antigamente havia um caminho direto, subindo e descendo o morro do lado de lá na sua parte mais estreita. Mas tínhamos de passar no meio de uma propriedade particular. O dono achou por bem fazer e manter um novo caminho, que circunda a península, sempre mais próximo da água. A trilha ficou mais longa, sem dúvida, mas muito mais agradável também. Além disso, é muito bem conservada e sinalizada. Passamos por mirantes e até por uma mata até descer do lado de lá e chegar à praia Vermelha.
Trilha entre a Praia Vermelha e a Praia do Ouvidor, em Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Trilha entre a Praia Vermelha e a Praia do Ouvidor, em Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
O único acesso a esta praia, a não ser que você seja amigo da família que tem a fazenda na região, é a pé. A consequência disso é que a praia está sempre vazia, parecido com o que deveria ser há uns 500 anos, exceto pela bela casa em uma de suas encostas. Hoje a atravessamos sem encontrar absolutamente ninguém; Tão perto do Rosa e tão deserta, é até difícil de acreditar.
Habitação de pescador no caminho entre a Praia Vermelha e a Praia do Ouvidor, em Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Praia do Ouvidor, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Ao final da praia Vermelha, subimos nova encosta. A trilha continua muito bem conservada e sinalizada, agradecimentos ao dono da fazenda! Novamente, ao invés de seguirmos pela direção mais curta, a trilha dá a volta na península. Dessa vez é um caminho mais longo, pois a península é maior. Do lado de lá, chegamos à praia do Ouvidor. A praia também é protegida e quase não há construções. Mas carros podem chegar até aqui. Há um bar e algumas pessoas acampando. O dono do bar foi recentemente premiado no programa do Hulk. Acho que foi naquele “Lata Velha”. Sujeito simpático e feliz!
Trilha entre a Praia do Ouvidor e a Praia da Ferrugem, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Trilha entre a Praia do Ouvidor e a Praia da Ferrugem, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Ao final da praia, temos de subir uma nova encosta. Aqui começa o trecho mais longo longe das praias. E como a conservação da trilha passa a ser pública, é fácil perceber que o caminho se deteriora bastante. Mas nada que não possa ser seguido. Cruzamos alguns pastos e áreas de vegetação um pouco mais alta, temos de escolher o caminho em duas ou três bifurcações não sinalizadas (acho que todos eles levam a Roma!) até que, num ponto mais alto, finalmente avistamos o perfil familiar da Praia da Ferrugem.
Felizes ao avistar pela primeira vez, ao longe, a Praia da Ferrugem, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Chegando à Praia da Ferrugem em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Agora, é só descer pelas dunas fixas cobertas de vegetação e chegar à praia da Barra. A partir daí, já com o pé na areia e na água, seguimos tranquilamente até o grande sambaqui que marca o fim da praia da Barra e início da Ferrugem. Mais de 15 anos depois, eu estava de volta à praia que tanto marcou minha vida nos anos 90. Viva a Ferrugem!
Chegando à praia da Ferrugem, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Bicicleta estacionada na praia da Ferrugem, Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Pescadores na praia da Ferrugem, Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Deixamos para subir no sambaqui no caminho de volta e seguimos diretamente ao fim da praia (ou começo, dependendo do lugar onde você entro nela!). É ali que estão os bares e o movimento da praia. Nesses dias pós-carnaval, estava bem vazio e tranquilo. O tempo já tinha virado um pouco também, o vento fresco desanimando as pessoas a ficar na praia.
Chegando à praia da Ferrugem, em Garopaba, litoral sul de Santa Catarina
Caminhando na praia da Ferrugem, Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Depois da trilha, merecido descanso em bar na praia da Ferrugem, Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Achamos um bom bar, pé na areia, e nos embebedamos de água. Depois, um mergulho simbólico e estávamos prontos para o caminho de volta. Agora sim subimos no sambaqui que, aos olhos mais desavisados, parece mais uma formação natural. Pode até ser, mas foi bastante “engordada” ao longo de milênios com a acumulação de conchas deixadas pelos indígenas que aqui moravam. Hoje está tudo embaixo de vegetação e pequenas trilhas nos levam até o alto de onde temos uma visão privilegiada da Ferrugem querida, da praia da Barra e de toda a região. Lá no alto, pude fazer minhas homenagens, não só so povos que aqui viveram há tanto tempo atrás, mas também às minhas próprias lembranças daqui, já com duas décadas de idade. Nossa... como o tempo passa!
O famoso sambaqui no meio da praia da Ferrugem, Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Praia da Ferrugem, a mais famosa de Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Pois é... e ele estava passando. Então, tratamos de retomar nosso caminho. Subindo as dunas fixas, seguimos por outras bifurcações dessa vez. Queríamos chegar até o ponto mais alto delas, para poder aproveitar o visual. Ali do alto, vê-se até as lagoas mais distantes, inclusive a Lagoa da Garopaba, que espreme a Ferrugem contra o mar.
Praia da Ferrugem, a mais famosa de Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Praia da Ferrugem, a mais famosa de Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina
Já descendo do lado de lá, reencontramos nosso caminho e por ele seguimos até o Rosa, passando novamente no Ouvidor e na Praia Vermelha. De volta à nossa praia, mais um banho de lagoa merecido. Já era o fim do dia e estávamos felizes com tudo o que tínhamos feito. Só faltava um jantar de celebração. Antes dele, uma última caipirinha no nosso bar preferido na beira da praia. Amanhã seguimos viagem, mas tem muita praia pela frente...
Nosso bar preferido em frente à Praia do Rosa, litoral sul de Santa Catarina
Caminhando na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Ontem voltamos ao Canadá. Nossa quarta e última vez no país nesses 1000dias. Dessa vez, chegamos à Columbia Britânica, o estado mais à oeste do país, na costa do Oceano Pacífico. Vamos passar pouco mais de 10 dias por aqui, principalmente na área de Vancouver, no sul do estado, de onde seguimos viagem para os Estados Unidos, no nosso rumo sul em direção à Patagônia e Terra do Fogo. É como gostamos de brincar: “Pelos próximos meses, o sul é nosso norte”!
Finalmente, um dia de céu azul na Inside Passage, chegando em Prince Rupert, no Canadá (British Columbia)
Finalmente, um dia de céu azul na Inside Passage, chegando em Prince Rupert, no Canadá (British Columbia)
Entramos no país na cidade de Prince Rupert, uma importante parada na rota da Inside Passage. É o ponto mais ao norte até onde chegam os ferries canadenses da BC Ferries. Os ferries americanos também param por aqui, mas depois, seguem diretamente para a área de Seattle. Para nós, que queremos seguir para Vancouver Island, ainda no Canadá, só mudando para a BC Ferries. A outra alternativa era pegar estrada novamente, já que Prince Rupert tem acesso rodoviário. Seria uma longa volta pelo interior do estado, quase dois mil quilômetros até Vancouver. Ficamos na dúvida de qual caminho pegar, mas como o tempo melhorou, resolvemos ver um pouco da Inside Passage com céu azul. Além disso, é gostoso também variar um pouco do asfalto para o mar, hehehe. A Fiona vai descansando lá embaixo, na garagem, e a gente na parte de cima, entre o cinema, os decks internos e externos e, claro, o bar.
Caminhada pela praia na hora de maré baixa em Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Prince Rupert é uma cidade com pouco mais de 10 mil habitantes, mas tem um centro histórico bem pequeno e charmoso, chamado de Cow Bay. Ali nos instalamos, no excelente Eagle Bluff B&B. Nada como um lugar com alma, depois de tantos motéis de rede, eficientes, práticos, mas sem personalidade.
Caminhando por ponte de areia formada na maré baixa em Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Eestrela-do-mar em terra firme! Esperam pacientemente a volta da água do mar, na maré alta (Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá)
Com um lugar garantido para dormir, fomos em busca de programação. Afinal, o ferry para o sul só partirá no dia 5. Aí, aquela mesma dificuldade que temos encontrado nos últimos dias: tudo fechado pelo fim da estação. Por exemplo, já não há mais tours para ver as baleias. Elas ainda estão por aqui, mas com tão poucos turistas, os barcos simplesmente não saem mais. Ao mesmo tempo, se tivéssemos chegado por aqui há duas semanas, apesar de encontrar os tours para ver baleias, jamais teríamos conseguido ficar num lugar como o Eagle Bluff. Seria muito mais caro e teríamos de ter reservado com um mês de antecedência.
Ponte pênsil na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Enfim, ficamos sem as baleias, mas com um belo museu e umas trilhas aqui perto. Além disso, a simpática moça da companhia das baleias nos deu uma outra dica valiosa: uma trilha recém-aberta em meio à uma reserva indígena do outro lado da baía. Uma trilha de 10 km entre a mata e o mar. A Ana ligou para o telefone no leaflet para se informar e lá veio a informação. A trilha estava fechada até a próxima estação! Mas ela não aceitou a resposta, chorou, chorou e conseguiu. Abririam a trilha para nós! E assim foi, hoje cedo já estávamos no porto para atravessar os braços de mar e chegar ao início da Metlakatla Wilderness Trail.
Ponte pênsil para torre de observação na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Fomos recebidos ainda no cais, do lado de cá, pelo idealizador dessa trilha, o simpaticíssimo Cory. Filho de pai escocês e mãe Tsimshian, a tribo First Nation daqui, mas criado também pelo padrasto, igualmente First Nation, o Cory nos deu uma verdadeira aula sobre a história e cultura dos povos que aqui habitavam há milênios e sobre as dificuldades enfrentadas pelas First Nations na atualidade. Além disso, fez um belo briefing sobre a trilha que encontraríamos, nos colocou no barco e prometeu nos receber na volta, no fim da tarde.
Trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Praia rodeada de pinheiros na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Chegamos no início do caminho um pouco antes das 09:00 e teríamos de estar de volta no cais até às 16:30, a última chance de voltar para Prince Rupert. Seriam 10 km para ir, outros 11 para voltar (incluído aí o trecho para atravessar a pequena vila Tsimshian) e mais uns dois de trilhas alternativas pelas praias pelo caminho. Não estava apertado, mas também não podíamos esquecer de controlar o tempo...
Um dos muitos tipos de cogumelos encontrados na trilha Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Cogumelo gigante na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
A trilha foi uma delícia! Os primeiros seis quilômetros estão muito bem conservados, com passarelas de madeira e solo assentado. Nos últimos quatro, um pouco mais perto de seu estado natural, tendo de driblar raízes e pedras. Além disso, pontes penseis muito bem feitas e uma torre de observação, acima da copa das árvores. Estamos sempre sob a copa das árvores, menos quando seguimos pela praia. Apenas nós naquele mundão todo, a trilha fechada pela última semana. Os únicos companheiros eram da vida selvagem. Encontramos várias pegadas, entre elas de lobos e veados. Mas de urso, nada! São raros por aqui e nem trouxemos nosso Bear Spray. De qualquer maneira, pelo sim, pelo não, tratamos de falar alto durante todo o percurso.
Praticando o equilíbrio na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Fim da trilha nada! É só a metade do caminho, pois ainda tem a volta na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Interessante também foi observar o movimento da maré e como a paisagem mudou do início para o fim. O mesmo lugar, com maré baixa e maré cheia, completamente diferente! As marés daqui estão entre as maiores do mundo e pudemos observar, a olhos vistos, a maré subindo. Bem que o Cory nos avisou para tomarmos cuidado se quiséssemos seguir por uma ponte de areia que aparece na maré baixa. Um momento de distração e não conseguiríamos voltar! Bom, se fosse no Brasil, bastaria caminhar sobre a água ou nadar um pouco. Mas aqui, com a água a 8 graus de temperatura, nadar nem é uma opção. Nem para voltar de uma ilha, nem para fugir de um urso!
Raízes gigantes em praia na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
A maré começa a subir em Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Enfim, deliciosas horas em meio à natureza e longe da civilização e chegamos a tempo no cais. Quando chegamos de volta à Prince Rupert, lá estava o Cory a nos receber. Mais uma longa conversa sobre a trilha, sobre o Canadá, sobre viagens e sobre o mundo e ganhamos um grande amigo. Vamos até tentar nos encontrar amanhã, quem sabe para o jantar. Ele é casado com uma descendente de portugueses e, com certeza, não vai faltar assunto.
Hora do lanche na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
De noite, um jantar bem gostoso num restaurante japonês. Fiquei impressionado como uma cidade desse tamanho tem tantos lugares legais, meio requintados, meio despojados. O nosso B&B, o café Cowpuccino (onde comemos sanduíches e doces maravilhosos), o restaurante japonês, entre outros. Lugares que poderiam ser em São Paulo ou Nova York. Mas que estão nesse lugar perdido na costa canadense. Junto com a trilha e com o Cory, foram as excelentes surpresas de hoje. É o Canadá nos recebendo bem como sempre!
Crânio de urso em altar improvisado na trilha de Metlakatla, na área de Prince Rupert, na British Columbia, oeste do Canadá
Viajando na antiga linha de trem entre Bauru, no interior de São Paulo, e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, fornteira com a Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Nós não estivemos no Trem da Morte durante os 1000dias. Mas como esta é uma viagem icônica dentro do nosso continente, resolvi fazer um relato de uma outra viagem em que passei por aí, em 1990. As fotos são todas da época, quando ainda era um estudante universitário
Talvez, um dos maiores consensos que existe entre direitistas e esquerdistas, idealistas e pragmáticos, liberais e estatistas, radicais e reacionários, seja a necessidade do Brasil aumentar, em muito, sua malha ferroviária, seja de carga, seja de passageiros. Desde minhas aulas de geografia na 5ª série que ouço isso. Uma coisa tão lógica, tão gritante, mas que entra ano, passa ano, entra governo, passa governo, não muda. Ao contrário, só piora. Vemos mais e mais caminhões nas estradas e nem um trenzinho para viajarmos. Tantas linhas que já houveram, no tempo de nossos pais e avós, completamente abandonadas e se deteriorando com o tempo. Uma pena!
Nossa viagem do Brasil a La Paz, na Bolívia. Começamos pela antiga linha de trem Bauru-Corumbá. Já na Bolívia, o famoso Trem da Morte, até Santa Cruz de La Sierra. Daí até Cochabamba e La Paz, de ônibus
Um bom exemplo é a antiga linha de passageiros que unia Bauru, no interior de São Paulo, com Corumbá, no Mato Grosso do Sul, fronteira com a vizinha Bolívia. Essa, pelo menos, ainda tive a sorte de conhecer e usufruir. Foi em seus últimos anos, início de Julho de 1990. Eu, meu primo Haroldo e nosso amigo da UNICAMP, o Marcelo, embarcamos nesse trem para nosso primeiro mochilão pela América do Sul. Naquela época, assim como hoje, a viagem a Machu Picchu era como um batismo para estudantes brasileiros que começavam a se aventurar em viagens ao exterior. E nenhuma viagem a Machu Picchu era completa se não incluísse a viagem no Trem da Morte, a famosa linha de trem que liga Quijarro, na fronteira com o Brasil, com Santa Cruz de La Sierra, já no coração da Bolívia. A partir daí, uma combinação de ônibus, trem e barco nos leva até La Paz, o lago Titicaca, Puno, Cuzco e, enfim, a cidade perdida dos incas. O roteiro dessa viagem icônica não mudou nos últimos 25 anos.
Na estação ferroviária de Bauru, interior de São Paulo, aguardando o trem para Corumbá, na fronteira com a Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Com o Haroldo e o Marcelo, embarcando no vagão-dormitório do antigo trem que fazia a linha entre Bauru, interior de São Paulo, e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, fronteira com Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Durante os 1000dias, eu e a Ana não fizemos esse percurso. Afinal, estávamos de carro, a Fiona. É claro que passamos em La Paz, Cuzco, Machu Picchu, mas os roteiros foram outros. Com isso, um relato sobre o icônico Trem da Morte, talvez a viagem de trem mais famosa do nosso continente, ficaria de fora dos 1000dias. Para sanar essa “falha”, resolvi relembrar minha própria experiência nesse percurso, muito tempo antes de conhecer a Ana ou de comprar a Fiona. Como disse, viajava com o Haroldo e o Marcelo, e tentávamos, como os estudantes de hoje, espremer em 20-30 dias o maior número possível de lugares e atrações de Bolívia e Peru. Afinal, o inverno é a melhor época do ano para se viajar a Machu Picchu (o objetivo maior da viagem) e nós, estudantes, além de pouco dinheiro no bolso, só temos um mês de férias nesse período do ano.
Corredor do vagão do nosso trem entre Bauru, interior de São Paulo, e Corumbá, na fronteira com a Bolívia (viagem de Julho de 1990)
A primeira dificuldade da viagem foi conseguir um bom lugar nesse trem que viajava de Bauru a Corumbá. Uma opção muito mais simpática do que os ônibus interestaduais que os viajantes de hoje tem de tomar. Por sorte, tínhamos uma amiga eu morava em Bauru e ficava de olho, quase que diariamente, na venda de passagens de trens. Em tempos pré-internet, foi ela que conseguiu os lugares para nós. As passagens se esgotavam rapidamente, assim que eram iniciadas as vendas para uma determinada data. Ela ligava lá de tempos em tempos inquirindo sobre as vendas até que, um belo dia, lhe disseram que, não só haviam iniciado a venda, como as passagens já estavam esgotadas. Ela foi para lá pessoalmente, deu em escândalo dizendo que havia tentado no dia anterior e, por passe de mágica, as passagens “apareceram”. Nossa viagem em cabines-dormitório estava garantida! Começaríamos nosso primeiro mochilão internacional com chave de ouro! E assim foi, passamos boa parte das nossas 30 horas de viagem conhecendo pessoas e turistas estrangeiros no vagão-restaurante, conversa sempre regada com muita cerveja. Além disso, tivemos uma boa cama para dormir, muito tempo para fotografar e até uma rápida parada na capital Campo Grande, onde descemos para comprar frutas. Viajar de trem é mesmo uma delícia!
Com amigos holandeses, enchendo a cara no vagão-restaurante do trem que nos levava de Bauru, interior de São Paulo, para Corumbá, na fronteira com a Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Por falar nisso, a etapa seguinte da viagem também seria ferroviária. Agora sim, o famoso e temido Trem da Morte. Esse nome tétrico não vem de acidentes fatais ou coisa parecida, mas do fato que o trem foi muito usado para carregar doentes e mortos de uma terrível epidemia de febre amarela que houve no leste da Bolívia já há um século. O apelido, detestado pela empresa, pegou e ficou mundialmente conhecido. Mas, não é pelo fato dele não “merecer” esse nome que faz da viagem um mar de rosas. Mas não é tão mal assim, não. O mais difícil é embarcar. Uma vez dentro do trem, a gente se defende e espera o tempo passar, mais de 15 horas de viagem.
O famoso Trem da Morte chega à estação em Quijarro, na Bolívia. Ele vai nos levar até Santa Cruz de La Sierra(viagem de Julho de 1990)
Uma vez em Corumbá, precisamos pegar um táxi até a fronteira. Aí, fazemos os trâmites burocráticos e, a pé ou de táxi, seguimos para a “cosmopolita” Quijarro, uma cidade que, pelo menos nessa época, era o fim do fim do mundo. Hoje, parece que melhorou um pouco. Mas temos todos de passar por aí, pois é de onde parte o Trem da Morte, único caminho na época em direção à Santa Cruz. Hoje, já há estradas. As passagens de trem se esgotavam rapidamente e quando chegamos à estação, só havia tickets para daí a três dias. Nós não tínhamos esse tempo de folga e muito menos pretendíamos ficar tanto tempo mofando no fim do fim do mundo. A solução foi o famoso “jeitinho boliviano”. Com tantos turistas querendo deixar a cidade, até as passagens no câmbio negro estavam difíceis e apareceu um boliviano com um esquema de nos colocar dentro do trem na estação seguinte, em Puerto Suarez. Ali, ele era amigo do fiscal. Iríamos sem lugar marcado nas cadeiras, mas conseguiríamos partir naquele mesmo dia. Não pestanejamos!
Paisagens bolivianas vistas das janelas do Trem da Morte, entre Quijarro e Santa Cruz de La Sierra (viagem de Julho de 1990)
Paisagens bolivianas vistas das janelas do Trem da Morte, entre Quijarro e Santa Cruz de La Sierra (viagem de Julho de 1990)
Só ficamos meio apreensivos quando fomos num carro baleado, em uma estrada rural, de Quijarro a Puerto Suarez. Se quisessem nos matar e desovar ali mesmo, duvido que conseguíssemos fazer algo. A tensão só terminou quando chegamos á estação. Ali, após um desentendimento sobre preços, acabamos embarcando, para nosso grande alívio. O trem vinha vazio no início da viagem e não foi difícil encontrar assentos livres. Depois, conforme passávamos pelas estações, mais gente entrava e passamos das cadeiras para o chão e, mais tarde, da posição sentada para a levantada, de pé mesmo. As últimas horas foram um sufoco, muito cansados, espremidos, em pé e torcendo para chegar.
mais uma das inúmeras paradas do Trem da Morte, entre Quijarro e Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Brincando com família brasileira em uma das muitas paradas do Trem da Morte, entre Quijarro e Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Mas boa parte da viagem foi gostosa, antes do aperto. Fizemos vários conhecidos, entre bolivianos, gringos e brasileiros. Tinha até um simpático casal com três filas pequenas. Haviam comprado a passagem com vários dias de antecedência e ficaram esperando na muito mais simpática Corumbá. Mesmo com os assentos, o pai acabou se arrependendo de não ter levado as filhas em um avião, ao invés daquele trem apertado. Era interessante também durante as paradas, quando os vagões eram invadidos por vendedores ambulantes que gritavam com toda a força dos pulmões. Muita gente comprava frango com farofa, que vinha dentro de um saco plástico, e comia tudo ali mesmo, com as mãos, deixando o ambiente bem “perfumado”. Nós ficamos apenas nas “mandarinas”, que é o nome que eles dão as mexericas. A paisagem do lado de fora também era bem bonita em alguns trechos, grandes rochedos se erguendo bem acima da planície verde. Volta e meia o trem parava no meio do nada, até por meia hora, para esperar que algum outro trem passasse no sentido contrário. Era ótimo para esticarmos as pernas e socializarmos um pouco com os outros passageiros.
No caminho para Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, o Trem da Morte vai ficando cada vez mais e mais cheio (viagem de Julho de 1990)
Por fim, já no escuro e extenuados, chegamos à Santa Cruz. Tínhamos ficado amigos de um estudante boliviano no Brasil que voltava para sua casa em Cochabamba. Fomos com ele a um hotel bem tranquilo, perto da estação mesmo. Aí desmaiamos em nossas camas e, no dia seguinte cedo, o Haroldo foi com ele à rodoviária. Daqui para frente não há mais trens, apenas no Peru. Ele ajudou o Haroldo a comprar passagens de ônibus até La Paz, com uma parada rápida em Cochabamba, para o início da tarde. Com o pouco tempo que tínhamos para ir até Cusco, Arequipa, Lima, Cordilheira Blanca (Huaráz) e Iquitos, na Amazônia peruana, de onde retornaríamos ao Brasil de barco pelo rio Amazonas, nossa ideia era passar o mais rápido possível por esse início de viagem. O primeiro lugar em que pretendíamos fazer algum turismo era mesmo na capital boliviana. Assim, aqui em Santa Cruz, fomos direto para a gostosa praça central, principal atração dessa que é a segunda maior cidade do país. Segunda maior, mas a primeira em força econômica. Santa Cruz não se parece em nada com La Paz, muito menos indígena que a capital e construída numa altitude “civilizada” de 600 metros. Passamos momentos agradáveis aí e eu me diverti com um bicho-preguiça que se movimentava com aquela sua pressa característica nas árvores frondosas que dão sombra à praça. Em frente, está a catedral metropolitana, arquitetonicamente a construção mais interessante de Santa Cruz.
A praça central e a catedral de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
O Haroldo descansa na praça central de Santa Cruz de La Sierra, enquanto aguardamos o horário de nosso ônibus para Cochabamba, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Embarcamos no nosso ônibus que faria a longa viagem até La Paz. Hoje, essa estrada está toda asfaltada, mas naquele tempo, pelo menos até Cochabamba, era praticamente tudo de terra. Ainda muito cansados, dormimos boa parte das 13 horas de viagem, só acordando com os gritos dos vendedores ambulantes, que invadiam o ônibus da mesma maneira como invadiam o Trem da Morte, nas paradas. Também tivemos de lidar com um fiscal que queria nos vender uma “autorização para estrangeiros viajarem na Bolívia”. Os recibos que ele tinha só faziam referência a autorização para menores de idade viajarem, nada a ver com estrangeiros. Para sua fúria, mandamos ele plantar batatas. Ele jurou e ameaçou que teríamos de descer mais adiante e só ficamos mais tranquilos depois que esse incidente ficou meia hora para trás. Os outros passageiros nos confidenciaram que aquilo não estava certo. Enfim, na manhã seguinte chegamos aos 2.600 metros de altitude de Cochabamba, a quarta maior cidade do país, com 600 mil habitantes, metade de Santa Cruz.
A paisagem árida e os sinais de pobreza na viagem de ônibus subindo para o altiplano, entre Cochabamba e La Paz, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
A paisagem árida e os sinais de pobreza na viagem de ônibus subindo para o altiplano, entre Cochabamba e La Paz, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
Aí passamos quase duas horas. Levamos um susto quando o ônibus nos abandonou na rodoviária e foi para a garagem com nossas mochilas dentro. Na volta, para nosso alívio, vimos que elas estavam intactas. Eram preocupações que todos tínhamos, tantas histórias que ouvíamos de quem já tinha feito essa viagem. Na maioria das vezes, exageradas. Mas, melhor pecar pelo excesso do que ao contrário. Bom, o ônibus voltou com nossas mochilas incólumes e nós seguimos para La Paz. Agora sim, saímos de uma paisagem relativamente familiar e entramos em outro mundo: o altiplano. Foi fantástico! Para quem chega lá pela primeira vez, como era nosso caso naquela época, é inesquecível. Paisagem árida, ar limpo, os Andes no horizonte, muita pobreza aparente. A estrada continuou de terra por toda a subia e foi apenas nos aproximando de La Paz que voltou o asfalto. Nossa alimentação nas últimas 24 horas tinha sido apenas de mandarinas e ansiávamos chegar à capital e iniciar, finalmente, a fase de turismo da viagem. Aquelas primeiras horas no altiplano tinham nos prometido todo um mundo novo de paisagens, cheiros, sensações. Sem dúvida, estávamos muito cansados da viagem quase incessante desde que tínhamos partido de Bauru, mas animadíssimos com o que nos esperava pela frente.
Ponto de parada de ônibus no percurso entre Cochabamba e La Paz, na Bolívia (viagem de Julho de 1990)
P.S Para quem se interessar, os relatos dessa viagem de 1990 que estão no site dos 1000dias são:
1 - A viagem no Trem da Morte (este post!)
2 - A subida do Chacaltaya, em La Paz
3 - A Trilha Inca até Machu Picchu
4 - Viajando pelo rio Amazonas do Peru ao Brasil
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