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Quem dorme no Caraça acorda nas alturas. Em sentido literal e figurado. ...
O programa hoje foi já sair de mala e cuia do hotel em Prudentópolis, l...
Logo pela manhã, já estávamos prontos para o dia de caminhada no parqu...
Adenir (09/02)
Parabens pelos comentários a respeito da travessia do salar o que preten...
Leonardo (10/01)
Legal seu relato, gostei das fotos, sua forma de pensar e refletir sobre ...
Pousadas Praia do Rosa (21/12)
Ana Paula Barros (10/12)
Pousada na Praia do Rosa (07/12)
Praia tranquila no início da manhã em Pichilemu, no litoral central do Chile
No dia 28 de Novembro de 1520, os três navios restantes sob as ordens de Fernão de Magalhães terminaram a travessia do Canal de Magalhães e adentraram um novo oceano. A expedição espanhola sob as ordens de um navegante português foi a primeira a navegar no lado leste deste oceano que os europeus estavam apenas começando a conhecer na última década. Tendo navegado sob duras condições meteorológicas no extremo sul do continente, os europeus se animaram com as águas calmas e pacíficas daquele novo mar. Por isso, Magalhães logo o batizou de Oceano Pacífico.
Oceano Pacífico, circundado pela América a leste, Ásia e Oceania a oeste e Antártida, ao sul, é o maior dos oceanos da Terra
O maior oceano da Terra, com cerca de 165 milhões de km2, tinha passado despercebido pelos povos europeus nos últimos milhares de anos. Mesmo sendo maior do que todos os continentes somados e representando um terço de toda a superfície do planeta, foi apenas em 1512 que duas expedições portuguesas chegaram ao Oceano Pacífico, vindos do sul da Índia e navegando até as ilhas Maluku. Em maio do ano seguinte, saindo da atual Malásia, os portugueses chegaram ao sul da China. Nesse mesmo ano, mas em setembro, foi a vez do espanhol Vasco Nuñez de Balboa cruzar a pé o Istmo do Panamá e atingir o Oceano Pacífico, a primeira vez que um europeu chegava ao lado leste desse mar. Foi ele que batizou o novo oceano de “Mar do Sul”, mas o nome não pegou.
Nosso "escritório" em Mancora, no litoral norte do Peru
Correndo na praia em Montañita, no Equador
O nome que realmente pegou foi mesmo “Oceano Pacífico”, dado pela expedição de Magalhães, a primeira a cruzar esse novo oceano de leste a oeste. Depois disso e pelos próximos 50 anos, o Pacífico também era chamado de “Mare Clausum” (ou “mar fechado”) pelos espanhóis, que o consideravam como propriedade sua. Seus galeões navegavam das Filipinas ao México intocados e soberanos, enquanto o Canal de Magalhães era vigiado para que nenhum barco de outra potência marítima entrasse em “águas espanholas”. Mas isso não iria durar para sempre. Um dos maiores navegantes de todos os tempos, odiado por espanhóis e idolatrado na Inglaterra, Sir Francis Drake, sob as ordens da rainha, navegou pelo Estreito de Magalhães em 1578, abrindo o novo oceano também para as outras nações europeias. Em breve, holandeses os seguiriam. A trilha de pilhagem e destruição deixada pelo famoso pirata nas bases espanholas na costa do Pacífico deixaram claro para eles que o Pacífico jamais seria assim, tão “pacífico”.
El Tunco, litoral de El Salvador
Pura saúde no café da manhã na praia em Zipolite, no litoral Pacífico do México
Mas a história do maior oceano da Terra começa muito antes que europeus começassem a brigar pela sua posse. Antes deles, navegantes chineses e mulçumanos já faziam bom uso de suas águas. E muito antes disso, hábeis navegantes polinésios, num raro caso de migração transoceânica, partindo de ilhas na costa da Ásia, haviam atingido o Havaí, a Ilha de Páscoa e, possivelmente, a costa da América do Sul. Na verdade, mesmo antiga, a história da ocupação humana do Pacífico não passa de um mero piscar de olhos na muito mais longa história do próprio oceano. Assim como montanhas, continentes, rios e lagos, oceanos nascem, crescem e morrem. Mas o tempo aí não se conta em centenas ou milhares, mas em milhões de anos.
O Oceano Pacífico originou-se do Oceano Pantalássico, que circundava o super-continente de Pangea.
É de conhecimento de quase todos, exceto entre os religiosos muito fervorosos que acham que o planeta tem pouco mais de 5 mil anos de idade, que todos os continentes que hoje conhecemos já estiveram unidos em um super-continente chamado Pangeia. Já expliquei em outro post que desde que a Terra é Terra, continentes se juntam e se separam, com configurações distintas e diferentes oceanos entre eles. Pangeia é apenas a última vez em que eles se reuniram, entre 300 e 200 milhões de anos atrás. Nessa época, havia apenas um oceano no planeta, a enorme massa d’água que cercava por todos os lados o super-continente de Pangeia. Chamava-se Oceano Pantalássico ou Paleo-Pacífico, pois dele nasceria o Oceano que hoje conhecemos.
Em Bahía Drake, embarcando para o Parque Nacional Corcovado, na Península de Osa, no sul da Costa Rica
Magnífico pôr-do-sol na Playa Hermosa, em San Juan del Sur, na Nicarágua
Esse mundo de geografia simples (apenas um continente e um oceano!) começou a mudar quando Pangeia se quebrou em Laurásia, ao norte, e Gondwana, ao sul. Entre os dois novos super-continentes, um novo oceano, chamado de Tétis, surgiu. Mas ele não teria vida longa. Gondwana se partiu em pedaços menores e a divisão entre África e América do Sul daria origem ao Oceano Atlântico, enquanto que a divisão entre África de um lado e Austrália, Índia e Antártida do outro, daria origem ao Oceano Índico. Migrando para o norte, em direção à Europa, a África reduziria o outrora grandioso Oceano de Tétis no mísero Mar Mediterrâneo. E enquanto tudo isso ocorria, o Oceano Pantalássico se transformava no Oceano Pacífico que tem, segundo os estudiosos, cerca de 150 milhões de anos de idade.
De ré, embarcando em balsa para cruzar a Caleta Gonzalo, no parque Pumalín, trecho da Carretera Austral no sul do Chile
Passeio de caiaque em Tofino, na costa oeste da Vancouver Island, na Columbia Britânica.no Canadá
E aí, podemos perguntar: “Ué... e por que já não era o Oceano Pacífico antes, na época de Pangeia?”. Porque os solos dos oceanos estão em constante renovação. Hoje, por exemplo, a placa tectônica do Pacífico afunda sobre a placa onde está o Japão (lembram-se do terremoto e maremoto de 2011?) e também sobre a placa das Américas. O Pacífico está diminuindo por quase todos os lados, alguns centímetros por ano. O solo entra nas entranhas da Terra e sai de volta, na forma de lava vulcânica, pelas dezenas de vulcões do chamado ‘Cinturão de Fogo do Pacífico” e centenas de vulcões conhecidos e desconhecidos no leito do mar. Enfim, os cientistas dizem que, devido a essa renovação constante, não há nada no fundo do Pacífico que tenha mais de 150 milhões de anos.
Pontos ao longo da costa americana onde chegamos ao Oceano Pacífico durante os 1000dias. Devido ao frio, foi apenas nas costas do México, América Central, Peru, Equador e Chile, além das ilhas oceânicas, que conseguimos dar um mergulho
Enfim, foi ao longo desse “senhor” de 150 milhões de anos que nós viajamos centenas e centenas de quilômetros ao longo desses 1000dias. Desde as águas geladas do Alaska, passando pelo o litoral quase tropical do oeste da América Central e chegando novamente às aguas geladas, agora na patagônia chilena. Isso sem esquecer das temporadas nas ilhas paradisíacas do Havaí, Galápagos e Páscoa, todas no coração do Oceano Pacífico. Esse mar foi personagem principal e atuante na nossa jornada, seja com a Fiona, seja de barco ou de avião. Nele nadamos, nele mergulhamos, ou simplesmente admiramos sua beleza vasta, quase infinita para os olhos, do alto de algum penhasco, montanha ou da praia mesmo. Foi atrás dele que o sol muitas vezes se escondeu, proporcionando pores-do-sol espetaculares e inesquecíveis. Foi aí que vimos tubarões e pinguins em Galápagos, baleias no México e no Canadá, ou leões-marinhos nos Estados Unidos. Foram em suas praias que nos esquentamos no Equador e Peru ou na Costa Rica e Nicarágua e nos esfriamos no Canadá e Estados Unidos. Foram em suas águas que navegamos no Alaska e no sul do Chile. Ou seja, personagem principal mesmo!
Admirando as pasisagens da Inside Passage, trecho entre Sitka e Ketchikan, no sudeste do Alaska
Chegando à selvagem Ruby Beach, no Olympic National Park, no estado de Washington, oeste dos Estados Unidos
Para nós, brasileiros, mar é o Oceano Atlântico. É ele que banha nossas costas, do Oiapoque ao Chuí. Como bom mineiro, passei incontáveis férias em suas praias, primeiro naquelas entre São Paulo e Espírito Santo e, mais tarde, esticando até os estados do Nordeste e Sul do Brasil. Com tanto tempo de praia, uma relação se formou. Pode parecer petulante, mas o Atlântico é quase como um “brother” para mim e gosto de pensar que, a cada vez que ponho os pés nele, onde quer que seja, ele também me reconheça; “Lá vem o Rodrigo!” – ele diz. Relação de respeito e amizade, agora não mais apenas do Chuí ao Oiapoque, mas da Terra do Fogo a Massachusetts. É sempre o mesmo Oceano Atlântico, aquele que conheço desde criança.
Fotografando uma iguana na praia em Tortuga Bay, na Ilha de Santa Cruz, em Galápagos
A Ana nada na praia de Anakena, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), ilha chilena no meio do Oceano Pacífico
Com o Pacífico é diferente. É outro mar. Não nos conhecemos desde criança. Quando chego perto, sei que é “outro bicho”. Mais velho e maior que o Atlântico, há algo de diferente ali, no ar, na água, abaixo dela, no horizonte. Não sei definir exatamente o que é, mas é diferente. Isso não quer dizer que seja pior ou melhor. É simplesmente diferente. Com um, a intimidade foi construída desde a infância, com o outro, é uma relação de respeito, de estudo. Um amigo da fase adulta nunca será igual a um amigo que vem desde os tenros anos.
Um banho de luz no fim de tarde na Pescadero Beach, na rodovia One, entre San Francisco e Santa Cruz, no litoral da Califórnia, nos Estados Unidos
Pois bem, esses 1000dias serviram, entre tantas outras coisas, para que nós conhecêssemos muito melhor esse vasto oceano. Desde a primeira vez que o vimos, aqui mesmo no Chile, em 20 de Agosto de 2011, em Iquique (post aqui), até a manhã de hoje, foram 30 meses de convivência, de idas e vindas, de águas quentes e frias, de mergulhos e caminhadas, de trechos de carro e de barco. De maneira geral, foi ao seu lado que seguimos para o norte e nos refestelamos em suas praias no Peru e no Equador. Depois, já na América Central, foi a vez de aproveitarmos suas praias na Costa Rica, Nicarágua e El Salvador e, finalmente, México. Nos Estados Unidos, nos afastamos para voltar ao leste e o reencontro só se deu no Alaska. É claro que já não dava para tomar banho de mar por lá, mas foi onde fizemos um dos mais belos trechos desses 1000dias, navegando pela costa do estado até o Canadá. Foi lindo!
Um mirante avançado para melhor admirar as grandes ondas de Kalalau, na Na'Pali Coast, costa norte de Kauai, no Havaí
Reencontro com o Oceano Pacífico na cidade de La Serena, no Chile
Aí sim, fomos conhecer a costa americana do Oceano Pacífico. O ponto alto foi a rodovia One, de San Francisco a Los Angeles, sempre com o mar ao lado. Daí voamos para o Havaí, cercado de Oceano Pacífico por todos os lados. Uma overdose, no bom sentido, das mais belas paisagens desse mar. Tão belo como havia sido nossa temporada em Galápagos e como seria também na Ilha de Páscoa, locais onde a temperatura desse mar é muito mais agradável do que costuma ser aqui na costa do continente.
Movimento da manhã em praia de Pichilemu, no litoral central do Chile
De volta à América do Sul, fomos até a Terra do Fogo pelo meio do continente, mas a volta para o norte, em terras chilenas, foi sempre ao lado do mar. Outras vez, juntos com a Fiona, cruzamos de ferry trechos lindos desse mar. Mas a água estava fria demais para um mergulho, mesmo nas praias da Ilha de Chiloé. E aqui chegamos na pequena Pichilemu, capital do surf chileno, local da nossa despedida do Oceano Pacífico, escolhida a dedo porque nos dá a chance de um bom mergulho.
O majestoso Oceano Pacífico em Pichilemu, no litoral central do Chile
Pois é, a água é fria por aqui também. Mas nada que impeça alguns minutos dentro d’água. Foi o que fiz hoje pela manhã, bem longe da Playa Principal e de suas multidões e salva-vidas. A praia de Infiernillo, onde está nossa pousada, é muito mais tranquila. Quer dizer, suas areias são, enquanto a água é um pouco mais agitada. Bem do jeito que eu gosto. Bem com a cara do Pacífico. Respirei fundo e para a água eu fui. Nada de pensar muito, pelo menos até me acostumar com a temperatura. Água bem limpa, dessas que se vê o pé, mesmo na parte mais funda. Depois, dois ou três jacarés para aproveitar as ondas. Sentimento total de despedida, nó na garganta e tudo. Mas o dia de sol e a beleza que me circundava não me deixava ficar triste. De volta às areias para me esquentar um pouco e ver o mar de outro ângulo.
Nossa despedida do Oceano Pacífico nesses 1000dias, em Pichilemu, no litoral central do Chile
A Ana faz festa. Dois rapazes vestidos de marinheiro se aproximam. Os salva-vidas aqui do Chile são da marinha e se vestem de marinheiros. Perguntam se eu não sabia da proibição. Eu me faço de tonto e digo que não. Eles me perdoam por ser gringo e, educadamente, me explicam que não é permitido nadar ali. Se quiser voltar ao mar, que seja no meio da multidão, a um quilômetro dali, na Playa Principal. Eu agradeço. Aquele banho de mar já tinha sido minha despedida. Mar agora, só lá no Ceará, daqui a três dias, com meu “brother” Atlântico, sem passar frio ou ter de dar explicação para alguém vestido de marinheiro. Por falar nisso, está na hora de pegarmos estrada novamente, rumarmos para o norte. Olho uma última vez para o mar. Pacífico, adeus!
Enfrentando a água fria do Oceano Pacífico em Pichilemu, no litoral central do Chile
Praia em Mancora, no litoral norte do Peru
Dia de sol na praia, bem tranquilo. Estávamos completamente desacostumados com essa combinação perfeita, hehehe. Ficamos bem folgados no nosso hotel, demos uma caminhada na praia, compramos uma canga tamanho casal, tomei cerveja na beira da piscina (A Ana ainda está de molho!), enfim, tudo o que pessoas normais fazem nessa situação.
Nosso hotel em Mancora, no litoral norte do Peru
A praia foi, até agora, a melhor em que já estivemos aqui no Oceano Pacífico. Praia de areia, boa para caminhar, água fria mas bem suportável. Até que enfim um Oceano Pacífico mais "amigável". Mas, para quem está acostumado com as maravilhosas praias brasileiras, a beleza dessa aqui é bem mais ou menos. Tudo questão de referência, claro.
Dia de sol em Mancora, no litoral norte do Peru
Bonito mesmo foi o fim de tarde e o pôr-do-sol. Uma festa para quem estava com máquina fotográfica, caso da Ana. Difícil é escolher as melhores
Caminhando na praia em Mancora, no litoral norte do Peru
De noite, fomos dar uma volta no centrinho. Bem movimentado, afinal, hoje é sábado. Muito parecido com o centrinho de praias badaladas do Brasil, cheio de barzinhos com música alta, gente com pinta de surfista, cabelo desarrumado, pouca roupa, cara de malandro. Achamos um restaurante gostoso longe da balbúrdia e comemos uma comida gostosa. A Ana segue melhorando e já pode comer coisas além do frango...
Inca Cola, o famoso refrigerante nacional do Peru, com gosto de Tutti-Frutti (em Mancora, no litoral norte do país)
Hoje foi nossa última noite no Peru por um bom tempo. Agora, só quando chegarmos em Cusco, vindos do Acre, daqui a um ano. Muita água para rolar embaixo da ponte, muito asfalto para passar embaixo da Fiona.
Belo pôr-do-sol no Oceano Pacífico, em Mancora, no litoral norte do Peru
Amanhã, vamos para o Equador, nosso vigésimo-quarto país e o décimo da Fiona. O plano é chegar até Guayaquil, a maior cidade do país. Para mim, território completamente novo, pois só tinha chegado até o Peru anteriormente. Aos poucos a ansiedade, típica de quem parte para o desconhecido, toma conta de mim. Sensação ótima, diga-se!
Nosso "escritório" em Mancora, no litoral norte do Peru
Aliás, não tinha dito ainda mas conseguimos re-acertar nossa viagem para Galápagos. Viva! Agora será no dia 25 de Setembro, voando de Quito, e embarcando num barco diferente do original, que não ficou pronto. Mesmo esquema: live aboard de 8 dias/7 noites, mergulhando sem parar. Depois, mais dois dias em terra, tentando ver o que for possível dessas ilhas maravilhosas. Nossos padrinhos Rafa e Laura estarão conosco, os mesmos que nos encontraram em Itaúnas, ano passado, no meu aniversário. Dessa vez, vão passar o aniversário da Ana conosco, dia 20 desse mês. Isso porque estão chegando 10 dias antes do live aboard para viajarem conosco pelo Equador. Vamos encontrá-los em Quito no dia 15. O que sobrou de chato dessa mudança de barco e de datas é que o primo Haroldo, o mesmo que esteve conosco em Fernando de Noronha não virá mais nos encontrar. Para ele, a mudança de datas foi fatal. Uma pena! Bem, se não foi por aqui, certamente será em outro lugar especial desse nosso continente. É esperar para ver...
O céu colorido do final de tarde em Mancora, no litoral norte do Peru
A famosa Pedra do Capacete, no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
Desde que estamos explorando o interior nordestino, com as honrosas exceções da Chapada Diamantina e do vale do São Francisco, um ponto comum liga todas as belas regiões visitadas: a raridade da água. Para quem estava acostumado com as abundantes cachoeiras de Minas, isso realmente chama a atenção. Principalmente em locais onde percebe-se facilmente que, em algum dia de um remoto passado, a água já foi abundante. As Serras da Capivara, das Confusões e do Catimbau e o Raso da Catarina são ótimos exemplos disso. Os canyons estão lá para mostrar que a água tinha força para alterar a geologia do local. Hoje, ela aparece apenas nos dias de chuva, ou nos poucos meses em que rios temporários renascem das cinzas.
Canyon do rio Soledade, região de Cabaceiras - PB
Eu e a Ana, após caminhadas sob um sol escaldante, sempre esperávamos encontrar água na próxima curva, mas isso não ocorria. Aqui na região do Lajedo do Pai Mateus já estávamos esperando a mesma coisa. Tanto que nosso plano inicial era de partirmos hoje. Para isso, teríamos de abdicar de algum passeio. O sacrificado seria o passeio do canyon. Não que não valesse à pena, mas se tínhamos de sacrificar algo, que fosse mais um canyon seco, depois de tantos que encontramos por aí. Ocorre que, com a maravilhosa aula de ontem nós perdemos o tempo de ir no Lajedo do Pai Mateus. Juntando a isso a vontade de permanecer no conforto do hotel mais um dia e o atraso na nossas obrigações cibernéticas, resolvemos viajar só amanhã. Esse dia a mais nos deu a chance e o tempo de visitar o canyon do rio Soledade.
Nadando no rio Soledade, em Cabaceiras - PB
Pois é, justo esse que nós iríamos pular, justo esse que está na caatinga mais seca que encontramos, foi justamente nesse que encontramos a bendita água que procurávamos. Banhar-se em plena caatinga é um prazer inesquecível e foi assim que começamos o dia! Que beleza!
Cabaceiras - PB
Revigorados, voltamos ao hotel, trabalhamos um pouco, almoçamos saldavelmente e seguimos para a pequena cidade histórica de Cabaceiras, a Roliude brasileira. É assim que se escreve mesmo! Mais de 20 filmes locados aqui nos últimos anos estão transformando a cidade em atração! Não é à tôa que os diretores escolhem filmar por aqui, claro! É como aquele vale próximo ao Grand canyon que aparece em todo faroeste que se preze. Os cenários daqui são cinematográficos! E a cidade, com sua charmosa igrejinha e o casario colorido pode representar muito bem uma típica cidade nordestina. Pronto, melhor receita para a roliude brasileira não pode haver!
Casario histórico em Cabaceiras - PB
Aí chegou o final de tarde e nós fomos à maior atração do nosso dia e de toda a região: o Lajedo do Pai Mateus. Agora já sabíamos o caminho e não precisávamos de guia. Quando lá chegamos, partia o único grupo de pessoas que tinha ido para lá. Resultado: eu e a Ana teríamos um entardecer à dois num dos lugares mais incríveis do sertão e do Brasil!
Fim de tarde no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
O nome do lajedo vem de um curandeiro que teria vivido na região entre o final do séc XVIII e início do XIX. Provavelmente de origem indígena, ou com alguma miscigenação com negros. Sabia curar tudo e morava embaixo do maior dos matacões lá de cima. Mateus escolheu bem o lugar para morar!
Dentro da Pedra do Capacete, no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
Para mim, o que torna o lugar ainda mais interessante e especial é saber que seres humanos tem frequentado o lajedo por 30 mil anos! É muito tempo! Bom, para os que não acreditam que já havia homens no continente nessa época, então, que seja... eles frequentam o lajedo há 10 mil anos! Continua muito tempo! Ai, se aquelas pedras falassem...
Belo fim de tarde no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
Bom, se elas falassem, diriam que 10 ou 30 mil anos não é muito tempo não. Aliás, não é nada para elas! Afinal, essas rochas são do período pré-cambriano. Traduzindo, tem mais de 600 milhões de anos!!! Isso sim é velho!
A casa de Pai Mateus, no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
Com uma história dessa, quem é que vai dizer que o lajedo não é um lugar especial? AInda mais com aquelas pedras magníficas espalhadas em uma enorme laje de pedra. Cenário de outro planeta!
Conjunto de matacões, a Pedra do Capacete bem à esquerda, no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
Foi aí que eu e a Ana passamos nosso fim de tarde. Saboreando cada centímetro do visual, cada segundo daquela hora. Muitas fotos do mais famoso dos matacões, a Pedra do Capacete. E de outras, como a casa do Pai Mateus e a Pedra da Energização.
Observando o pôr-do-sol no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
Se eu fosse um místico, sei exatamente em que lugar do Brasil eu iria morar...
Um gigante ao lado da Pedra do Capacete, no Lajedo do Pai Mateus, região de Cabaceiras - PB
A Luiza, sobrinha querida, em Curitiba - PR
Desde que iniciamos nossa viagem, já tínhamos o compromisso de estar em Curitiba no dia 04 de Setembro, para uma festa de casamento. Imaginávamos que, a essa altura, já estaríamos longe demais para vir de carro. Mas, com a ida a Goiânia e Brasília, e o tempo maior em Minas, ainda estamos aqui por perto e resolvemos vir de carro mesmo. O plano é ficar poucos dias, três ou quatro.
O caminhão ficou pequeno perto do guindaste, na entrada da Marginal Tietê, em São Paulo - SP
A viagem de pouco mais de 700 quilômetros transcorreu sem problemas. A Fiona é bem confortável. Até chegarmos em São Paulo, o trânsito era todo no sentido contrário, os paulistanos escapando mais cedo do trabalho para fugir dos engarrafamentos da saída do feriado prolongado. Principalmente com o bom tempo prometido. A travessia de São Paulo foi mais tranquila que o esperado. As marginais mais largas estavam dando conta do recado. Depois, de São Paulo para Curitiba, só é chato a descida da serra. Incrível, uma vergonha, que até hoje esse trecho da Régis não esteja duplicado. Aparentemente, as obras finalmente começaram. Será que agora vai?
Dani e a filhota em Curitiba - PR
Em Curitiba, fomos direto para a casa da Dani e Dudu ver a Luiza que já vai fazer dois meses. Nossa, como o tempo passa!!! Ela está linda, super crescida, muito boazinha. Impossível não virar um tio coruja...
Paparicando a Luiza em Curitiba - PR
Muito gostoso rever a família. O Mário, pai da Ana, foi nos encontrar na casa da Dani. E mais tarde, fomos muito bem recebidos na casa da Patrícia, mãe da Ana. É a "nossa" casa aqui em Curitiba. Home, sweet home.
Paparicando a Luiza em Curitiba - PR
Amanhã, tem casamento. Descansamos no domingo e tentamos zarpar na segunda. Vamos ver...
Mamãe e Luiza, em Curitiba - PR
Distância para Kingston, capital da Jamaica
Depois de aproveitarmos até o último segundo da simpática Port Antonio e do seu maravilhoso entorno, chegou a hora de seguirmos para a “temida” capital do país, Kingston. A boataria, para a qual não damos muita bola, diz ser uma cidade perigosa e pouco receptiva a turistas. Bom, concentrando mais de um quarto da população do país, qualquer um que queira conhecer a Jamaica tem a obrigação de conhecer a sua maior cidade. E para lá fomos nós. Até porque, é de lá que sai o nosso voo amanhã, hehehe!
Atravessando as Blue Mountains entre Buff Bay e Kingston, na Jamaica
Seguimos por uma pequena estrada que passa bem no meio das Blue Mountains, ligando Buff Bay diretamente à Kingston. Asfalto bem estreito, ziguezagueando por entre vales, rios e montanhas, a estrada vai cortando pequenas comunidades e nos levando através da mata densa, sempre subindo, subindo, subindo. Devagarzinho chegamos no alto, de onde se pode observar as duas costas do país, ao norte Port Antonio e ao sul a enorme baía de Kingston, o quarto maior porto natural do mundo.
Atravessando as Blue Mountains entre Buff Bay e Kingston, na Jamaica
Bem ali, estrategicamente colocado, um restaurante com uma belíssima vista da baía e da cidade. A vista noturna, da qual abdicamos ontem em favor de uma tarde tranquila na maravilhosa praia de Winnifred, deve ser fantástica. Mas a diurna também é linda! No restaurante, além da companhia de exóticos (para nós!) beija-flores com rabo bem comprido, conhecemos uma família joia de Kingston, que tinha subido até lá só para almoçar e aproveitar aquele visual incrível. Nos deram ótimas dicas da cidade, inclusive do hotel a ficar.
Atravessando as Blue Mountains entre Buff Bay e Kingston, na Jamaica
E para lá seguimos. Não é uma cidade difícil de navegar, tendo o mapa em mãos. Mas, antes do hotel, uma parada estratégica: o museu em honra ao mais conhecido jamaicano internacionalmente, o cantor Bob Marley. Amanhã seria aniversário do cantor e festas são realizadas em todo o país, principalmente na capital, onde passou boa parte da sua vida, e no local onde nasceu e está enterrado, na parte norte da ilha. Enfim, ainda mais numa data dessa, tínhamos de ir lá prestar nossas homenagens.
Vista de Kingston, na costa sul da ilha desde o alto das Blue Mountains, na Jamaica
Mesmo o museu estando fechado, como já sabíamos que estaria. Mas, lá chegando, o simpático guarda nos deixou entrar. Um evento estava sendo preparado para o dia de amanhã e a gente pode circular pela área. A casa, onde Bob morava e tinha sua gravadora, estava fechada, mas o terreno em volta, cheio de fotos e informações sobre a vida do cantor, isso pudemos ver e fotografar. Tudo na companhia do simpático Mickey Mystic, também um cantor de reggae e fã do Bob Marley. Fez até uma “canja” para nós! Muito legal. E ainda deu a dica sobre o show que haveria pela noite num dos parques da cidade, o Emancipation Park, em homenagem ao ídolo.
Admirando a paisagem do alto das Blue Mountains, na Jamaica
Seguimos para o hotel em uptown e nos instalamos, indo comer em seguida num restaurante indicado pelos nossos amigos lá das Blue Mountains. Finalmente, experimentamos o Jerk Pork, outro dos pratos tradicionais do país. Aos poucos, vou ficando acostumado e fã dos temperos mais picantes.
Beija-Flor de rabo comprido no alto das Blue Mountains, na Jamaica
De lá seguimos diretamente para o parque, longa caminhada de uns 2 km pelas ruas e avenidas da cidade. Não é um lugar gostoso de andar, aprendemos. Cidade feita para carros e não pessoas. Longos quarteirões sem nada para ver, centros comerciais com grandes estacionamentos. Mas nenhum problema com a tal “falta de segurança”. Chegamos ao parque já no escuro, milhares de pessoas esperando pelo show que acabava de começar. Muitas famílias e crianças, 95% das pessoas negras. Clima de paz total, sentimento de segurança completo. Os poucos brancos, turistas europeus e japoneses, vários deles com o cabelo cheio de dreads, fãs longínquos do maior canto de reggae de todos os tempos.
Pit-stop em restaurante no alto das Blue Mountains, com magnífica vista para Kingston, capital da Jamaica
Bob Marley nasceu e cresceu cristão, mas foi convertido à filosofia Rasta pela sua esposa, ainda na década de 60. No início da década de 70 seu sucesso nacional ganhou os palcos do mundo e pouco antes da década de 80 já era um dos mais aclamados cantores, o único de fora do mundo do rock a fazer sucesso entre a juventude. Justo quando estava no auge, um câncer veio levá-lo ainda jovem, aos 37 anos. Começou embaixo da unha do pé. Ele não quis seguir as recomendações de amputar o dedo e seguiu com sua turnê mundial. O câncer se espalhou e ele tentou tratá-lo de uma forma alternativa, numa clínica alemã. Alguns meses depois, quando viu que estava piorando, resolveu voltar a seu país. Mas o destino não deixou. Piorou tanto na viagem que acabou ficando em Miami mesmo, direto para o hospital. Poucos dias depois, em terras americanas, morria o ídolo de toda uma geração, a única pessoa que ainda hoje desafia o Che Guevara no número de camisetas vendidas com sua estampa na frente, nos quatro cantos do mundo. E isso eu posso falar porque por onde já passei, da Tailândia ao Egito, do Chile à Alemanha, lá estão as fotos do Bob Marley nas camisetas e bares da moda.
Visitando o Bob Marley Museum em Kingston, capital da Jamaica
Presença forte no show, assim como em todo o país, são os adeptos da filosofia Rastafari. Vegetarianos convictos, amantes da paz, cabelos longos e cheios de dreads, os Rsatas estão por todos os lados aqui na Jamaica. O movimento começou na década de 30 e se internacionalizou de vez com o sucesso de Bob Marley. Leitores assíduos da Bíblia e de livros judeus, acreditam que Jesus já teria voltado á Terra, na forma do imperador da Etiópia, Haile Selassie. Na década de 30, junto com a Libéria, país formado por antigos escravos americanos, a Etiópia era o único país que tinha escapado da sanha neocolonialista europeia. Derrotando fragorosamente a Itália numa guerra no final do séc XIX, era lá que estava o único monarca negro do mundo de então. Numa época que o pan-africanismo ganhava forças, era para lá que olhavam negros de todo o mundo, a verdadeira pátria para a qual todos deveriam retornar, aonde estavam suas verdadeiras raízes. Selassie chegou ao trono no início da década de 30 e logo teve de enfrentar a Itália de Mussolini, que tentava mais uma vez conquistar aquele último pedaço de terra livre na África. E conseguiram, com base numa guerra suja com muitas armas químicas. A Liga das Nações da época nada fez para impedir isso e o discurso que Selassie fez em uma de suas assembleias, com o país já conquistado, ficou para a história.
Placa informativa no Bob Marley Museum em Kingston, capital da Jamaica
Bom, logo no início da 2ª Guerra Mundial a Itália foi expulsa de lá e Selassie voltou à sua pátria. Adorado como um deus pelos rastafáris jamaicanos, apesar dele mesmo ser um cristão ortodoxo. Foi famosa a sua visita à Jamaica, já na década de 60, quando cem mil rastafaris o esperavam no aeroporto de Kingston. Toda a região do aeroporto praticamente flutuava junto com a fumaça da ganja consumida pelos rastas. O monarca até se assustou e só desceu do avião uma hora mais tarde, quando a sua segurança lhe foi garantida. Para tristeza do governo jamaicano, Selassie jamais negou sua divindade, apesar de também não confirmá-la. Frente ao pedido da comunidade rasta de “voltar” para a África, respondeu que primeiro deveriam “libertar” a Jamaica, para depois voltarem à África.
Nosso amigo Mickey Mystic tocando um reggae no Bob Marley Museum em Kingston, capital da Jamaica
Alguns anos depois, já na década de 70, o imperador foi derrubado por um golpe comunista. Morreu na prisão, alguns meses depois, para tristeza de muitos rastas. Outros acreditam que ele não morreu, que emigrou para algum convento. O novo governo, comunista, levou o país à terrível fome que matou milhões de pessoas na década de 80.
Antiga residência e gravadora, hojje retransformada no Bob Marley Museum em Kingston, capital da Jamaica
A ainda assim é hoje, Selassie sendo considerado a segunda encarnação de deus na terra. E a ganja continua correndo solta, inclusive no parque onde ocorria o show. A ganja é considerada um meio sagrado de abrir a mente para um melhor entendimento da palavra de Deus. Outras drogas e o álcool são desprezados, pois ao contrário da ganja, destroem a mente e nos afastam do melhor entendimento. Aqui na Jamaica, e esse show foi o mais acabado exemplo disso, aprendi como um país pode levar a sua vida normalmente, com a ganja proibida em teoria, mas liberada na prática. Aos poucos, foi ficando normal ver famílias e crianças brincando de um lado enquanto o cheiro de ganja tomava conta do ambiente, tudo tratado com a maior normalidade por todos. Para falar a verdade, o resultado é de muito mais paz do que quando pessoas se reúnem para beber, ficam barulhentas, valentes e inconvenientes. O engraçado era ver o parque repleto de policiais garantindo a segurança de todos e, ao mesmo tempo, a ganja por toda a parte. O mundo perfeito da Rita Lee, hehehe!
Nosso amigo Mickey Mystic tocando um reggae no Bob Marley Museum em Kingston, capital da Jamaica
O show foi um espetáculo e nós simplesmente ADORAMOS ter estado ali. A volta para nosso hotel foi de taxi mesmo e amanhã, bem cedinho, deixamos a Jamaica para trás já com muitas saudades. O destino são as Ilhas Caiman, aqui do lado, paraíso de mergulhadores e banqueiros. Creio que vamos ficar mais com o primeiro grupo...
Nos jardins do Bob Marley Museum em Kingston, capital da Jamaica
Arquitetura de Puerto Natales, no sul do Chile
Acordamos hoje para nossos últimos 11 quilômetros de trilha no Parque Nacional Torres del Paine, no Chile. Só precisávamos retornar ao acampamento Paine Grande, de onde viemos ontem, que é de onde parte o barco que atravessa o lago Pehoe e nos deixa perto da estrada que atravessa o parque. Ou seja, um caminho que já conhecemos e tudo indicava uma calma manhã.
No último dia (em azul), caminhamos 11km do refúgio Grey para o Paine Grande, atravessamos o lago Pehoe de barco e fomos de van até a hosteria Las Torres, onde estava a Fiona
Depois de 80 kms de trilhas, sono merecido no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Pois é, mas não foi bem assim. Para começar, choveu muito durante a noite e guardar uma barraca molhada (do lado de fora) não é fácil. Tinha gente em situação muito pior do que nós, com a barraca e equipamentos encharcados por dentro! Mas esse não era nosso maior problema. O ponto é que o barco que queríamos tomar só tem dois horários por dia, um no final da manhã e o outro no final da tarde. Então, nossa manhã tranquila acabou se tornando uma verdadeira corrida, pois não queríamos esperar até o final do dia. Então, literalmente corremos pela trilha para tentar alcançar o barco da manhã.
Fila para tomar o barco que faz a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Fila para tomar o barco que faz a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Apesar de esbaforidos, chegamos a tempo. A tempo de entrarmos na enorme fila de mochileiros esperando o barco. Aí, a tensão foi a da torcida de cabermos na pequena embarcação. A cabine lotou e eles foram nos empilhando no teto do barco. Ao final, para nossa felicidade e alívio, entramos. Mas quem estava no final da fila não entrou, o que nos fez ter certeza que aquela corrida tinha valido a pena!
Fazendo a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Frio e vento no teto do barco que faz a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Aí, foram uns 30 minutos passando frio no teto do barco, um vento gelado de não dar trégua. Mas chegamos vivos ao outro lado, um pequeno porto perto do Salto Grande que visitamos no nosso primeiro dia no parque. Aí, várias vans nos esperavam, a maioria de agências, mas umas poucas públicas também. Encontramos aquela que fazia a linha até a Hosteria Las Torres e embarcamos mais uma vez. Pelo menos agora estávamos protegidos do vento. Outra meia hora de condução e chegamos. Agora, só faltava mais um quilômetro de corrida para chegar ao local onde tínhamos deixado estacionada a Fiona. Um último esforço recompensado pela visão da nossa fiel companheira. Sem deixar o pique cair, trocamos de roupa e iniciamos nossa viagem rumo ao sul. Destino: Puerto Natales.
Mesmo com o vidro da frente cada vez mais partido, consequência da pedrada que levamos há uns 10 dias na ruta 40, na Argentina, a viagem foi bem tranquila. Foram 150 kms até a cidade de 20 mil habitantes na orla do fiorde Última Esperanza. Esse nome foi dado pelo navegante espanhol Juan Ladrilleros em 1557. Ele buscava desesperadamente a entrada ocidental do Estreito de Magalhães e, após várias tentativas, esse fiorde era sua última esperança. Para sua decepção, o Última Esperanza não era mesmo a passagem, mas apenas mais um dos intrincados fiordes que existem nessa região.
A rachadura no vidro da Fiona só está aumentando dsde a pedrada na ruta 40, saída de Trevelin, na Argentina
Chegando a Puerto Natales, no sul do Chile
Foi preciso esperar outros 300 anos para que os europeus reaparecessem nas águas do fiorde. Dessa vez, era o famoso barco Beagle, capitaneado por Fitz Roy e tendo como um dos cientistas a bordo o inglês Charles Darwin. Poucas décadas mais tarde, em 1878, quem também passou por aqui foi a primeira turista da patagônia, a escritora e feminista inglesa Lady Florence Dixie. E foi só com o séc. XX já começado, em 1911, que a cidade de Puerto Natales foi finalmente inaugurada. Um porto para a nascente indústria de lã de carneiro.
Paisagem plana, típica da patagônia, ao redor de Puerto Natales, no sul do Chile
Chegando a Puerto Natales, no sul do Chile. Nosso recorde de latitude sul só vai aumentando...
A ocupação inicial da região foi por alemães, ingleses e croatas. Só mais tarde vieram os chilenos do norte. As fazendas de criação de ovelhas e a indústria da lã prosperaram por boa parte do século, mas com sua decadência nas últimas décadas, foi o turismo que se tornou a principal força motriz da região. Puerto Natales é a principal base para quem vem de longe explorar o mundialmente famoso parque de Torres del Paine.
Placa de distâncias em Puerto Natales, no sul do Chile, mostra uma misteriosa Baden Baden, no Brasil
A Fiona se abasteceu em um posto Petrobras em Puerto Natales, no sul do Chile
A cidade é muito simpática, ruas largas, arquitetura interessante e sem prédios. Há muitas pousadas e restaurantes para atender os milhares de viajantes que aqui chegam buscando o parque mais ao norte. Uma boa parte deles chega de barco, o famoso ferry que, num percurso de 3 dias, viaja de Puerto Montt até aqui cruzando as belezas dos fiordes chilenos. Dependendo da estação ou do nível da cabine que se queira pagar, o preço dessa viagem varia de 200 a 2 mil dólares e assim que o barco chega a cidade se enche de vida. Para nós que chegamos em um feriado de natal e sem barco por perto, Puerto Natales estava uma tranquilidade só.
Arte nas ruas de Puerto Natales, no sul do Chile
Mas isso não nos impediu de achar um restaurante bem joia para almoçarmos deliciosamente. Almoço de natal em Natales, faz todo o sentido! Restaurante até com internet e conseguimos falar com nossas famílias via Skype. Perfeito! Viva o milagre da internet.
A mão enterrada, em Puerto Natales, no sul do Chile
Escultura de mão enterrada em Puerto Natales, no sul do Chile
Depois do almoço, caminhamos um pouco pelas ruas e orla da cidade. Tudo muito arrumadinho e tranquilo. Todo mundo celebrando em suas casas, vimos mais patos do que pessoas, as aves muito bem adaptadas às aguas geladas do Última Esperanza. Ali na orla também, uma escultura de uma gigantesca mão enterrada no solo, apenas os dedos aparecendo. Bem no estilo daquela que existe em Punta del Este, no Uruguay (onde ainda não estivemos, mas que está nos planos!).
Pequena e gelada praia em Puerto Natales, no sul do Chile
Patos parecem se dar bem com a água gelada da praia em Puerto Natales, no sul do Chile
Por fim, hora de partir. Ainda queremos chegar hoje em Punta Arenas, a grande metrópole aqui do sul, a cidade mais austral de terras continentais em todo o mundo. Na saída da cidade, placas indicavam direção e distância das atrações turísticas da região. Além do Torres del Paine, uma caverna, a Cueva del Milodón. Fica a uns 20 kms daqui, sentido norte. Na verdade, quando estávamos chegando, até vimos a entrada para a caverna, mas não animamos ir até lá, pela fome, pressa e cansaço que estávamos. Só ficamos curiosos. Depois, a internet, novamente a santa internet, nos ensinou do que se tratava...
A orla do fiorde que banha Puerto Natales, no sul do Chile
A rota do fim do mundo, de Puerto Natales a Punta Arenas, no sul do Chile
Em 1895, o alemão Hermann Eberhard explorava as terras que acabava de adquirir no sul do Chile. Foi ele que descobriu uma caverna ampla, com mais de 200 metros de profundidade, 80 metros de frente e 30 metros de altura. Mas a maior surpresa foi o que ele encontrou dentro da caverna: a pele, ossos e outros restos de um gigantesco animal que depois veio a ser identificado como o Milodón, uma preguiça gigante. Ele já era conhecido da ciência naquela época e imaginava-se que estivesse extinto há muito tempo. O problema é que aquela pele ainda cheia de pelos encontrada por Hermann estava muito bem conservada, quase fresca. Parecia que o animal havia morrido ali há muito pouco tempo!
Atrações turísticas na região de Puerto Natales, no sul do Chile. Nós perdemos a Cueva del Milodón...
Apesar de seus dois metros de altura e 200 kg, a Milodón não era uma das maiores espécies de preguiças gigantes
A notícia logo correu pelo mundo, muita especulação sobre a possibilidade de o Milodón ainda sobreviver nos confins perdidos da patagônia. Expedições científicas foram organizadas com o intuito de encontrar algum exemplar ainda vivo. Por muitos meses, jornais como o inglês The Sun relatavam essas expedições e alimentavam o imaginário mundial naquele final de século onde a ciência era cada vez mais importante. Infelizmente, testes feitos na pele encontrada indicaram que ela teria 10 mil anos de idade. A boa conservação devia-se ao clima frio e seco da caverna. O Milodón estava sim, extinto, muito provavelmente por ação da caça dos primeiros paleoíndios a chegar à região.
Estátua em tamanho natural de um Milodón, na entrada da Cueva del Milodón, perto de Puerto Natales, no sul do Chile (foto de Claudio Fierro)
A caverna está aberta à visitação. Aí também foram encontrados restos de antigos cavalos, camelos, onças e até tigres dente-de-sabre. E de humanos também. Aparentemente, os antigos cavalos, bem menores que os atuais, eram sua refeição predileta. Já o Milodón, com 2 metros de altura e 200 kg de peso (e olha que, na família das preguiças gigantes, ele era apenas de porte mediano), que por milhares de anos soube muito bem se defender de predadores graças ao seu tamanho, garras e placas ósseas sob a pele espessa, deveria ser um prato especial, algo assim como um banquete ou ceia de natal. Como disse, ainda não foi dessa vez que o reencontramos vivo, infelizmente. Mas para quem quiser ver uma cópia em tamanho natural, basta ir visitar essa caverna. A gente não foi, mas a internet nos contou a história.
Felizes depois do almoço de natal em restaurante de Puerto Nateles com direito a ligação de Skype para a família no Brasil. Viva o milagre da internet!
Rendendo homenagens ao nosso mais belo show cósmico, a Aurora Boreal na noite sem lua em Tok, no Alaska
Foi com dor no coração que deixamos a saída para Valdez à nossa direita e seguimos viagem para Tok. Seria um “pequeno” desvio , ida e volta, de algumas centenas de quilômetros para a cidade que todos recomendaram de que não deixássemos de ir. Estrada bonita, geleiras, possibilidade de avistamento de vida selvagem e por aí vai. A cidade ganhou fama mundial depois do maior desastre ecológico da história, quando o Exxon Valdez derramou sua gigantesca carga de óleo, arruinando um meio ambiente quase virgem e paradisíaco, matando milhões de peixes, aves e mamíferos e causando a fúria de ecologistas por todo o mundo. Esses mesmos ecologistas previram que a região demoraria décadas para se recuperar, mas a Natureza surpreendeu a todos com a rápida renovação do ecossistema e da vida marinha. Ao mesmo tempo, o desastre dificultou em muito a vida dessas empresas petrolíferas, que tiveram que passar a lidar com leis muito mais rígidas em seus novos projetos de investimento. Há males que vem para bem...
Nosso novo roteiro até Haines, de onde pegamos o ferry. Agora, vamos passar pela lendária Dawson City!
Mas a previsão de tempo para os próximos dias estava muito ruim e seguir até lá para tomar mais chuva na cabeça nos pareceu mais teimosia do que inteligência. Assim, tratamos de armar um plano B que não fica muito a dever ao plano A, não. Nosso ferry sai de Haines no dia 25 e queremos chegar lá um pouco antes, para poder aproveitar também as belezas da cidade. Ao não irmos para Valdez, ganhamos uns dias extras para conhecer outros lugares e a decisão óbvia era seguir para longe da chuva. Nossa melhor chance era para o norte e para o interior do continente. E não é que, justamente lá, perdido nesse verdadeiro fim de mundo quase polar, está a cidade quase lendária de Dawson, uma vila saída dos tempos do faroeste, criada em apenas 2 anos, na época da corrida do ouro de 1898? Seria um desvio de pouco mais de 500 km na nossa rota original. Mas conheceríamos novas estradas, novas paisagens e, acima de tudo, a cidade mais interessante dessa parte do continente. Enfim, um bom negócio!
Uma colossal e fantástica geleira parece invadir o vale, no caminho entre Anchorage e Tok, no Alaska
Para chegar lá, tínhamos de ir por partes. Dawson fica no Yukon Territory, no Canadá. Está ligado à cidade de Tok, no Alaska, através da famosa rodovia “Top of The World Road”, que fica ao norte da Alaska Highway. Ao norte da Alaska Highway? Pois é, só isso já dá uma ideia de onde estávamos nos metendo. A estrada só funciona na temporada e, descobrimos hoje, que ela vai fechar amanhã, dia 21. Ou seja, acertamos na mosca!
Uma colossal e fantástica geleira parece invadir o vale, no caminho entre Anchorage e Tok, no Alaska
Pois bem, a primeira parte da nossa jornada, depois de passarmos por Anchorage, terminava na pequena Tok. Essa foi a primeira cidade que passamos no Alaska, no nosso caminho para Fairbanks e para o extremo norte. Tínhamos dado uma parada rápida na Oficina de Turismo, onde a simpática atendente nos deu várias dicas valiosas sobre o Estado. Passamos por lá justamente na véspera do escritório fechar, pelo menos até Maio de 2013. Outra vez, na mosca!
Nossa mais bela Aurora Boreal, nos céus de Tok, no Alaska
Bom, dessa vez, já experientes em Alaska, não precisávamos mais da Oficina de Turismo. Mesmo que ela ainda estivesse aberta, não teríamos pressa. Com isso, pudemos curtir bastante a estrada da bifurcação de Valdez até lá. A parte mais impressionante é quando passamos ao lado de uma titânica geleira que parece invadir um vale muito abaixo da estrada. Lugar lindo! Como muitos outros lugares do Alaska, os principais frequentadores são os caçadores. Essa atividade está muito mais entranhada na cultura local do que havíamos imaginado. Aos poucos, vamos nos acostumando com pessoas vestidas em suas roupas camufladas, veículos off-road que carregam equipamentos e as vítimas abatidas e caminhões repletos de carcaças e chifres de alces, elks, caribous e veados. Acho que quem não se acostuma nunca são os pobres cervídeos. Afinal, seu genoma nunca os preparou a se esquivar de balas disparadas a mais de 200 metros de distância por rifles com mira telescópica. Não me parece muito justo, mas... assim é por aqui.
Nossa mais bela Aurora Boreal, nos céus de Tok, no Alaska
Bom, voltando à viagem, chegamos já no escuro a Tok, arrumamos um pequeno hotel e fomos logo checar a previsão. Noite clara, sem lua e boas chances de aurora. Viva!!! Ainda não tinha falado, mas esse foi também um dos grandes motivos para voltarmos a essas bandas. Assim, começamos a checar os céus com os nossos olhos, de tempos em tempos. Um pouco depois da meia noite e, bingo! Lá estavam elas, as norhern lights, a Aurora Boreal, o aviso de que o show cósmico estava para começar!
Um verdadeiro show de luzes e cores na nossa mais linda Aurora Boreal nessa passagem pelo Alaska, em Tok
Não perdemos muito tempo! Entramos na Fiona e nos afastamos das poucas luzes de Tok e chegamos a um ponto onde só estávamos nós quatro: eu, a Ana, a Fiona e o Universo. Tinha as estrelas também, mas nem a lua convidamos!
Um verdadeiro show de luzes e cores na nossa mais linda Aurora Boreal nessa passagem pelo Alaska, em Tok
Bom, até hoje pela tarde, eu achei qu já tinha visto a Aurora. Ledo engano. Aquilo era outra coisa. A verdadeira Aurora, essa conhecemos hoje. Até então, tinha sido sempre muito lindo, especialmente para um habitante dos trópicos, completamente virgem nesse assunto. Mas confesso que as fotos ficavam mais bonitas que a realidade. Com um tempo de exposição mais longo nas fotos, o verde ficava mais forte do que era na realidade. Ficava uma falsa impressão que o céu ficava mesmo com aquelas cores fortes. Na verdade, era sempre mais tênue.
Um verdadeiro show de luzes e cores na nossa mais linda Aurora Boreal nessa passagem pelo Alaska, em Tok
Bom, isso foi até essa noite. Agora, a Natureza resolveu nos mostrar com quantos paus se faz uma canoa. Dessa vez, o que se vê nas fotos não chega a metade do que vimos com os olhos. Um verdadeiro balé de cores e formas, (nada de tênue não!) sobre nossas cabeças. Uma mágica que nos fez chorar de emoção, tamanha era a nossa incredulidade em ver tudo aquilo. Pela primeira vez, vimos outras cores com clareza. Vermelho, roxo, um azul meio esbranquiçado e, claro, muito verde.
Um verdadeiro show cósmico, na Aurora Boreal na noite sem lua em Tok, no Alaska
Ficamos ali extasiados, sem fôlego, sem palavras, diante do espetáculo absolutamente indescritível se desenrolando ao nosso redor. Gente...sabe tudo aqui que sempre falaram da Aurora? Pois é... é muito melhor! Nosso desvio, o tempo ruim no sul, tudo isso já valeu a pena. E ainda temos Dawson pela frente. Com mais promessa de Aurora. Não dá para reclamar...
Rendendo homenagens ao nosso mais belo show cósmico, a Aurora Boreal na noite sem lua em Tok, no Alaska
Observando a fauna e o mar na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
Deixamos a bela surpresa que foi Las Grutas para trás hoje de manhã e continuamos a rumar para o sul, agora sim em direção a uma atração turística de nível internacional que já vem atraindo estrangeiros desde que Charles Darwin passou por aqui, em meados do século XIX. Estou falando da Península Valdés e nós já estamos em plena Patagônia, nome dado a toda a região sul da Argentina e do Chile e que inclui alguns dos cenários mais espetaculares desse continente, principalmente ao redor da Cordilheira dos Andes, que marca a fronteira desses dois países. Aliás, a pequena Las Grutas já faz parte da Patagônia e quando entramos oficialmente nessa região dois dias atrás, vindos dos Pampas, tivemos de fazer uma longa parada na “fronteira”, detidos no controle fitossanitário. Tínhamos comprado muitas frutas em Tandil, ainda nos Pampas, e é proibido entrar na Patagônia com elas. Não teve remédio: ali mesmo na estrada, tivemos de comer todo o nosso estoque que era planejado para dois dias inteiros. Melhor do que jogar fora, não é? Tudo pela boa causa de manter a Patagônia livre de doenças que já existem no norte do país.
Mapa mostrando a localização da Península Valdés na Argentina, já dentro da região patagônica (em marrom)
O GoogleMaps mostra nosso caminho entre Las Grutas e a Península Valdés, mas sua estimativa de tempo está redondamente enganada! As estradas são ótimas e fizemos o percurso em menos de 4 horas!
A Patagônia é o sonho de consumo de turistas e aventureiros do mundo inteiro e nas estradas cada vez mais desertas aqui do sul, quando cruzamos alguém, é quase certo que sejam eles. Hoje, num posto de gasolina a meio caminho entre Las Grutas e a Península Valdés, cruzamos e socializamos com um enorme caminhão-hotel trazendo dezenas de turistas alemães. Passam meses viajando pela América do Sul sempre dormindo no seu caminhão ou em tendas. Turistas vão entrando e saindo ao longo da rota, cada um fazendo o trecho que estiver mais interessado. São várias as empresas que oferecem esses longos tours, não só aqui na América do Sul, mas também na África e na Ásia. É uma aventura no “mundo selvagem” do imaginário dos gringos do primeiro mundo, principalmente europeus. Aqui na Patagônia certamente encontraremos vários deles. Hoje foi um da mais famosa empresa alemã nesse segmento, a Rotel Tours, e eles vinham lá da Terra do Fogo, com uma parada na Península Valdés, claro!
A caminho da Península Valdés, no litoral da patagônia argentina, encontro com um gigantesco caminhão-hotel com viajantes alemães
A caminho da Península Valdés, no litoral da patagônia argentina, encontro com um gigantesco caminhão-hotel com viajantes alemães
A caminho da Península Valdés, no litoral da patagônia argentina, uma janela de posto de gasolina repleta de adesivos de expedicionários e viajantes
Enfim, foram pouco mais de 350 km de estrada desde Las Grutas até a entrada da Península Valdés, na altura da pequena e simpática cidade de Puerto Pirâmides. Aproveitando que estamos quase no verão por aqui e o dia fica claro até perto das 10 da noite, nós resolvemos seguir diretamente para a península e aproveitar cada minuto de claridade que ainda tínhamos. Era pouco mais de meio dia e a nossa primeira parada foi no Centro de Visitantes, bem no pequeno e estreito istmo que liga Valdés ao continente. Há um pequeno museu por aí, um torre de observação e muitas informações sobre roteiros que poderíamos seguir na península. Encontrar um hotel para dormirmos ficou para depois...
Encontro com um carro muito maior do que a Fiona, de expedicionários alemães, na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
Encontro com um carro muito maior do que a Fiona, de expedicionários alemães, na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
Com pouco mais de 3.600 quilômetros quadrados de área separados do continente pelos golfos de San Jose, ao norte, e Nuevo, ao sul, a Península Valdés se liga ao resto da Argentina por uma estreita ponte de terra chamada Istmo Carlos Ameghino. Logo que a estrada atravessa este istmo e chega ao corpo principal da península o asfalto termina e todos os caminhos se tornam de terra. A partir daí são cerca de 70 km até a costa leste da península, onde estão as atrações principais de Valdés. A estrada logo se bifurca, uma seguindo para a parte sul do litoral e outra para o norte. Esta última se bifurca um pouco mais adiante, uma seguindo para o litoral central e outra para o norte. Nós resolvemos seguir para o litoral central onde está uma importante pinguinera e também os cenários de litoral mais belos. Daí uma estrada segue pelo próprio litoral até a ponta norte, famosa pelo avistamento de baleias. Aí a estrada se encontra com a outra que seguia diretamente para esse lado da península, formando uma espécie de looping. Foi o caminho que resolvemos fazer hoje já que no sul a principal atração é uma pinguinera que fica dentro de uma estância privada e que cobra entrada. Para quem quer ver muitos pinguins e não liga de pagar, é a melhor opção. Mas para quem acaba de chegar da Antártida e viu por lá mais de 1 milhão dessas simpáticas aves, nossa prioridade foi outra.
As rústicas estradas da Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
As rústicas estradas da Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
O interior da península é essencialmente plano e as paisagens mais bonitas realmente são aquelas do litoral. A atração dessa parte de Valdés são os encontros com a vida animal, que vou falar no próximo post, além de alguns dos terrenos mais baixos de todo o continente, as salinas. Muitos deles estão bem abaixo do nível do mar. Inclusive, quando estive aqui 21 anos atrás, o guia do nosso tour disse que a Salina Grande tinha o recorde de altitude negativa da América do Sul, 41 metros abaixo do nível do mar. Pois é, recentemente ela perdeu o seu posto de campeã para outra salina, aqui mesmo na Argentina, mas bem longe da Península Valdés. É a Laguna Carbón, pertinho de Puerto Julián, mais de 1.000 km ao sul, também ao lado do litoral patagônico. As medições feitas ali indicam a altitude de – 102 metros. Isso lhe dá não apenas o recorde da América do Sul, mas de toda a América, bem mais baixo que o Death Valley, onde estivemos nesses 1000dias, lá na Califórnia. Na verdade, é o recorde de todo o hemisfério sul e também do hemisfério ocidental do planeta, só ficando atrás de seis depressões na Ásia. A mais profunda é o famoso Mar Morto, fronteira de Israel e Jordânia, com mais de 400 metros abaixo do nível do mar. Enfim, passamos ao lado das salinas aqui na Península Valdés e vamos tentar ver essa tal de Laguna Carbón também, quando estivermos mais ao sul do continente.
Mapa rodoviário (as estradas são todas de terra) da Península Valdés, na Argentina. Nós percorremos as partes central e norte da península, de P. Cantor ao farol na ponta norte e depois nos hospedamos em Punta Piramides
Uma depressão no interior da Península Valdés, no litoral da patagônia argentina, é um dos pontos mais baixos do continente sulamericano
Fora isso, as salinas e os animais, muita paciência para vencer os quilômetros de terra da larga estrada que corta o interior, sempre cercados por uma vegetação baixa e sem acidentes geográficos. Quando Fernão de Magalhães passou por aqui em 1520 no seu caminho para ser o primeiro europeu a chegar ao Oceano Pacífico, a península era ocupada pelos índios aonikenk, um ramo dos tehuelches, os habitantes da Patagônia. Era um povo nômade que vivia da caça da rica fauna da península. Por outros dois séculos e meio eles puderam continuar com seu estilo de vida por aqui, tendo algum contato ocasional com navios que vinham em busca dos lobos marinhos, cuja pele sempre foi muito valiosa. Essa situação começou a mudar com a expedição liderada pelo espanhol Basilio Villarino em 1778. A ideia era iniciar a colonização da região. Foi quando foi dado o nome que ainda hoje tem a península, uma homenagem ao ministro da Espanha que mandou organizar a expedição. No início, a relação entre europeus e indígenas foi amistosa, mas não demorou para que os nativos percebessem que os novos colonizadores em breve iriam querer todas aquelas terras. Eles então se organizaram e, em 1810, aproveitando-se do período de festas religiosas entre os europeus, atacaram o povoado destruindo tudo e expulsando ou matando a todos que pudessem. Com isso, ganharam mais meio século de tranquilidade, mas também eles acabaram vencidos mais tarde, já no contexto das sangrentas guerras patagônicas empreendidas pelos governos argentinos já em meados da segunda metade do século para a ocupação do território.
O belíssimo visual do litoral da Península Valdés, na patagônia argentina
O belíssimo visual do litoral da Península Valdés, na patagônia argentina
Sem os nativos e ocupada apenas por algumas grandes estâncias, o tempo praticamente parou por aqui. Até que se percebeu o verdadeiro tesouro natural que era a península. Os turistas começaram a chegar, mas a criação de parques e reservas ajudou a preservar a região. Por fim, em 1999, a Unesco declarou a Península Valdés um patrimônio da humanidade e o estímulo de preservação aumentou ainda mais. Por isso as estradas ainda são de terra. Por isso também não foi levado a cabo um projeto para a criação de um canal marítimo cortando o Istmo Carlos Ameghino nem outro da construção de uma grande usina de geração de energia aproveitando as enormes diferenças de maré entre o Golfo Nuevo e o Golfo San José. Viva a força do turismo!
Na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina, encontro com a Carol, valente ciclista brasileira que vem pedalando desde São Paulo e vai até Ushuaia, ida e volta!
Na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina, encontro com a Carol, valente ciclista brasileira que vem pedalando desde São Paulo e vai até Ushuaia, ida e volta!
Bom, não encontramos nenhum nativo no interior da ilha, mas no meio daquele calorzão (a gente no conforto do ar condicionado da Fiona) e daquela poeira toda, eis que cruzamos um valente ciclista vindo em direção contrária, enfrentando todos aqueles quilômetros de estrada de terra. Mais tarde, já caminhando pelo litoral central da península, eis que encontramos outra ciclista. Mas esta estava descansando, a bicicleta guardada no alojamento dos guarda-parques. Era a Carol Emboaba, uma brasileira que veio pedalando desde Curitiba e que ainda vai até Ushuaia para depois voltar pelo Chile. Uma verdadeira guerreira! Para quem quiser acompanhá-la no facebook, basta procurar por “Giramérica”. Ele nos contou que o outro maluco que cruzamos no caminho também é brasileiro, o Pedro, e que saiu de Santa Catarina. Poucos dias atrás os dois se conheceram algumas centenas de quilômetros ao norte daqui e pedalaram esses dias juntos. Agora, acabavam de se separar, cada um no seu ritmo. Aqui na Argentina, são sempre muito bem recebidos em postos de bombeiros ou de guarda-parques, como aqui, recebendo habitação, chuveiro e muitas vezes até comida. Isso sim é valentia! E isso sim é viajar barato!!! Aliás, no final do dia, já escuro, quando chegamos a Puerto Pirâmides para encontrar hotel, fomos primeiro no quartel dos bombeiros encontrar o Pedro para lhe entregar um bilhete da Carol. Ele já estava muito bem instalado por lá, pronto para pedalar mais uns cem quilômetros amanhã, faça chuva ou faça sol e, principalmente, enfrentando o impiedoso vento patagônico. Mais uma vez a nossa reverência: é de se tirar o chapéu!
Caminhando em trilha na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
Um magnífico pôr-do-sol na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
Voltando para a Península Valdés, passamos a tarde explorando o litoral central e lá pelas 5 da tarde nos mandamos para o norte, na esperança de avistar orcas, pois este seria o melhor horário. Passamos mais umas horas por lá (como é bom um dia que só termina as 10 da noite!!!) e voltamos no fim das luzes. Ao cruzar novamente a península rumo ao istmo e a Puerto Pirâmides, fomos agraciados por um pôr-do-sol magnífico, tão belo como aqueles assistidos por incontáveis gerações de aonikenks. Nessa terra que parece parada no tempo um momento como esse nos liga diretamente a outras eras e povos que aqui viveram e viam o mesmo que estamos vendo agora. Ficou até mais fácil de entender porque eles lutaram tanto para manter a terra de seus ancestrais. Infelizmente, eles se foram. Felizmente, a terra e suas belezas ficaram.
Um magnífico pôr-do-sol na Península Valdés, no litoral da patagônia argentina
A famosa cachoeira do Véu da Noiva, cartão postal mais conhecido da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
O dia começou cedo novamente. Ontem, foi o dia das cavernas e hoje, o das cachoeiras. Outra vez, estávamos com o Sergio, nosso guia paulistano, mas cidadão da Chapada de coração, já há mais de duas décadas. A trilha das cachoeiras fica dentro da área do parque e para percorrê-la, é obrigatória a companhia de um guia. Como o Gabriel e a Luisa, o casal que nos acompanhou ontem, já tinha feito essa trilha, fomos apenas com o Sergio para a trilha.
Entrando no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Mas a primeira parada do dia não foi essa trilha que percorre sete quedas d’água, e sim o principal cartão postal da região, a cachoeira do Véu da Noiva. Aí sim, é possível ir sem guia, mas o Sergio foi conosco, já que passaria todo o dia com a gente. Fomos as primeiras pessoas do dia a entrar lá hoje, praticamente acordando o guarda na portaria.
Chegando na cachoeira do Véu da Noiva, na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
A famosa cachoeira do Véu da Noiva, cartão postal mais conhecido da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
O Véu da Noiva já vem atraindo visitantes desde o início do século passado. Foi sua imagem que popularizou a Chapada dos Guimarães em todo o país, atraindo gente de longe, como o próprio Sergio, que viu sua foto num calendário e decidiu que queria conhecer aquele lugar. Os visitantes vinham para o mirante da cachoeira e também desciam até o lago lá embaixo, para um mergulho.
O vale da cachoeira do Véu da Noiva, na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Trilha das cachoeiras, no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
A atração ficou tão popular que até batizados evangélicos eram realizados lá embaixo. Infelizmente, a beleza e significado do lugar começou a atrair um outro “público” também. Não foram poucas as pessoas que escolheram o Véu da Noiva para um último mergulho, diretamente dessa para outra vida. Mas não foi um caso de suicídio que levou a atração a ser interditada por mais de um ano. Foi mesmo uma cerimônia de batismo. Uma grande rocha se soltou do topo da cachoeira e, ao se despedaçar lá embaixo, uma lasca atingiu uma pessoa com a força de uma bala. A cachoeira ficou fechada por um bom tempo e só foi reaberta recentemente. Mas agora, apenas o acesso ao mirante é permitido. Nada mais de mergulhos ou batismos lá embaixo.
Uma Sempre-Viva, no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Flora exuberante na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Para nós, foi mais do que o suficiente. A imagem lá de cima é mesmo belíssima e pudemos tirar nossas fotos tranquilamente, sem ter de disputar os melhores ângulos com outros turistas. A cachoeira não tem culpa das histórias que se passaram por lá e continua linda como sempre. Em seguida, aí sim, seguimos para outra entrada do parque, onde está a tal trilha das cachoeiras.
A magnífica cachoeira das Andorinhas, na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Um banho gelado na cachoeira das Andorinhas, uma das mais bonitas no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
São várias delas, todas no mesmo rio. Seguimos diretamente para as duas que estão mais abaixo no curso da água, a Andorinhas e a Independência, para depois, com tranquilidade, percorrermos a trilha rio acima, passando por todas as outras, como a Prainha, o Degrau ou a Cachoeira Do Pulo.
Um banho gelado na cachoeira das Andorinhas, uma das mais bonitas no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Um banho gelado na cachoeira das Andorinhas, uma das mais bonitas no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Estamos em plena onda de frio aqui na Chapada. As pessoas podem não acreditar, mas pode fazer muito frio aqui na Chapada dos Guimarães, em pleno Mato Grosso. Ao mesmo tempo em que cidades paranaenses e catarinenses enfrentavam temperaturas negativas, nossas noites por aqui beiravam os 5 graus, principalmente com o efeito do vento. A consequência disso foi que a água do rio estava bem fria também, mas o dia lindo foi um estímulo para o mergulho, mesmo em águas geladas.
Um banho gelado na cachoeira das Andorinhas, uma das mais bonitas no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Cachoeira do Degrau, na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Tomamos um banho logo na primeira parada, na cachoeira das Andorinhas, a maior delas. Depois, uma a uma, fomos conhecendo, fotografando e, onde houvesse coragem e disposição, mais um mergulho.
Cachoeira do Pulo, na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Uma das mais belas cachoeiras na trilha das cachoeiras, no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Por fim, já lá no alto, deixamos as cachoeiras para trás e fomos conhecer a Casa de Pedra, uma espécie de caverna aberta, um refúgio perfeito para antigos animais e índios que passaram por aqui há milhares de anos. Um convite a descansar e contemplar, observar, refletir ou simplesmente, tirar uma pestana ao embalo dos barulhos da natureza ali do lado.
Chegando à Casa de Pedra, no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Descanso na bela formação conhecida como Casa de Pedra, no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Da Casa de Pedra de volta para a Fiona e ao reencontro do Gabriel e da Luisa. Eles nos acompanhariam na nosso último passeio na Chapada dos Guimarães, as paisagens grandiosas da Cidade de Pedra, uma despedida em alto estilo desse lugar mágico no coração do Brasil.
Romantismo na bela formação conhecida como Casa de Pedra, no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso
Nosso maravilhoso pôr-do-sol atravessando a temida Drake Passage
Engana-se que achou que nossa última grande emoção programada para essa viagem à Antártida tenha sido o “polar plunge”, o salto nas águas geladas descrito no último post. Não, esse não foi o último desafio. Ainda restava um, bem à nossa frente. Estou falando da famosa Drake Passage, nome dado ao trecho de oceano que separa a península antártica da América do Sul. Para chegar a Ushuaia, na Terra do Fogo, local do nosso desembarque final, temos de cruzar essa temida região de mares bravios.
Navegando nas tranquilas águas da Drake Passage, entre a Antártida e a América do Sul
O roteiro mais comum dos barcos que levam turistas à Antártida parte de Ushuaia e segue diretamente para a península antártica. Neste caso, os passageiros enfrentam a Drake Passage duas vezes, uma na ida e outra na volta. Muitas vezes, a experiência da ida e tão ruim que alguns passageiros resolvem pagar um pouco mais e retornam da Antártida de avião. Nosso caso foi diferente. Ao invés de embarcarmos em Ushuaia, começamos nossa viagem de Buenos Aires e seguimos diretamente para as Malvinas, Geórgia e Antártida. Em outras palavras, demos a volta na Drake Passage. Mas agora na volta, não tinha remédio: tínhamos mesmo de cruzar bem pelo meio da famosa passagem.
Nosso maravilhoso pôr-do-sol atravessando a temida Drake Passage
Não há navegador no mundo que não conheça esse lugar ou, ao menos, sua má fama. É muito provavelmente o trecho mais perigoso de todos os oceanos da Terra. Uma procura rápida no YouTube vai mostrar diversos vídeos de navios grandes e pequenos sendo castigados por ondas enormes. Tudo dentro dos barcos deve ser amarrado e os passageiros passam um dia inteiro trancados em seus quartos, boa parte deles passando muito mal. Pode parecer ruim, mas para mim era uma das atrações dessa viagem e eu torcia para ter uma verdadeira experiência por aqui, na Drake Passage. A não ser que esteja de ressaca, não costumo passar mal em alto-mar e ansiava para passar por esse “teste”. A coisa mais parecida que já tinha vivenciado tinha sido a travessia de barco entre as duas ilhas que formam a Nova Zelândia, num distante ano de 1998. Bem no dia da nossa travessia (viajava com um primo pelo país, de carro), o mar tinha virado e nenhum barco se atrevia a fazer a travessia. Apenas um, o maior deles, com capacidade para centenas de passageiros e carros, se aventurou. Dois terços dos passageiros passaram mal e por onde andávamos dentro do navio havia gente vomitando. Jamais esquecerei da cena de uma família toda, pais e dois filhos, vomitando juntos. “Família que vomita junto permanece junta”, já diz o velho ditado. Enfim, estava imaginando algo parecido para essa nossa travessia pelo Drake...
Novamente em alto-mar, descansando no salão do Sea Spirit
Tudo tranquilo na ponte de comando do Sea Spirit, já ao final da Drake Passage, chegando à América do Sul
São pouco mais de 800 km entre a Antártida e a Terra do Fogo. É onde se dá o encontro dos dois maiores oceanos da Terra, o Atlântico e o Pacífico. Por aí circula a corrente marinha circumpolar antártica. Esse verdadeiro “rio marinho” tem a força de 600 rios Amazonas. É isso mesmo, SEISCENTAS vezes mais água se movimentando que no rio mais caudaloso do mundo. Não foi sempre assim, claro. Antártida e América do Sul se acomodavam juntas no grande continente austral de Gondwana. Quando ele começou a se partir, há pouco mais de 100 milhões de anos, esses dois continentes se separaram, mas a península antártica sempre esteve muito próxima do sul da América do Sul, separados apenas por um mar raso. Flora e fauna se comunicavam entre os dois vizinhos próximos. Até que, 40 milhões de anos atrás, a geologia do local mudou. A passagem se aprofundou bastante possibilitando que enormes correntes marinhas fluíssem por aí desimpedidas. Era o nascimento da tal corrente gelada circumpolar que praticamente aprisionou o frio polar sobre a Antártida. Até então, esse frio seguia para o norte e de lá retornava com o calor dos trópicos. A Antártida ainda vivia sob um clima subtropical. Mas a criação da Passagem de Drake e da corrente circumpolar selou seu futuro gelado. Situação que segue inalterada até hoje.
Um verdadeiro mar de comandante na nossa travessia da Drake passage, entre a Antártida e a América do Sul
Um verdadeiro mar de comandante na nossa travessia da Drake passage, entre a Antártida e a América do Sul
Talvez por isso que foram precisos outros 300 anos desde que Magalhães descobriu o Oceano Pacífico através do estreito que leva seu nome (entre a Terra do Fogo e o continente americano) para que os navegadores se aventurassem ainda mais ao sul, explorando as águas turbulentas que marcam o encontro do Atlântico com o Pacífico. O primeiro a ir parar lá, levado pelos ventos, foi um dos maiores navegantes de todos os tempos, o pirata-corsário inglês Francis Drake, ainda no séc. XVI. Por isso o nome Drake Passage. Mas ele tratou de sair de lá rapidinho. Exploradores mesmo, só muito mais tarde...
Nossa posição atravessando a Drake Passage, já a meio caminho entre a Antártida e a América do Sul
A cada seis horas, um novo boletim sobre as condições do tempo, mar e ventos
Pois bem, e agora era a nossa vez! Todo mundo com um olho no mar e outro na previsão de tempo. O Sea Spirit recebe previsões atualizadas e detalhadas a cada 6 horas e disponibiliza esses dados, na forma de mapas e gráficos, para os passageiros. Foi quando, para alívio geral e tristeza minha, configurou-se a notícia. Justo o nosso dia de travessia caiu naqueles menos de 5% de dias em que o mar se acalma por lá. Mais do que isso, ele se acalmou de verdade, de um modo que tripulantes que já passaram por ali dezenas de vezes nunca haviam visto.
Nosso maravilhoso pôr-do-sol atravessando a temida Drake Passage
A temível e terrível Drake Passage mais parecia um lago. A Drake Passage virou o Drake Lake. Isso nos deu tempo para curtir a viagem, fazer festas, passear pelo navio, ler livros e jornais, beber e se divertir e até admirar um esplendoroso pôr-do-sol. Mas não posso negar que fiquei meio decepcionado. Ao reclamar com um dos guias dizendo que eu preferiria um mar bravio, ele me lançou um olhar que misturava surpresa, indignação e desprezo e respondeu: “Você não tem ideia do que está falando!”. É... fiquei mesmo sem a ideia da verdadeira Drake Passage. Motivo para voltar?
Aproveitando o conforto e tranquilidade do quarto para ler um livro, no Sea Spirit, a caminho de Ushuaia
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