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Clarissa (24/09)
Nossa, Achei o blog de vocês fantástico. E achei lindo a maneira como ...
Virgilio Pereira Junior (24/09)
Rodrigo, vocês tiveram problema com a partida da Fiona pela manhã?...
mabel (24/09)
Os posts de vocês, além de fotos lindas, nos ensinam muitas coias. Boa...
Jorge Martins (24/09)
Oi viajantes, Como conheci o blog recente, estou vendo as coisas "atrasad...
mabel (24/09)
Como é bom viajar! E tem tanta gente por aí fazendo isso enquanto outro...
Arquitetura de Puerto Natales, no sul do Chile
Acordamos hoje para nossos últimos 11 quilômetros de trilha no Parque Nacional Torres del Paine, no Chile. Só precisávamos retornar ao acampamento Paine Grande, de onde viemos ontem, que é de onde parte o barco que atravessa o lago Pehoe e nos deixa perto da estrada que atravessa o parque. Ou seja, um caminho que já conhecemos e tudo indicava uma calma manhã.
No último dia (em azul), caminhamos 11km do refúgio Grey para o Paine Grande, atravessamos o lago Pehoe de barco e fomos de van até a hosteria Las Torres, onde estava a Fiona
Depois de 80 kms de trilhas, sono merecido no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Pois é, mas não foi bem assim. Para começar, choveu muito durante a noite e guardar uma barraca molhada (do lado de fora) não é fácil. Tinha gente em situação muito pior do que nós, com a barraca e equipamentos encharcados por dentro! Mas esse não era nosso maior problema. O ponto é que o barco que queríamos tomar só tem dois horários por dia, um no final da manhã e o outro no final da tarde. Então, nossa manhã tranquila acabou se tornando uma verdadeira corrida, pois não queríamos esperar até o final do dia. Então, literalmente corremos pela trilha para tentar alcançar o barco da manhã.
Fila para tomar o barco que faz a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Fila para tomar o barco que faz a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Apesar de esbaforidos, chegamos a tempo. A tempo de entrarmos na enorme fila de mochileiros esperando o barco. Aí, a tensão foi a da torcida de cabermos na pequena embarcação. A cabine lotou e eles foram nos empilhando no teto do barco. Ao final, para nossa felicidade e alívio, entramos. Mas quem estava no final da fila não entrou, o que nos fez ter certeza que aquela corrida tinha valido a pena!
Fazendo a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Frio e vento no teto do barco que faz a travessia do lago Pehoe, no parque Torres del Paine, no sul do Chile
Aí, foram uns 30 minutos passando frio no teto do barco, um vento gelado de não dar trégua. Mas chegamos vivos ao outro lado, um pequeno porto perto do Salto Grande que visitamos no nosso primeiro dia no parque. Aí, várias vans nos esperavam, a maioria de agências, mas umas poucas públicas também. Encontramos aquela que fazia a linha até a Hosteria Las Torres e embarcamos mais uma vez. Pelo menos agora estávamos protegidos do vento. Outra meia hora de condução e chegamos. Agora, só faltava mais um quilômetro de corrida para chegar ao local onde tínhamos deixado estacionada a Fiona. Um último esforço recompensado pela visão da nossa fiel companheira. Sem deixar o pique cair, trocamos de roupa e iniciamos nossa viagem rumo ao sul. Destino: Puerto Natales.
Mesmo com o vidro da frente cada vez mais partido, consequência da pedrada que levamos há uns 10 dias na ruta 40, na Argentina, a viagem foi bem tranquila. Foram 150 kms até a cidade de 20 mil habitantes na orla do fiorde Última Esperanza. Esse nome foi dado pelo navegante espanhol Juan Ladrilleros em 1557. Ele buscava desesperadamente a entrada ocidental do Estreito de Magalhães e, após várias tentativas, esse fiorde era sua última esperança. Para sua decepção, o Última Esperanza não era mesmo a passagem, mas apenas mais um dos intrincados fiordes que existem nessa região.
A rachadura no vidro da Fiona só está aumentando dsde a pedrada na ruta 40, saída de Trevelin, na Argentina
Chegando a Puerto Natales, no sul do Chile
Foi preciso esperar outros 300 anos para que os europeus reaparecessem nas águas do fiorde. Dessa vez, era o famoso barco Beagle, capitaneado por Fitz Roy e tendo como um dos cientistas a bordo o inglês Charles Darwin. Poucas décadas mais tarde, em 1878, quem também passou por aqui foi a primeira turista da patagônia, a escritora e feminista inglesa Lady Florence Dixie. E foi só com o séc. XX já começado, em 1911, que a cidade de Puerto Natales foi finalmente inaugurada. Um porto para a nascente indústria de lã de carneiro.
Paisagem plana, típica da patagônia, ao redor de Puerto Natales, no sul do Chile
Chegando a Puerto Natales, no sul do Chile. Nosso recorde de latitude sul só vai aumentando...
A ocupação inicial da região foi por alemães, ingleses e croatas. Só mais tarde vieram os chilenos do norte. As fazendas de criação de ovelhas e a indústria da lã prosperaram por boa parte do século, mas com sua decadência nas últimas décadas, foi o turismo que se tornou a principal força motriz da região. Puerto Natales é a principal base para quem vem de longe explorar o mundialmente famoso parque de Torres del Paine.
Placa de distâncias em Puerto Natales, no sul do Chile, mostra uma misteriosa Baden Baden, no Brasil
A Fiona se abasteceu em um posto Petrobras em Puerto Natales, no sul do Chile
A cidade é muito simpática, ruas largas, arquitetura interessante e sem prédios. Há muitas pousadas e restaurantes para atender os milhares de viajantes que aqui chegam buscando o parque mais ao norte. Uma boa parte deles chega de barco, o famoso ferry que, num percurso de 3 dias, viaja de Puerto Montt até aqui cruzando as belezas dos fiordes chilenos. Dependendo da estação ou do nível da cabine que se queira pagar, o preço dessa viagem varia de 200 a 2 mil dólares e assim que o barco chega a cidade se enche de vida. Para nós que chegamos em um feriado de natal e sem barco por perto, Puerto Natales estava uma tranquilidade só.
Arte nas ruas de Puerto Natales, no sul do Chile
Mas isso não nos impediu de achar um restaurante bem joia para almoçarmos deliciosamente. Almoço de natal em Natales, faz todo o sentido! Restaurante até com internet e conseguimos falar com nossas famílias via Skype. Perfeito! Viva o milagre da internet.
A mão enterrada, em Puerto Natales, no sul do Chile
Escultura de mão enterrada em Puerto Natales, no sul do Chile
Depois do almoço, caminhamos um pouco pelas ruas e orla da cidade. Tudo muito arrumadinho e tranquilo. Todo mundo celebrando em suas casas, vimos mais patos do que pessoas, as aves muito bem adaptadas às aguas geladas do Última Esperanza. Ali na orla também, uma escultura de uma gigantesca mão enterrada no solo, apenas os dedos aparecendo. Bem no estilo daquela que existe em Punta del Este, no Uruguay (onde ainda não estivemos, mas que está nos planos!).
Pequena e gelada praia em Puerto Natales, no sul do Chile
Patos parecem se dar bem com a água gelada da praia em Puerto Natales, no sul do Chile
Por fim, hora de partir. Ainda queremos chegar hoje em Punta Arenas, a grande metrópole aqui do sul, a cidade mais austral de terras continentais em todo o mundo. Na saída da cidade, placas indicavam direção e distância das atrações turísticas da região. Além do Torres del Paine, uma caverna, a Cueva del Milodón. Fica a uns 20 kms daqui, sentido norte. Na verdade, quando estávamos chegando, até vimos a entrada para a caverna, mas não animamos ir até lá, pela fome, pressa e cansaço que estávamos. Só ficamos curiosos. Depois, a internet, novamente a santa internet, nos ensinou do que se tratava...
A orla do fiorde que banha Puerto Natales, no sul do Chile
A rota do fim do mundo, de Puerto Natales a Punta Arenas, no sul do Chile
Em 1895, o alemão Hermann Eberhard explorava as terras que acabava de adquirir no sul do Chile. Foi ele que descobriu uma caverna ampla, com mais de 200 metros de profundidade, 80 metros de frente e 30 metros de altura. Mas a maior surpresa foi o que ele encontrou dentro da caverna: a pele, ossos e outros restos de um gigantesco animal que depois veio a ser identificado como o Milodón, uma preguiça gigante. Ele já era conhecido da ciência naquela época e imaginava-se que estivesse extinto há muito tempo. O problema é que aquela pele ainda cheia de pelos encontrada por Hermann estava muito bem conservada, quase fresca. Parecia que o animal havia morrido ali há muito pouco tempo!
Atrações turísticas na região de Puerto Natales, no sul do Chile. Nós perdemos a Cueva del Milodón...
Apesar de seus dois metros de altura e 200 kg, a Milodón não era uma das maiores espécies de preguiças gigantes
A notícia logo correu pelo mundo, muita especulação sobre a possibilidade de o Milodón ainda sobreviver nos confins perdidos da patagônia. Expedições científicas foram organizadas com o intuito de encontrar algum exemplar ainda vivo. Por muitos meses, jornais como o inglês The Sun relatavam essas expedições e alimentavam o imaginário mundial naquele final de século onde a ciência era cada vez mais importante. Infelizmente, testes feitos na pele encontrada indicaram que ela teria 10 mil anos de idade. A boa conservação devia-se ao clima frio e seco da caverna. O Milodón estava sim, extinto, muito provavelmente por ação da caça dos primeiros paleoíndios a chegar à região.
Estátua em tamanho natural de um Milodón, na entrada da Cueva del Milodón, perto de Puerto Natales, no sul do Chile (foto de Claudio Fierro)
A caverna está aberta à visitação. Aí também foram encontrados restos de antigos cavalos, camelos, onças e até tigres dente-de-sabre. E de humanos também. Aparentemente, os antigos cavalos, bem menores que os atuais, eram sua refeição predileta. Já o Milodón, com 2 metros de altura e 200 kg de peso (e olha que, na família das preguiças gigantes, ele era apenas de porte mediano), que por milhares de anos soube muito bem se defender de predadores graças ao seu tamanho, garras e placas ósseas sob a pele espessa, deveria ser um prato especial, algo assim como um banquete ou ceia de natal. Como disse, ainda não foi dessa vez que o reencontramos vivo, infelizmente. Mas para quem quiser ver uma cópia em tamanho natural, basta ir visitar essa caverna. A gente não foi, mas a internet nos contou a história.
Felizes depois do almoço de natal em restaurante de Puerto Nateles com direito a ligação de Skype para a família no Brasil. Viva o milagre da internet!
Céu maravilhoso no caminho para a missão San Francisco Xavier, região de Loreto, na Baja California - México
Loreto é uma cidadezinha bem simpática, na costa do Mar de Cortez. Já foi a mais importante cidade “das californias”, incluindo aí a americana (que também era mexicana antes), mas para a sua sorte, não se desenvolveu muito. Além de um pequeno centro histórico, suas maiores atrações estão nas suas cercanias. A praia da cidade é de pedra, mas bem perto está uma ilha paradisíaca para onde barcos levam turistas continuamente, para passar o dia. Água limpa, praia de areias claras e até leões-marinhos.
Pinturas rupestres a caminho da missão de San Francisco Xavier, região de Loreto, na Baja California - México
Como já tínhamos feito programa parecido na ilha Espíritu Santo, em La Paz, resolvemos priorizar a outra grande atração da região, a antiga missão jesuítica de San Francisco Xavier. Os jesuítas foram os primeiros europeus a chegar na Baja California com o intuito de ficar. Vieram no finalzinho do séc. XVII, com o digno e firme propósito de trazer a salvação aos indígenas. Inadvertidamente, foi exatamente ao contrário. Trouxeram morte e destruição sob a forma de doenças europeias, contra as quais os índios não tinham nenhuma defesa.
Pequeno oásis no deserto entre Loreto e a missão San Francisco Xavier, na Baja California - México
Mas, antes disso, espalharam suas missões de catequização por todo o território. Muitas estão em lugares belíssimos, igrejas de pedra e arquitetura duradoura cercadas de desertos e montanhas. Com o flagelo das doenças, as missões acabaram abandonadas por falta de fiéis e são o testemunho de uma época que se perdeu no tempo. De poucas décadas para cá, foram redescobertas para o turismo, por sua beleza encantadora e pela história que contam.
Riacho forma pequeno oásis no deserto entre Loreto e a missão San Francisco Xavier, na Baja California - México
A mais bela dessas missões é a de San Francisco Xavier, a quarenta minutos de carro de Loreto. Isso porque a estrada agora está em boa parte asfaltada. Antes, dizem, era um suplício chegar até lá. Hoje, ao contrário, uma vez ao ano o local é sede da maior festa da península. Por isso, todos os californianos tem por ela um carinho especial.
Terreno desértico a caminho da missão San Francisco Xavier, região de Loreto, na Baja California - México
Tão bonito como a própria missão, é o caminho para se chegar lá, cruzando um deserto montanhoso e cheio de desfiladeiros. Na metade do caminho, há uma gruta com pinturas rupestres de milhares de anos. As pinturas não são grande coisa, mas o oásis ao seu lado é, com certeza! Um riacho de águas verdes corre por um canyon e a pouca água é o suficiente para sustentar um verdadeiro jardim de palmeiras e outras plantas.
Mirante na estrada entre Loreto e a missão San Francisco Xavier, na Baja California - México
Passamos por aí um bom tempo, explorando o canyon e o riacho, imaginando como era por ali no tempo das pinturas. Procuramos também as cascavéis e escorpiões tão comuns por aqui (pelo menos no nosso imaginário!), mas apesar de parecer que eles estariam atrás de cada pedra que víamos, nenhum apareceu.
San Francisco Xavier, a mais bela missão da Baja California, no México (região de Loreto)
Um pouco adiante, já no alto da montanha, uma pequena igreja estrategicamente colocada num local maravilhoso, incrível vista do deserto, das montanhas avermelhadas e do Mar de Cortez, lá embaixo, ao longe. Os cenários mais belos da Baja California que já tínhamos visto até então.
A bela missão San Francisco Xavier, próxima à Loreto, na Baja California - México
Seguimos em frente, o asfalto acabou e a Fiona foi fazendo poeira para os outros poucos carros que encontrávamos na estrada. Enfim, chegamos ao pequeno Pueblo que se desenvolveu ao redor da magnífica igreja jesuítica. Aliás, mais bonita que a igreja é a paisagem ao seu redor. E mais bonito ainda é a combinação de tudo, aquela igreja de pedra em meio à paisagem montanhosa.
Visitando a missão San Francisco Xavier, próxima à Loreto, na Baja California - México
Estávamos ali tentando os melhores ângulos para fotografar aquela maravilha quando, eis que ouço português alto e claro (e bem gaúcho!) ao meu lado. Era a Sandra, conversando com a mato-grossense quase baiana Ane e com sua colega mexicana Tania. Completava o grupo outro mexicano, o Armando. Elas ficaram felicíssimas de nos encontrar por lá. Moram aqui em Loreto já há algum tempo e creio que fomos os segundos brasileiros que elas veem por essas bandas!
Encontro com as brasileiras Ane e Sandra e a mexicana Tania na missão San Francisco Xavier, próxima à Loreto, na Baja California - México
Fomos passear e fotografar mais um pouco e os reencontramos no restaurante do Pueblo, para almoçar. Aí, contamos nossas respectivas histórias, a empatia foi crescendo e a Sandra e a Tania nos convidaram para tomar um vinho na casa delas, ali do lado de Loreto. Como vamos viajar amanhã cedo, o vinho teria de ser hoje e assim foi combinado.
A belissima missão jesuíta de San Francisco Xavier, próxima à Loreto, na Baja California - México
Fomos seguindo eles no caminho de volta, com direito à novas paradas nos locais estratégicos para fotos. Depois, seguimos com eles até a casa delas, para aprender o caminho, e eu e a Ana seguimos em frente alguns quilômetros mais para conhecer a região. É a mesma estrada que passamos ontem, chegando em Loreto. Mas já estava escuro e tínhamos perdido a chance de ver e fotografar essa região belíssima. Então, voltamos hoje, com mais calma e mais luz, máquina em punho. O Mar de Cortez forma baías e praias num litoral recortado e muito bonito. A tal ilha paradisíaca está bem em frente, com suas praias de areia, porque as praias do lado de cá são todas de pedra mesmo.
Montanhas desérticas e o Mar de Cortez ao fundo, região de Loreto, na Baja California - México
Mirante próximo à Loreto, na estrada para a missão San Francisco Xavier, na Baja California - México
Já escuro retornamos à casa da Sandra e da Tania, onde fomos recebidos com um belo vinho. A conversa foi se estendendo, assim como as garrafas de vinho. Tudo isso no friozinho do jardim delas, ao lado de uma lareira externa e tendo um céu extremamente estrelado como teto. Uma delícia! A companhia, o ambiente, a conversa e o vinho!
Costa acidentada do Mar de Cortez, próximo à Loreto, na Baja California - México
A empolgação foi tanta que só chegamos ao nosso hotel depois da uma da manhã. Mas valeu muito a pena! Afinal, não é todo dia que começamos cruzando um deserto com pinturas rupestres e oásis, passamos por uma missão jesuítica centenária e cinematográfica, encontramos conterrâneos num lugar perdido do mundo e terminamos tomando vinho apreciando o inesquecível céu do deserto!. Viva a Baja California!
Praia próxima à Loreto, na Baja California - México
O movimentado show do DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Estou ficando velho. Música eletrônica não é da minha época. Acho que começou a aparecer nos últimos anos de faculdade, quando já não tinha muito tempo para baladas. Depois, o tempo foi passando, a moda veio chegando, nomes se consagrando, grandes festivais, as famosas raves, mas nunca participei do movimento.
Chegando à Foundation para assistir o show do DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Mas, quis o destino, casei-me com alguém que sempre gostou da bendita música eletrônica. A convivência com a Ana começou a me fazer aturar esse novo tipo de “arte”. Depois, com o tempo, até comecei a gostar um pouco também, mas sem entender patavínia. Os grandes nomes desse tipo de música, para mim, são como os nomes da nova geração de atores da Globo ou essas modelos que aparecem todos os dias na capa do UOL ou do Terra: nunca vi mais gordos. Talvez por isso, nem me importei quando a Ana, há poucos dias, exclamou entusiasmada: “O Paul van Dyke vai tocar aqui em Seattle!!!”
Fantasias de Halloween na noite do show do DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Diante da minha reação pouco entusiasmada, ela pacientemente explicou. É um dos maiores DJs da história. Nascido e crescido na antiga Alemanha Oriental, só conseguia ouvir música pirateada por baixo do Muro de Berlin. O muro caiu e van Dike foi um dos precursores dessa nova arte, ganhador de inúmeros prêmios e cultuado mundo afora!
Fantasias de Halloween na noite do show do DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Bom, diante disso, tratamos de refazer nossa agenda. Saímos de Seattle para uma volta pelos parques nacionais próximos e voltamos a tempo de assistir o show na noite de hoje, 31, em pleno Halloween. Com direito a voltar ao “nosso” Hyatt pelo mesmo ótimo preço conseguido pelo PriceLine, menos da metade do preço de balcão. E ainda tivemos a sorte de, ao retornar à cidade, reencontrar nossos amigos colombianos, que rodam a América na Lunita, a simpática Kombi verde.
Reencontro com nossos amigos Kombianos em jantar no restaurante giratório da Space Needle, em Seattle, no estado de Washington, nos Estados Unidos
Jantamos todos no restaurante giratório da Space Needle, com direito a vinho e uma vista fantástica das luzes da cidade. Depois, novas despedidas (acho que já é a quarta vez!) e um até breve nesse pequeno continente que ambas as expedições exploram incansavelmente.
Prontos para o show do DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Dali para o hotel e de lá, após nos “esquentarmos” no delicioso rum de Barbados que tem viajado bastante conosco, de van para a boate onde ocorreria o show. Foi ali que percebemos que estaria todo mundo fantasiado. De bruxas, vampiras, motoqueiros, monstros, jogadores e o que for. Afinal, era noite de Halloween!
O movimentado show do DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Depois de 10 minutos na fila nos divertido com as fantasias, na nossa vez de entrar, fomos barrados. Ali, só com passaporte, nada de carteiras de motorista ou cédulas de identidade. Não tem problema! Ligamos para o hotel, eles vem nos buscar, pegamos nosso passaporte, a Ana improvisa um disfarce também e nós finalizamos o Mount Gay (o já saudoso rum de Barbados). Voltamos para o show mais prontos do que nunca.
DJ Paul van Dyke em ação, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Agora, o simpático porteiro nos passa na frente da fila e logo nos divertimos lá dentro. A música não demora a começar e, perto da meia-noite, aparece o alemão em grande estilo. Para minha agradável surpresa, ele parece uma pessoa normal. Nada de estrelismos ou esquisitices. Melhor ainda, faz uma música de excelente qualidade!
Mulheres fantasiadas de 5o Elemento animam o show do DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
A Ana me dizia: “Tá vendo? Isso é música eletrônica de verdade! É bom ou não é?”. Não tinha como negar, era muito boa mesmo. E assim continuou pelas próximas duas horas ininterruptas. Muita música, muitas luzes, muita gente feliz. No alto da boate, para animar ainda mais a noite, uma punhado de mulheres cheias de saúde, fantasiadas de 5º elemento, pouca roupa e muita pele, dançavam sem parar. Na pista, vampiras e anjas disputavam um bruxo enquanto um motoqueiro flertava com a diaba.
Show do famoso DJ Paul van Dyke, em Seattle, estado de Washington, nos Estados Unidos
Pena que, como tudo nesse país, regras são regras. Duas da manhã e fim de show. A galera pediu bis. O simpático alemão voltou e queria tocar. Percebe-se logo que faz aquilo por amor e não só por dinheiro ou profissionalismo. Mas os donos da casa não deixaram. Luzes acesas, hora de voltar, sem choradeiras. Não demorou muito e nossa van já vinha nos buscar. A música eletrônica, pelo menos no padrão Paul van Dike, ganhou mais um fã...
Chegando às ruínas de Tongariki, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Os quinze Moais perfilados que compõe o Ahu Tongariki, costas para o cintilante mar azul e frente para o amplo vale entre o Rano Raraku e as encostas do vulcão Puakatike são uma das visões mais cinematográficas da Ilha de Pascoa. É a cena que mais dá força ao imaginário que fazemos de Rapa Nui, com suas gigantescas e misteriosas estátuas de pedra, um mundo perdido em meio ao Oceano Pacífico.
O litoral sul de Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Os magníficos Moais de Tongariki, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Mas, na verdade, essa é uma cena nova. Todos os Moais de Rapa Nui estavam destruídos ou derrubados até o final da década de 50, quando passaram a ser restaurados e levantados novamente. Foi o que aconteceu com os Moais de Ahu Tongariki. Derrubados em meados do séc. XVIII, seus restos descansavam na baía onde se encontram hoje, como que dormindo de bruços. Foi quando um tsunami causado por um terremoto varreu a baía, desorganizando todas as ruínas do local, os Moais, seus pukaos e até o enorme ahu onde repousavam. E foi assim, nesse verdadeiro caos de pedras que o local permaneceu pelas próximas três décadas.
Tongariki, um dos mais emblemáticos sítios arqueológicos de Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Tongariki, um dos mais emblemáticos sítios arqueológicos de Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Então, na década de 90, o governo japonês presenteou o Chile e a Ilha de Páscoa com um presente. Com a ajuda de antigos moradores que se lembravam da baía antes do tsunami, eles restauraram todo o cenário. Não como era na década de 50, mas como deveria ter sido há três séculos! A única falha foi na restauração dos pukaos, que não mais se encaixaram sobre seus Moais, exceto por um deles. De qualquer maneira, o resultado foi impressionante e esse conjunto de Moais é o mais belo da ilha. Como sinal de agradecimento, o Chile permitiu que os japoneses levassem para seu país um dos Moais, o décimo-sexto a ser restaurado e o único a já ter saído da ilha. Ficou exposto no Japão por algum tempo e regressou para seu local de origem. Ele fica só, ali na mesma baía, o chamado “Moai viajante”.
Visitando as ruínas de Tongariki, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Os magníficos Moais de Tongariki, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Nós descemos até essa baía e ficamos ali, encantados, tirando fotos e admirando a paisagem. Ao mesmo tempo, conversava com o Patricio sobre o que teria acontecido na ilha para que os Moais tivessem sido derrubados e a fábrica parasse, tão de repente, sua produção de estátuas gigantes. Essa é uma matéria controversa, baseada nos relatos de europeus que estiveram na ilha no séc. XVIII e na tradição oral dos seus habitantes, onde lendas se misturam com história. Claro que também há uma pesquisa arqueológica, antropológica e, hoje em dia, até genética com os habitantes. Mas, como disse, a resolução do mistério desse evento e até das origens da população de Páscoa continua em discussão.
Os Moais de Tongariki, destruídos por um tsunami em 1960 e restaurados por arqueólogos japoneses na década de 90, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
O primeiro estudioso do assunto foi o norueguês Thor Heyerdahl, famoso por atravessar o Oceano Pacífico em um barco rústico que ele mesmo fez, para ajudar a comprovar sua tese de que os antigos polinésios poderiam ter atravessado aquele oceano 1.000 anos antes. Thor esteve na Ilha de Páscoa em 1956 e foi o primeiro estudioso a reerguer um Moai. Depois de muitos estudos e entrevistas com habitantes de Rapa Nui, ele lançou a tese de que a ilha foi ocupada por dois povos de origens distintas, um vindo da Polinésia (os “orelhas curtas”) e outro da América do Sul (os orelhas-longas) . Os orelhas-longas teriam escravizado os orelhas-curtas e eram eles o povo dos Moais. Os orelhas-curtas teriam se revoltado em meados do séc XVIII, matado todos os orelhas-longas e derrubado seus Moais. A história desses dois povos e dessa guerra é amplamente amparada pelas lendas rapa nuis, exceto pela origem sul-americana dos orelhas-longas.
Os Moais de Tongariki, destruídos por um tsunami em 1960 e restaurados por arqueólogos japoneses na década de 90, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Teorias mais modernas dizem que os dois povos são de origem polinésia e que teriam chegado à ilha em ondas distintas de migração ou que chegaram juntos, uns já escravos dos outros. Seriam, provavelmente, o mesmo povo, mas de duas castas distintas. A casta dominante seria mais ornamentada, usando longos brincos nas orelhas (daí, o termo “orelhas-longas”).
Os Moais de Tongariki, destruídos por um tsunami em 1960 e restaurados por arqueólogos japoneses na década de 90, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
O fato concreto é que quando os holandeses chegaram à Rapa Nui no domingo de Páscoa de 1722, os Moais ainda estavam de pé e eles viram dois povos coexistindo na ilha. Quando James Cook aportou na ilha, meio século mais tarde, boa parte dos Moais estava derrubada e ele só distinguiu um povo na ilha. O que aconteceu nesse intervalo? O mais provável é que a superpopulação da ilha tenha levado a um esgotamento dos recursos naturais (fim da floresta), elevando a tensão pela sobrevivência entre as duas castas que antes coexistiam pacificamente. A casta que adorava os Moais foi aniquilada (ou seus poucos sobreviventes foram “absorvidos” pela outra casta) e a religião que passou a vigorar foi a do homem-pássaro (ainda vou falar dela em outro post). Enfim, até hoje, são apenas especulações e talvez nunca tenhamos certeza do que ocorreu na ilha. Digno de nota é a existência de um Moai completamente diverso dos outros, aos pés do Rano Raraku. Ele olha para a própria montanha e tem um tipo físico diferente. Teria sido feito pelos orelhas-curtas, após sua vitória na guerra, a última estátua de pedra da ilha, talvez para celebrar sua vitória. Outro mistério da Ilha de Páscoa
Um estilo diferente de Moai, em Rano Raraku, um dos vulcões de Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Voltando ao nosso tour, fomos ver antigas pictografias deixadas na rocha pelos moradores de então. São peixes, tubarões, tartarugas e feições humanas marcadas na pedra, mostrando que nem só de Moais viviam os artistas daquela época. Imagens como estas podem ser encontradas em várias partes da ilha, mas algumas das mais claras estão aqui, ao lado de Ahu Tongariki. O que se encontrou também, mas em outras partes da ilha, são grifos que representariam uma espécie de escrita. Infelizmente, nunca foram decifradas e imagina-se que descrevam calendários e genealogia de famílias poderosas. Enfim, poderiam também ser a chave para a solução de vários dos mistérios da ilha. Mas por enquanto, essa chave é, também ela, mais um mistério.
Na área de Tongariki, petroglifos da antiga civilização de Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
O belo litoral norte de Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Depois, deixamos para trás o litoral sul da ilha e fomos para a costa norte, onde encontramos o maior dos Moais, com mais de 10 metros e 80 toneladas! Este ainda está derrubado, mas não estava quando o navegador francês la Perouse chegou a ilha, em 1782, na baía que hoje leva o seu nome. Ali, o que chama a atenção, além do gigantesco Moai derrubado, é a pedra conhecia como Te Pitu Kuras. Ela é uma pedra magnética de formato ovalado. Qualquer bússola que se aproxima da pedra perde o sentido e é até mesmo possível sentir os dedos formigando quando tocamos essa rocha. Diz a lenda que ela foi trazida por Hoto Matu, o rei que teria liderado a migração para Rapa Nui. Quando os franceses de La Perouse estiveram aqui, a pedra estava em lugar especial, próximo ao Moai gigante que ainda estava de pé. Em algum momento do futuro, europeus tentaram levar a pedra magnética embora, mas ela é tão pesada que foi abandonada ali, na areia, quase no mar. Hoje, é mais uma atração que faz a alegria dos turistas. Outro mistério para a lista...
Pedra magnetizada (um antigo meteorito) no litoral norte de Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
A bela praia de Anakena, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Por fim, daí seguimos para a última atração do dia, a única praia verdadeira de Rapa Nui, chamada Ana Kena. Aí está o Moai que foi levantado por Thor Heyerdahl e outros que foram levantados depois; Moais entre coqueiros e palmeiras, com uma praia paradisíaca ao fundo, imagina o número de fotografias que são tiradas por lá, diariamente. As nossas foram apenas uma parte infinitesimal delas! Já era final da tarde e não nos animamos a entrar na água, mas juramos que vamos voltar ali, para aproveitar melhor.
Moais na praia de Anakena, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
O primeiro Moai a ser recolocado de pé, na década de 50, na praia de Anakena, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
De volta para casa, despedimo-nos do Patricio e fomos comprar uma garrafa de vinho. Afinal, tínhamos de celebrar. Não apenas pelo dia incrível de descobertas que tivemos hoje, mas também porque hoje é meu aniversário. Meu último aniversário durante essa viagem dos 1000dias. E escolhemos muito bem onde celebrá-lo: em Rapa Nui, uma ilha mágica no meio do Pacífico!
Caminhando na praia de Anakena, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Caminhando na praia de Anakena, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Chegamos a tempo de ver o pôr-do-sol no mesmo lugar que ontem, o Ahu Tahai, o conjunto de Moais próximo a Hanga Roa. Ali, já sob a luz das estrelas, saboreamos o vinho, gole a gole, nos deliciando com toda a magia que nos cercava. Até tentei me comunicar com os antigos espíritos da ilha, para que me dessem a resposta de tantos mistérios. E eles responderam! Disseram que são exatamente esses mistérios que fazem o charme da ilha e que assim deve continuar. E que eu bebesse meu vinho tranquilamente e curtisse meu aniversário. Afinal, não é todo dia que se pode comemorar um aniversário entre Moais, no meio do Oceano Pacífico, sob um céu estrelado e ouvindo as ondas do mar. É isso mesmo, eles estão certíssimos! Amém!
Visitando as ruínas de Tongariki, em Rapa Nui (ou Ilha de Páscoa), território chileno no meio do Oceano Pacífico
Um dos mirantes no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Se ontem só começamos nosso programa no parque às duas da tarde, já que tivemos de dirigir 300 km para chegar lá, hoje já estávamos cedinho na entrada do Talampaya. Isto mesmo, mudamos de parque, do Ischigualasto para o Talampaya, mas os dois são vizinhos e protegem uma área contígua.
Mapa do Parque Nacional Talampaya, na Argentina. Nós fizemos todos esses circuitos a pé.
Com o nosso grupo, início da caminhada no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Os dois parques foram criados mais ou menos na mesma época, meados da década de 70, com o objetivo de proteger um dos principais sítios de fósseis do mundo, além da natureza belíssima. Inicialmente, ambos eram parques provinciais, mas no final da década de 90 Talampaya passou à administração federal. A linha que divide os dois parques é a mesma que divide as províncias de San Juan e La Rioja, mas mesmo estando assim, separados, juntos foram elevados a Patrimônio Natural Mundial pela UNESCO, em 2000.
Com o nosso grupo, início da caminhada no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Aproveitando a sombra para uma pausa na caminhada através do árido Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Um aspecto importante que diferencia os dois parques é a maneira de visitação. Enquanto em Ischigualasto entramos em caravana de carros no parque e assim percorremos o circuito turístico lá dentro, as opções em Talampaya são mais variadas. Aqui, também podemos fazer um circuito de carro, mas tem de ser num veículo do próprio parque. Outra opção é fazer um percurso de bicicleta, o que nos dá um contato mais próximo com a natureza da região. Por fim, há um circuito que pode ser percorrido a pé, cerca de 13 km passando por lugares inacessíveis para quem opta pelo carro ou pela bicicleta.
Entrando em um dos canyons do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Entrando em um dos canyons do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Tudo isso aprendemos ali na portaria mesmo, pouco depois das 8 da manhã. Já havia uns cinquenta turistas esperando pela abertura dos portões, o que até nos assustou um pouco. Muita gente trazida de ônibus por agências de turismo de San Juan ou da capital de La Rioja. Só ficamos mais tranquilos quando descobrimos que a grande maioria optou pelo passeio no caminhão com ar condicionado. Sobrou um pequeno grupo que acabou se dividindo entre a bicicleta e a caminhada. Depois de conversar com um guia local, optamos pela segunda opção, pé no chão mesmo, o que percebemos ter sido uma opção acertadíssima ao final do dia.
Admirando os rochedos durante nossa caminhada no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Admirando os rochedos do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Para aqueles que optaram pela caminhada, nós e mais seis pessoas, pudemos entrar no parque com o nosso carro, ao menos pelos primeiros 13 km de estrada de terra, cortando uma árida planície. Já bem perto de um enorme rochedo, o tal do Talampaya, aí deixamos o carro numa base avançada do parque e começamos a caminhar, guiados pelo animado e inteligente Sergio. Junto conosco, apenas argentinos, uma turma de La Plata e outra de Quilmes, todos interessadíssimos em natureza e cheios de energia para gastar.
Nosso guia nos fotografa no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Nosso guia nos mostra e explica sobre inscrições rupestres no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
O Sergio resolveu nos levar para fazer um circuito grande, entrando pela Quebrada Don Eduardo, nome que homenageia um antigo morador, e voltando pelo monumental Canyon Talampaya, delineado por gigantescas paredes avermelhadas com mais de 100 metros de altura. Um circuito com pouco mais de 13 km para fazermos em 6 horas de passeio, com tempo bastante para as explicações do Sergio, para as fotos, as paradas estratégicas nos lugares sombreados e para um lanche em um mirante. No caminho, muita geologia, vida selvagem e inscrições rupestres.
Caminhando no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Pequeno descanso durante caminhada no incrível Parque Nacional Talampaya, na Argentina
O único trecho mais difícil, justamente pelo calor, é caminharmos do local onde deixamos os carros até a encosta do rochedo e do canyon. A partir daí, vamos sempre na sombra e o visual que nos cerca é tão magnífico que ninguém pensa em cansaço. Mais cansativo ainda deve ter sido pelo pessoal da bicicleta, que passou por nós nesse trecho. O solo é formado por areia solta e deu para ver que eles estavam fazendo força!
Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Paisagem rochosa e avermelhada do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Depois de descansarmos um pouco na sombra de uma frondosa árvore no início da Quebrada Don Eduardo, o Sergio passou a nos conduzir por trilhas estreitas em pequenos canyons e gargantas rochosas. Era aí que morava o Don Eduardo que se recusou a sair daí mesmo quando a área passou a ser protegida, tornando-se folclórico na região. Completamente isolado do mundo moderno, não deveria ser fácil sobreviver por ali. Até os filhos se foram, mas lar é lar!
Pequenos cactus no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Encontro com o Ñandú, equivalente à nossa ema, no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Muito antes de Don Eduardo, quem também viveu por ali foram os primeiros americanos, há milhares de anos. O clima deveria ser um pouco mais úmido, como atesta a erosão feita por rios e riachos bem mais caudalosos que os atuais. Esses povos deixaram suas marcas e sua arte inscrita nas rochas, o que o Sergio foi nos mostrando ao longo do caminho. Se os fósseis tão mais comuns em Ischigualasto, as marcas da antiga ocupação humana são bem mais comuns por aqui. Provavelmente pela proteção natural que os próprios rochedos e canyons forneciam.
Maras, um grande roedor que vive no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Encontro com guanacos durante caminhada no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Quem dividia este ambiente com esses antigos moradores era a mesma fauna que ainda observamos hoje. No ar se destacam os pássaros grandes, como condores e águias. Na terra, além de pequenos lagartos, vimos também raposas (os “zorros” aqui na Argentina), guanacos (primos das lhamas e vicunhas), maras (um grande roedor) e ñandús (que são as nossas emas). Não parecem ter muito medo de nós, humanos, já que faz tempo que a caça é proibida. Mas não deveria ser assim a uns poucos milhares de anos, quando todos esses animais faziam parte da dieta dos nossos antepassados.
O grupo sobe para um dos mirantes do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Os enormes paredões avermelhados do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Nós, depois de mais de uma hora seguindo por pequenos canyons bem estreitos e pitorescos, chegamos ao mirante onde fizemos nosso lanche, visão bem ampla dos vales abaixo para nos embalar. Ficamos só imaginado aquela paisagem toda quando havia mais água por aqui. O próprio caminho que percorremos, hoje completamente seco, deve ter sido cavado por uma água em fúria. Se bem que o Sergio nos disse que, embora quase nunca chova por aqui, quando chove, é muito intenso. Aí, por algumas poucas horas, riachos, corredeiras e cachoeiras ressuscitam, uma lembrança rápida de antigos tempos gloriosos.
Pausa para fotos e lanche do nosso grupo no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Um dos vales do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Depois do lanche, descemos para o outro lado do vale e começamos a voltar pelo imponente Canyon de Talampaya. O que havia de estreito na Quebrada Don Eduardo, havia de amplidão nesse canyon delimitado por paredes altíssimas. Até cruzamos um pequeno riacho por aí e brincamos muito com o eco das nossas vozes. As paredes reverberavam nossos gritos ainda mais altos do que o original! Incrível!
Curtindo a beleza do cenário do Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Um dos mirantes no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Aí também encontramos muito da fauna que vimos nesse passeio e também o caminhão que faz o tour com os turistas. Passam lá longe, eles descem, tiram umas fotos e seguem em frente. Foi quando tivemos certeza que a nossa opção pela caminhada tinha sido muito melhor, poder caminhar até as imensas paredes, olhar para cima e ter consciência da nossa insignificância na paisagem. É sempre bom nos colocar em perspectiva, hehehe!
Entrando em um vale seco cercado por gigantescas paredes no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Encontro com um raro riacho no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Quando finalmente saímos desse canyon e voltamos ao vale onde havíamos começado nossa caminhada, muitas horas mais cedo, aí era o lugar conhecido como Porta de Talampaya, as paredes do canyon formando uma entrada digna de gigantes. Mesmo os antigos dinossauros iriam se apequenar por aqui. Se bem que, é bom lembrar, os dinossauros são mais antigos do que essa paisagem!
As gigantescas pareds avermelhadas da Puerta de Talampaya, no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
As gigantescas pareds avermelhadas da Puerta de Talampaya, no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Falando em dinossauros, eles ainda estariam no nosso caminho. Após caminharmos de volta aos nossos carros e dirigirmos até a saída do parque, ali do lado da portaria existe um pequeno museu, ou exposição ao ar livre. É o chamado “Parque Triássico”, onde podemos caminhar por entre esses antigos seres que dominaram a Terra por tanto tempo. Várias espécies que viviam por aqui foram reconstruídas em maquetes tamanho natural e muito bem feitas. Só é estranho vê-los no meio de uma paisagem desértica, pois não era assim quando viviam. Mas, enfim, é muito legal vê-los tão de perto!
As gigantescas pareds avermelhadas da Puerta de Talampaya, no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Entrada para a "Trilha do Triássico", no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
E com isso, terminamos nossa visita a esses incríveis parques perdidos aqui no deserto do meio oeste argentino, uma atração ainda tão pouco conhecida dos brasileiros. Aliás, sobre isso vou falar no próximo post, essa “outra” Argentina, tão incrível e ainda tão desconhecida de seus vizinhos (nós!), que preferem se manter no eixo Buenos Aires – Bariloche.
Dinossauros encontrados no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
Dinossauros encontrados no Parque Nacional Talampaya, na Argentina
A impressionante cratera do meteoro, ou "Meteor Crater", no Arizona - Estados Unidos
Algo sempre me atraiu nas coisas do espaço, desde criança. Talvez porque tenha nascido no ano em que o homem chegou à lua, talvez porque o céu estrelado me fascinava, talvez pela série de TV Perdidos no Espaço. Esse interesse se tornou algo mais científico quando os programas da excelente série “Cosmos”, apresentados pelo astrônomo Carl Sagan, chegaram ao Brasil, no início da década de 80. Assisti maravilhado cada um dos episódios e, um ano mais tarde, como presente de natal, ganhei o livro que deu origem à série, o qual ainda guardo com muito carinho.
Representação da grande explosão que criou a Meteor Crater, no Arizona - Estados Unidos
Entre o muito que aprendi no livro e na série, desde a história da Biblioteca de Alexandria e a descoberta do DNA até o processo de formação de galáxias e uma maneira mais intuitiva de se entender a quarta dimensão, lá estava a foto da grande Cratera do Meteoro, em meio ao deserto do Arizona.
Foto aérea da Meteor Crater, no Arizona - Estados Unidos
Para mim, que achava que essas coisas só tinham na Lua ou em Marte, foi uma surpresa. Sempre achei que essas crateras eram antiquíssimas e que não resistiriam a um bom milhão de anos de erosão na Terra. Pois é, minha ideia só estava metade certa (ou metade errada!). O tal milhão de anos realmente acaba com qualquer cratera, mas essa do Arizona só tinha 50 mil anos, um mísero piscar de olhos no tempo geológico. Pois é, essas coisas continuam acontecendo, como bem demonstra o catastrófico evento em Tugunska, na Sibéria, há apenas um século!
No museu, cenário simula o fundo da Meteor Crater, no Arizona - Estados Unidos
Enfim, desde então uma visita à “Meteor Crater” está na minha lista de coisas a se ver antes de morrer. E hoje foi o dia de riscá-la da lista, hehehe! Saímos de Flagstaff cedinho em direção ao leste, sempre seguindo pela I-40, junto à Rota 66. Sessenta quilômetros depois, lá estava o desvio para a mais perfeita cratera de meteoro na Terra. Há muitas outras, claro, mas nenhuma está tão bem conservada como esta, primeiro por ser tão recente e segundo por estar numa área desértica, onde não há uma vegetação densa para encobri-la.
A impressionante cratera do meteoro, ou "Meteor Crater", no Arizona - Estados Unidos
Quando o meteoro caiu, há cerca de 50 mil anos, essas planícies desérticas eram bem mais úmidas, uma enorme pradaria que abrigava hordas de mamutes e preguiças gigantes. Mas, até que se prove o contrário, sem seres humanos. Era uma enorme rocha composta de ferro e níquel com cerca de 50 metros de diâmetro que entrou na nossa atmosfera a mais de 10 km por segundo. Cerca de 10 segundos mais tarde, depois de queimar sua capa exterior, o meteoro chocou-se com a Terra com uma força de 10 megatons, o equivalente a quase 1.000 bombas de Hiroshima.
Lunetas ajudam a visualizar a Meteor Crater, no Arizona - Estados Unidos
A força do impacto foi tão grande que praticamente toda a rocha se evaporou, pelo calor extremo. Na Terra, o resultado foi uma cratera com mais de um quilômetro de diâmetro e duzentos metros de profundidade. Deve ter sido colossal! A gente só pode tentar imaginar a cena, olhando a cratera do alto de suas bordas.
Observando a enorme Meteor Crater, no Arizona - Estados Unidos
A visita ao interior não é permitida, para ajudar na conservação. Um museu ao lado da cratera tem um filme que tenta mostrar como foi o impacto e também a história do estudo da cratera. Por muito tempo pensou-se que a sua origem era vulcânica e a controvérsia existiu até a década de 50. Muito do que se sabe sobre crateras e impactos de meteoro foi aprendido aqui e após a solução do seu “enigma”, várias outras crateras foram descobertas ao redor do globo.
Visita à Meteor Crater, no Arizona - Estados Unidos
Também aqui foi feito o treinamento dos astronautas que um dia pisariam na Lua. Acharam por bem treiná-los em uma cratera, já que era isso que os esperava no nosso satélite. Nós ficamos ali por pouco mais de uma hora, divididos entre o cinema, o museu e os mirantes para se ver a cratera. Com um item a menos na nossa lista da viagem e da vida, seguimos em frente, dessa vez para um encontro com um passado quase 5 mil vezes mais remoto: a mais bem conservada floresta petrificada do mundo, no “Petrified Forest National Park”, quase já na fronteira com o Texas.
A NASA fez vários de seus treinamentos na Meteor Crater, no Arizona - Estados Unidos
A Cristina e o Anibal (pais da Marianela) nos recebem em sua casa na periferua de Córdoba, na Argentina
Ontem, antes de chegarmos a Córdoba vindos de San Marcos Sierras, nós paramos na pequena Colquis, cidade onde moram o Anibal e a Cristina. Os dois são os pais da Marianela, nossa amiga argentina que hoje mora com o marido em San Juan. Quando fomos visitar a Marianela em San Juan, seus pais também estavam lá de visita e nos convidaram para passar na casa deles, já que estava no nosso caminho rumo a Buenos Aires. Dito e feito, eles nos receberam muito bem, primeiro com chá e depois com um delicioso almoço acompanhado de bom vinho. Muita conversa sobre viagens, sobre a vida e sobre a história argentina.
A Cristina e o Anibal (pais da Marianela) nos recebem em sua casa na periferua de Córdoba, na Argentina
O casal havia morado muitos anos no Rio, para onde se mudaram na época da Guerra das Malvinas. Na verdade, foram para lá fugidos do país, pois a Cristina havia sido convocada para lutar na guerra. Pois é, já dá para entender alguém que não queira lutar numa guerra que não acredite, mas lutar por um governo que, pouco tempo antes, havia te sequestrado e torturado por meses a fio, aí já é demais mesmo! Esse era o absurdo que que vivia a Cristina, na época uma menina ainda mais nova que sua filha Marianela, que hoje está prestes a se tornar mãe.
Placa informativa sobre a terrível história da Passagem Santa Catalina, em Córdoba, na Argentina
A Argentina vivia um momento muito complicado no final dos anos 60. Os militares haviam deposto Perón uma década antes e, desde então, sob seu controle direto ou indireto, a economia do país patinava, a corrupção crescia e a inquietação social se intensificava. Do seu exílio em Madrid, o velho líder populista conspirava para voltar, com a ajuda de seus milhares de seguidores fiéis ainda na Argentina. O peronismo já era, desde então, a principal força política do país.
Pasaje Santa Catalina, sede da Polícia Política da ditadura militar argentina em Córdoba, na Argentina
Para quem acha que o nosso PMDB, no Brasil, é um balaio de gatos, é porque não conhecem o “peronismo”. Aí cabe tudo, da extrema esquerda à extrema direita. O elo que os une talvez seja a tendência ao populismo, marca registrada de seu grande líder. Basta lembrar, para dar um exemplo mais recente, que Kirchner e Menem são peronistas, apesar de todas suas diferenças. Populismo de esquerda e de direita. Enfim, naquela época, as diferenças eram ainda mais gritantes, de um lado os montoneros, uma das mais violentas e eficientes organizações esquerdistas do nosso continente, e do outro a AAA, Associação Anti-comunista Argentina, a versão hermana do nosso CCC, um verdadeiro esquadrão da morte institucionalizado, todos abrigados dentro do movimento peronista.
Placa que marca o local onde funcionava a temível D2, a Polícia Política argentina da época militar, em Córdoba, na Argentina
Enfim, os peronistas venceram as eleições com Campora que permitiu a volta de Perón ao país, para então renunciar e provocar nova eleição, agora com a participação do antigo líder, já anistiado. Perón se elegeu com facilidade a achou que saberia administrar as tensões dentro de seu próprio partido. Acontece que ele já estava velho e doente e morreu no início de seu governo. A vice-presidente era sua 3ª esposa, Isabelita, que não chegava nem aos pés da lendária esposa anterior, Evita. Isabelita era fraca e e as tensões sociais explodiram sob seu governo, terrorismo e bombas de um lado e repressão e tortura do outro. Até que, em 1976, os militares cansaram de atuar nos bastidores, derrubaram Isabelita e assumiram o governo, prometendo uma luta de vida ou morte ao terrorismo de esquerda.
Interior da delegacia onde se torturaram e mataram dezenas de presos políticos na época da ditadura argentina, em Córdoba, na Argentina
O resultado foi uma verdadeira carnificina. Para destruir a mais organizada guerrilha do cone sul, organizou-se o maior e mais sangrento sistema repressivo dessa região. Em cinco anos de repressão brutal, cerca de 30 mil pessoas foram mortas. Para se ter uma ideia, se considerarmos a diferença de população entre Brasil e Argentina e o número de mortos durante o governo militar dos dois países, a ditadura deles foi 300 vezes mais mortífera do que a nossa! Eram tantas vítimas que os militares resolveram, para se livrar das vítimas, simplesmente atirá-las de aviões e helicópteros sobre o mar. Mas algo saiu errado no plano e os corpos começaram a aparecer nas praias uruguaias, revelando ao mundo a tragédia.
Antiga sede da D2, a terrível Polícia Política argentina do final dos anos 70, em Córdoba, na Argentina
A grande maioria de todas essas vítimas e tantas outras que não chegaram a morrer, mas foram presas e torturadas era de gente que não estava ligada com a guerrilha. Bastava ser amigo de um amigo de algum sindicalista ou líder estudantil que já se corria perigo. Ou estar na hora errada no lugar errado. Ou ter participado de alguma reunião onde se discutia política e se criticava o governo. Foi o que aconteceu com nossa amiga Cristina, que nos recebeu tão bem no dia de ontem.
Interior da delegacia onde se torturaram e mataram dezenas de presos políticos na época da ditadura argentina, em Córdoba, na Argentina
Ela foi sequestrada da sua casa pelas forças da repressão, por ter participado de uma dessas reuniões poucas semanas antes. Ficou presa, foi interrogada e torturada por vários meses, até que foi solta sem aviso. Nunca foi acusada de nada e nem esteve presa “formalmente”. Assim funcionava, com os presos não tendo nenhum acesso ao aparato legal. Enfim, para sorte dela, foi solta. Mas sua companheira de cela, uma mulher que ela aprendeu a admirar por sua bravura e coragem, está na lista dos milhares de desaparecidos pelo regime. Cristina escreveu um livro sobre ela “Lili” e nos presenteou com ele. Um olhar sobre a vida nas prisões por quem lá esteve, relato sincero, nu e cru sobre o que ocorreu nesse país, num tempo tão recente.
Observando a homenagem a algumas das dezenas de vítimas de tortura na década de 70 em Córdoba, na Argentina
Pois é, depois de ter sido solta, Cristina acabou se empregando como enfermeira no sistema público. Com a guerra, o governo militar que ela tanto abominava quis enviá-la às Malvinas. Cristina e Anibal fugiram para o Rio, o país perdeu a guerra de uma forma humilhante e o governo militar caiu de podre, abrindo caminho para a redemocratização. A própria guerra já tinha sido uma maneira de tentar prolongar-se no poder, depois do rotundo fracasso na área econômica que gerava uma enorme instabilidade social. Esse assunto da guerra certamente aparecerá nos posts futuros, já que estamos indo justamente para lá, às Malvinas.
Observando a homenagem a algumas das dezenas de vítimas de tortura na década de 70 em Córdoba, na Argentina
Hoje, aqui em Córdoba, estivemos na antiga delegacia da D2, a polícia política do daquele regime. O lugar, na Pasaje Santa Catalina, foi transformada num museu que homenageia as centenas de vítimas que passaram por lá. O mais incrível é que ela fica justamente ao lado da catedral, em pleno centro da cidade. Assim, os presos torturados muitas vezes ouviam o bater dos sinos ao lado anunciando a próxima missa. Estarrecedor! Aí passamos um hora, observando as salas tenebrosas e corredores escuros, mantidos como eram. Mais importante, observamos as dezenas de fotografias das pessoas que sumiram ali, fotos com familiares, na praia, na escola, nas ruas, sorrindo, brincando, enfim, mostrando que eram pessoas normais, como eu e você. Mas tiveram um fim terrível, indigno, aqui, do lado da catedral. Num país que nos encanta tanto como esse, é quase impossível imaginar isso acontecendo aqui, há tão pouco tempo. Um motivo a mais para celebramos a liberdade de ir e vir, de pensamento, de podermos falar e criticar, da vida sob o império da lei e das garantias individuais. Passar em um lugar como esse, aprender o que aconteceu aqui, num lugar e num tempo tão perto de nós só nos faz valorizar o tempo e a viagem que estamos vivendo.
O maior iate do mundo, do bilionário russo dono do Chelsea, ancorado em St. Barth - Caribe
Ainda no porto de Saint Martin, cumprindo as burocracias para o embarque em direção à Saint Barth, ouvimos o familiar idioma português à nossa volta. Era algo que já não acontecia há um bom tempo! Pois é, um grupo de brasileiros seguia viagem no mesmo barco que a gente, guiados pelo simpático Koy, um catarinense surfista e velejador há muito radicado por aqui.
A cor da água em Gustavia, capital de St. Barth - Caribe
Ele foi uma ótima companhia de viagem, no deck superior do barco onde a Ana lutou bravamente contra o enjôo de mar. Essa viagem é notória em deixar as pessoas enjoadas já que balança bastante. Voltando ao Koy, ele já está aqui há uns vinte anos e nos deu muitas informações sobre as ilhas da região. Ele nos confirmou que o número de brasileiros viajando para cá vem aumentando bastante. Ele mora do lado holandês e quando voltarmos para lá, depois nosso tour pelas várias ilhas daqui, vamos procurá-lo.
A marina de Gustavia, vista do nosso hotel (St. Barth - Caribe)
Chegando em St. Barth, ele já foi logo nos mostrando alguns "barquinhos". Entre eles, o maior e mais caro iate do mundo, do bilionário russo dono do Chelsea, o Abramovich. Iate com mais de 100 metros de comprimento, custo de 1,2 bi de dólares. Tripulação de 80 pessoas, gasto mensal de combustível de 2 milhões de dólares. Tudo coisinha bem simples... E pensar que o cara só é três anos mais velho do que eu... Bem, perto dele, não sou só eu o pobre, não. Ali do lado, bem pequenininho, também estava o barco do Nelson Piquet. Ao lado do Abramovich, pobre de doer, hehehe
O Grand Cul-de-Sac, em St. Barth - Caribe
Nosso carro em St. Barth - Caribe
St. Barth é um refúgio dos ricos e famosos. O primeiro a chegar foi o Rockfeller, ainda na década de 50. Depois dele, não pararam mais. A quantidade de iates na marina realmente impressiona. Faz até parecer uma coisa normal, ter um iate de 30-40 metros. Bem em frente a esta marina estava o nosso hotel, o Sunset. Conseguimos pegar o último quarto disponível, o que nos deixou tranquilos para poder passar o dia e a noite explorando a ilha.
Típica estrada e visual em St. Barth - Caribe
St Barth foi inicialmente colonizada pelos franceses. Mas o solo e relevo da ilha não eram muito propícios às plantations e, por isso, ela nunca foi muito para frente, não. Tanto que, no final do séc. XVIII o rei francês decidiu dá-la de presente ao rei da Suécia. Pois é... vivendo e aprendendo, colonização sueca aqui no Caribe! Para combinar com os dinamarqueses nas Ilhas Virgens e os Courlanders em Tobago. Um Caribe bem loirinho... Os suecos ficaram por aqui por cem anos, trabalhando duro, ou fazendo seus escravos trabalharem duro. Mas, ao final, após um furação devastador e um grande incêndio, resolveram devolver o presente à França. Mas as suas marcas ficaram, na arquitetura e até no simpático nome da capital da ilha, Gustavia.
Chegando à praia da Grande Saline, em St. Barth - Caribe
Outra coisa que diferencia St. Barth das outras ilhas caribenhas é a pequena população de afrodescendentes. Com o fim da escravião e a ausência de plantations na ilha, faltou emprego por aqui e os negros libertos não tiveram outra chance senão imigrar para as ilhas vizinhas. O resultado é que a ilha, hoje, é a mais européia do Caribe.
Refrescando-se na praia da Grande Saline, em St. Barth - Caribe
Eu e a Ana alugamos logo um carro para dar a volta na ilha e conhecer suas praias. O mar é belíssimo, aquela cor de piscina que começamos a nos acostumar novamente. Como a ilha é bem pequena, não demorou muito para que déssemos a volta, subindo e descendo morros na estreita estrada que dá a volta em St. Barth. Paramos em duas das praias mais bonitas: a Grande Saline e a Anse du Gouverneur. A diferença com Anguilla é que aqui o mar é agitado, formando até ondas. Mesmo assim, a cor é azul. Impressionate!
Maravilhosa praia do Gouverneur, em St. Barth - Caribe
"Bordeauzinho" básico na Shell Beach em Gustavia, capital de St. Barth - Caribe
No final da tarde, de volta à Gustavia, fomos à praia da cidade, a Shell Beach. Lá está um bar que atende pelo singelo nome de "Do Brazil" e é uma das atrações de St. Barth. No menu, tem até muqueca"! Preços exorbitantes, mas um ótimo lugar para se passar o final de um dia. Para não passar em branco, tomamos um vinhozinho básico. Nacional, claro! Aliás, isso é a única coisa barata por aqui: queijos e vinhos da melhor qualidade. Dá para fazer a festa, num supermercado. Vinhos muito bons por 4-5 euros. Uma tentação!
O famoso bar "Do Brazil" na Shell Beach em Gustavia, capital de St. Barth - Caribe
Saímos de lá correndo para ainda pegar o pôr-do-sol no alto do farol de Gustavia. Aqui se diz que são os mais belos pores-do-sol do Caribe. E não sou eu que vou duvidar! Ainda mais depois do espetáculo que foi o de hoje.
Vista de Gustavia, capital de St. Barth - Caribe
De noite, fomos comer na Creperia. Conselho do Koy, para fugir dos altos preços da ilha. Aqui, qualquer prato simples pode custar vinte, trinta euros. Os mais refinados, então, nem se fala... Depois, fomos tomar uma cerveja num dos mais famosos bares de todo o caribe, o Le Select. Bar de marinheiro! Fez 60 anos em 2009 e por ele já passaram os mais famosos marinheiros e velejadores dessas águas. Foi muito legal! Tem aparência de bar de filme de pirata.
Magnífico pôr-do-sol em St. Barth - Caribe
O esquema do carro foi tão bom que resolvemos ficar mais um dia com ele. Sem carro (ou barco) por aqui, não se faz nada. Transporte público, nem pensar. Amanhã, nos planos, tem até uma caminhada até uma praia isolada. E, no final de tarde, de volta para St. Martin. Mesmo antes de irmos embora, já estamos com saudades. Não é á tôa que esses bilionários todos vem para cá...
Magnífico pôr-do-sol em St. Barth - Caribe
Meditação na Peña de Bernal, no México
Nosso plano original, antes de voltarmos ao México, era de seguirmos por grandes cidades até a cidade de Puebla, já bem perto da Cidade do México. Daí, seguiríamos para o Yucatan, via Vera Cruz. Fizemos um roteiro passando por aquelas de relevância histórica, como San Luiz Potosi e Queretaro, além da própria Puebla.
Nosso caminho dos últimos dias, entre o Potrero Chico e a Peña de Bernal, passando por Real de Catorce e San Miguel de Allende. O Google não mostras as estradas pequenas, mas enfim...
Até começamos pela cidade planejada, Monterrey, a terceira maior do país. Foi quando os planos começaram a mudar. Conversando com o Gera, brasileiro que mora na Cidade do México e com outras pessoas que fomos conhecendo no caminho, as indicações eram de deixar as cidades grandes de lado e seguirmos para as pequenas e charmosas cidades espalhadas pelo país.. Não que as grandes também não fossem interessantes, mas com o tempo limitado e tendo de escolher, não restava dúvida.
Bernal, no México
Visitando o Pueblo Mágico de Bernal, no México
Além disso, foi só aqui que passamos a ter tempo novamente para ler sobre o país. Viagem apertada como a nossa acaba sendo assim: em vez de planejar a semana seguinte, só conseguimos nos preparar para o próximo dia. E olhe lá! Tem vezes que me pego planejando o dia de ontem, hehehe!
Bernal, no estado de Queretaro, com a famosa pedra ao fundo, no México
Igreja do Pueblo Mágico de Bernal, no México
Enfim, depois de passarmos por cidades como Real de Catorce e San Miguel de Allende, aí qualquer dúvida que havia se dissipou. No nosso atual “mood”, são mesmo as pequenas que nos atraem! Foi assim que viemos para mais uma pequena cidade, ela também um Pueblo Mágico, a pequena Bernal. No caminho, ficaram as famosas San Luiz Potosi, que passamos rapidamente pelo centro, e Querétaro, que só vimos mesmo da estrada. A vontade de conhecê-las continua, mas não será dessa vez...
O imenso monolito conhecido como Peña de Bernal, no México
A fama de Bernal vem do enorme monólito ao lado da cidade, conhecido como Peña de Bernal. Anunciado como o “terceiro maior monólito do planeta”, atrás apenas de Gibraltar e do Pão de Açúcar, essa enorme rocha com mais de 300 metros de altura já chama a atenção de longe. Essa história de “terceira maior” não é muito científica, já que o próprio conceito de monólito é meio difuso. A Pedra da Gávea, por exemplo, também poderia ser chamada de monólito e é maior que o Pão de Açúcar. Mas, definições e classificações à parte, a Peña de Bernal é linda, atraindo alpinistas e místicos à região, que seria um grande “centro de energia”, seja lá o que isso significa na prática.
Peña de Bernal, no México
Chegamos no fim da tarde do dia 22 e deixamos a nossa visita à enorme pedra para o dia seguinte. Aproveitamos as últimas horas do dia para conhecer a pequena cidade. Muito simpática e pacata, mas mal acostumados que estávamos com Real de Catorce e San Miguel de Allende, ficamos um pouco decepcionados. Tudo depende mesmo das expectativas...
Caminhada na famosa Peña de Bernal, no México
Hoje cedo, partimos para a principal atração da pequena Bernal, a famosa Peña. É possível caminhar, ao início sobre uma trilha e depois, sobre a própria rocha, até pouco mais da metade da altura do enorme rochedo. Quanto mais alto, mas bela a vista dos arredores, a cidade ficando cada vez menor aos pés da montanhas. Ao longo desse caminho, várias paredes que fazem a alegria de escaladores, com diversas rotas possíveis.
Subindo o imenso monolito conhecido como Peña de Bernal, no México
Por fim, chegamos a um ponto onde, daí para frente, só com cordas mesmo. Ou então, com muita coragem para enfrentar os grampos de ferro cravados na parede de pedra. Eu até segui mais uns 40 metros para o alto, evitando olhar para baixo. À diferença de Potrero Chico, aqui não tinha nenhuma corda de segurança e um erro qualquer poderia ser, literalmente, fatal. A Ana, sem um calçado adequado, ficou lá embaixo mesmo.
Pausa na subida da Peña de Bernal, no México
Eu desci para ver se ela queira ajuda ou incentivo, mas ela já estava decidida a ficar por ali mesmo. Aproveitei a chance e fiquei lá também, curtindo a vista que já era espetacular. A pequena cruz que nos esperava no alto da montanha teve de ficar solitária mesmo. Pelo menos, no dia de hoje.
Do alto da Peña, avistando a cidade de Bernal, no México
Para nós, foi uma delícia de caminhada e nosso primeiro dia de treinamento de uma longa sequência planejada até o Pico Orizaba, a mais alta montanha do país. Finalmente, já estamos com tudo planejado, inclusive nossos encontros com o Gera e com a Val. Aliás, a Val chegou hoje à Cidade do México e vamos todos nos encontrar amanhã, no final do dia, em Toluca. Ela vai para lá de carona com o Gera e nós quatro juntos subiremos o belo Nevado de Toluca. Será nossa primeira montanha de grande altitude e 3ª etapa de nossa preparação. Terceira? Pois é, ainda não falei da segunda! Fica na cidade de Tepoztlan, ao sul da capital federal e para lá seguimos ainda hoje, para nossa caminhada de amanhã. Assunto para o próximo post!
Vegetação semidesértica ao redor da Peña de Bernal, no México
Em direção ao Caribe pela terceira vez nesses 1000dias (em Bogotá - Colômbia)
O nosso táxi chegou exatamente na hora marcada, às 11 da manhã. Foi também a hora que tínhamos acabado de nos arrumar, depois da noitada de ontem. Hoje, um pouco mais cedo, a gente tinha se despedido do Douglas, que saiu para suas aulas de inglês e francês. A Clara ainda estava no apartamento, quando partimos. E a pequena e vibrante Amelie, despedimo-nos ontem de noite, para tristeza dela, que adorou a Ana. De nada adiantou dizer que em dez dias regressamos... E regressamos mesmo, pois a Fiona ficou por aqui, hehehe
Mapa mostrando as ilhas ABC - Aruba, Bonaire e Curaçao e sua posição relativa junto à Venezuela
Fomos para o aeroporto de Bogotá para voar de volta ao Caribe. Nossa terceira vez nessa região, e a mais curta delas. Dez dias para conhecer três ilhas, as chamadas ABC. Aruba, Bonaire e Curaçao. Tão próximas que estão da Venezuela, não é à tôa que o Chavez, de tempos em tempos, diz que elas são uma aberração colonial e que deveriam pertencer ao país.
Aeroporto de Bogotá - Colômbia
Mas assim não quis a história (para alegria de seus moradores!). As três ilhas foram ocupadas primeiramente pelos espanhóis, que acabaram por abandoná-las cerca de um século mais tarde. Logo em seguida foram ocupadas pelos holandeses e sua Companhia das Índias Ocidentais. Com os holandeses vieram os escravos, e dessa mistura entre índios nativos, negros e europeus vem boa parte da população atual
Propaganda no aeroporto de Bogotá, na Colômbia
Para viajar entre elas, apesar de tão próximas entre si, só de avião (ou no seu próprio iate, o que não é nosso caso...).E assim faremos, primeiro pelas praias e resorts de Aruba, depois aos mergulhos de Bonaire e finalmente à vida urbana e cultural de Curaçao.
De volta ao Caribe! (Aeroporto de Oranjestad, em Aruba)
Para chegar lá, voamos sobre a Venezuela, como já havíamos feito quando voamos do Suriname para Trinidad e Tobago. Um dos únicos países sulamericanos que ainda não visitamos nesses 1000dias, mas do alto já vimos bastante! Adiantamos o relógio uma hora para chegar à Oranjestad, capital de Aruba, um pouco antes das cinco. Aí, deixamos a capital para trás e seguimos para o norte da ilha, um pouco acima da praia de Palm Beach, onde estão os maiores hotéis de Aruba. A gente ficou num apartamento de frente à praia, com direito à cozinha. Vamos poder brincar de casinha, obaaa!
O primeiro coquetel em Palm Beach - Aruba
Dali, meia hora de caminhada nos leva ao coração de Palm Beach, mais americana impossível, com todas as redes de fast food e um ar de Flórida - Miami. Nessa mesma noite, tomamos nosso primeiro coquetel caribenho desde Abril, quando terminamos nossa segunda perna por lá, em Sint Maarten, coincidentemente também holandesa. Amanhã será dia de praia e piscina. É o duro processo de adaptação ao Caribe...
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