0
Arquitetura Bichos cachoeira Caverna cidade Estrada história Lago Mergulho Montanha Parque Patagônia Praia trilha vulcão
Alaska Anguila Antártida Antígua E Barbuda Argentina Aruba Bahamas Barbados Belize Bermuda Bolívia Bonaire Brasil Canadá Chile Colômbia Costa Rica Cuba Curaçao Dominica El Salvador Equador Estados Unidos Falkland Galápagos Geórgia Do Sul Granada Groelândia Guadalupe Guatemala Guiana Guiana Francesa Haiti Hawaii Honduras Ilha De Pascoa Ilhas Caiman Ilhas Virgens Americanas Ilhas Virgens Britânicas Islândia Jamaica Martinica México Montserrat Nicarágua Panamá Paraguai Peru Porto Rico República Dominicana Saba Saint Barth Saint Kitts E Neves Saint Martin San Eustatius Santa Lúcia São Vicente E Granadinas Sint Maarten Suriname Trinidad e Tobago Turks e Caicos Uruguai Venezuela
Karina (27/09)
Olá, também estou buscando o contato do barqueiro Tatu para uma viagem ...
ozcarfranco (30/08)
hola estimado, muy lindas fotos de sus recuerdos de viaje. yo como muchos...
Flávia (14/07)
Você conseguiu entrar na Guiana? Onde continua essa história?...
Martha Aulete (27/06)
Precisamos disso: belezas! Cultura genuína é de que se precisa. Não d...
Caio Monticelli (11/06)
Ótimo texto! Nos permite uma visão um pouco mais panorâmica a respeito...
A Cristina e o Anibal (pais da Marianela) nos recebem em sua casa na periferua de Córdoba, na Argentina
Ontem, antes de chegarmos a Córdoba vindos de San Marcos Sierras, nós paramos na pequena Colquis, cidade onde moram o Anibal e a Cristina. Os dois são os pais da Marianela, nossa amiga argentina que hoje mora com o marido em San Juan. Quando fomos visitar a Marianela em San Juan, seus pais também estavam lá de visita e nos convidaram para passar na casa deles, já que estava no nosso caminho rumo a Buenos Aires. Dito e feito, eles nos receberam muito bem, primeiro com chá e depois com um delicioso almoço acompanhado de bom vinho. Muita conversa sobre viagens, sobre a vida e sobre a história argentina.
A Cristina e o Anibal (pais da Marianela) nos recebem em sua casa na periferua de Córdoba, na Argentina
O casal havia morado muitos anos no Rio, para onde se mudaram na época da Guerra das Malvinas. Na verdade, foram para lá fugidos do país, pois a Cristina havia sido convocada para lutar na guerra. Pois é, já dá para entender alguém que não queira lutar numa guerra que não acredite, mas lutar por um governo que, pouco tempo antes, havia te sequestrado e torturado por meses a fio, aí já é demais mesmo! Esse era o absurdo que que vivia a Cristina, na época uma menina ainda mais nova que sua filha Marianela, que hoje está prestes a se tornar mãe.
Placa informativa sobre a terrível história da Passagem Santa Catalina, em Córdoba, na Argentina
A Argentina vivia um momento muito complicado no final dos anos 60. Os militares haviam deposto Perón uma década antes e, desde então, sob seu controle direto ou indireto, a economia do país patinava, a corrupção crescia e a inquietação social se intensificava. Do seu exílio em Madrid, o velho líder populista conspirava para voltar, com a ajuda de seus milhares de seguidores fiéis ainda na Argentina. O peronismo já era, desde então, a principal força política do país.
Pasaje Santa Catalina, sede da Polícia Política da ditadura militar argentina em Córdoba, na Argentina
Para quem acha que o nosso PMDB, no Brasil, é um balaio de gatos, é porque não conhecem o “peronismo”. Aí cabe tudo, da extrema esquerda à extrema direita. O elo que os une talvez seja a tendência ao populismo, marca registrada de seu grande líder. Basta lembrar, para dar um exemplo mais recente, que Kirchner e Menem são peronistas, apesar de todas suas diferenças. Populismo de esquerda e de direita. Enfim, naquela época, as diferenças eram ainda mais gritantes, de um lado os montoneros, uma das mais violentas e eficientes organizações esquerdistas do nosso continente, e do outro a AAA, Associação Anti-comunista Argentina, a versão hermana do nosso CCC, um verdadeiro esquadrão da morte institucionalizado, todos abrigados dentro do movimento peronista.
Placa que marca o local onde funcionava a temível D2, a Polícia Política argentina da época militar, em Córdoba, na Argentina
Enfim, os peronistas venceram as eleições com Campora que permitiu a volta de Perón ao país, para então renunciar e provocar nova eleição, agora com a participação do antigo líder, já anistiado. Perón se elegeu com facilidade a achou que saberia administrar as tensões dentro de seu próprio partido. Acontece que ele já estava velho e doente e morreu no início de seu governo. A vice-presidente era sua 3ª esposa, Isabelita, que não chegava nem aos pés da lendária esposa anterior, Evita. Isabelita era fraca e e as tensões sociais explodiram sob seu governo, terrorismo e bombas de um lado e repressão e tortura do outro. Até que, em 1976, os militares cansaram de atuar nos bastidores, derrubaram Isabelita e assumiram o governo, prometendo uma luta de vida ou morte ao terrorismo de esquerda.
Interior da delegacia onde se torturaram e mataram dezenas de presos políticos na época da ditadura argentina, em Córdoba, na Argentina
O resultado foi uma verdadeira carnificina. Para destruir a mais organizada guerrilha do cone sul, organizou-se o maior e mais sangrento sistema repressivo dessa região. Em cinco anos de repressão brutal, cerca de 30 mil pessoas foram mortas. Para se ter uma ideia, se considerarmos a diferença de população entre Brasil e Argentina e o número de mortos durante o governo militar dos dois países, a ditadura deles foi 300 vezes mais mortífera do que a nossa! Eram tantas vítimas que os militares resolveram, para se livrar das vítimas, simplesmente atirá-las de aviões e helicópteros sobre o mar. Mas algo saiu errado no plano e os corpos começaram a aparecer nas praias uruguaias, revelando ao mundo a tragédia.
Antiga sede da D2, a terrível Polícia Política argentina do final dos anos 70, em Córdoba, na Argentina
A grande maioria de todas essas vítimas e tantas outras que não chegaram a morrer, mas foram presas e torturadas era de gente que não estava ligada com a guerrilha. Bastava ser amigo de um amigo de algum sindicalista ou líder estudantil que já se corria perigo. Ou estar na hora errada no lugar errado. Ou ter participado de alguma reunião onde se discutia política e se criticava o governo. Foi o que aconteceu com nossa amiga Cristina, que nos recebeu tão bem no dia de ontem.
Interior da delegacia onde se torturaram e mataram dezenas de presos políticos na época da ditadura argentina, em Córdoba, na Argentina
Ela foi sequestrada da sua casa pelas forças da repressão, por ter participado de uma dessas reuniões poucas semanas antes. Ficou presa, foi interrogada e torturada por vários meses, até que foi solta sem aviso. Nunca foi acusada de nada e nem esteve presa “formalmente”. Assim funcionava, com os presos não tendo nenhum acesso ao aparato legal. Enfim, para sorte dela, foi solta. Mas sua companheira de cela, uma mulher que ela aprendeu a admirar por sua bravura e coragem, está na lista dos milhares de desaparecidos pelo regime. Cristina escreveu um livro sobre ela “Lili” e nos presenteou com ele. Um olhar sobre a vida nas prisões por quem lá esteve, relato sincero, nu e cru sobre o que ocorreu nesse país, num tempo tão recente.
Observando a homenagem a algumas das dezenas de vítimas de tortura na década de 70 em Córdoba, na Argentina
Pois é, depois de ter sido solta, Cristina acabou se empregando como enfermeira no sistema público. Com a guerra, o governo militar que ela tanto abominava quis enviá-la às Malvinas. Cristina e Anibal fugiram para o Rio, o país perdeu a guerra de uma forma humilhante e o governo militar caiu de podre, abrindo caminho para a redemocratização. A própria guerra já tinha sido uma maneira de tentar prolongar-se no poder, depois do rotundo fracasso na área econômica que gerava uma enorme instabilidade social. Esse assunto da guerra certamente aparecerá nos posts futuros, já que estamos indo justamente para lá, às Malvinas.
Observando a homenagem a algumas das dezenas de vítimas de tortura na década de 70 em Córdoba, na Argentina
Hoje, aqui em Córdoba, estivemos na antiga delegacia da D2, a polícia política do daquele regime. O lugar, na Pasaje Santa Catalina, foi transformada num museu que homenageia as centenas de vítimas que passaram por lá. O mais incrível é que ela fica justamente ao lado da catedral, em pleno centro da cidade. Assim, os presos torturados muitas vezes ouviam o bater dos sinos ao lado anunciando a próxima missa. Estarrecedor! Aí passamos um hora, observando as salas tenebrosas e corredores escuros, mantidos como eram. Mais importante, observamos as dezenas de fotografias das pessoas que sumiram ali, fotos com familiares, na praia, na escola, nas ruas, sorrindo, brincando, enfim, mostrando que eram pessoas normais, como eu e você. Mas tiveram um fim terrível, indigno, aqui, do lado da catedral. Num país que nos encanta tanto como esse, é quase impossível imaginar isso acontecendo aqui, há tão pouco tempo. Um motivo a mais para celebramos a liberdade de ir e vir, de pensamento, de podermos falar e criticar, da vida sob o império da lei e das garantias individuais. Passar em um lugar como esse, aprender o que aconteceu aqui, num lugar e num tempo tão perto de nós só nos faz valorizar o tempo e a viagem que estamos vivendo.
2012. Todos os direitos reservados. Layout por Binworks. Desenvolvimento e manutenção do site por Race Internet