0 Na Terra de Rondon e da Madeira-Mamoré - Blog do Rodrigo - 1000 dias

Na Terra de Rondon e da Madeira-Mamoré - Blog do Rodrigo - 1000 dias

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Na Terra de Rondon e da Madeira-Mamoré

Brasil, Rondônia, Porto Velho

Com o Rodrigo e a Rosana, no parque nas antigas instalações da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia

Com o Rodrigo e a Rosana, no parque nas antigas instalações da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia


No finalzinho da década de 70, quando tinha dez anos de idade, comecei a me interessar por mapas e por geografia. Deliciava-me com o Atlas Geográfico Melhoramentos, dos meus irmãos mais velhos. Foi nele que decorei os nomes e localização dos estados e territórios brasileiros. Em 1981, quando cheguei à 5ª série, passei a ter a disciplina de Geografia na escola e foi a vez de comprar o meu próprio Atlas da Melhoramentos. Mas, no mapa do Brasil, ele vinha com uma notável diferença: o país tinha ganho um novo estado! Rondônia deixava de ser território federal a passava a ser o 23º estado brasileiro. No ano seguinte, em uma gincana disputada entre todas as salas da 6ª série, cada uma delas representaria um estado da confederação. Foram sorteados dois estados para cada sala e deveríamos escolher um deles para contar sua história, preparar suas comidas típicas, aprender e ensinar um pouco de sua cultura. Minha sala foi sorteada com Bahia e Rondônia. Infelizmente, eu fui a voz solitária em defender que deveríamos usar o nome de Rondônia. Não sei por que, todos os outros viram mais potencial no uso da Bahia, hehehe. Enfim, com Bahia fomos campeões, mas meu vínculo com Rondônia tinha sido criado...

Antiga igreja usada pelos trabalhadores da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia

Antiga igreja usada pelos trabalhadores da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia


Rondônia foi explorada por bandeirantes paulistas ainda na época do Brasil colonial, mas permaneceu completamente isolada do país até o final do séc. XIX. Mas o sossego das numerosas tribos indígenas que lá habitavam estava por terminar, por dois eventos quase concomitantes na virada do século: a construção da ferrovia Madeira-Mamoré e as explorações do militar e sertanista Candido Rondon, responsável por levar as linhas de telégrafo até o distante território.

Homenagem prestada à ferrovia Madeira-Mamoré, em em Porto Velho, capital de Rondônia

Homenagem prestada à ferrovia Madeira-Mamoré, em em Porto Velho, capital de Rondônia


Uma ferrovia que ligasse os trechos navegáveis dos rios Madeira e Mamoré já era um sonho boliviano há mais de meio século. Com ela, a Bolívia teria um acesso rápido e barato ao Oceano Atlântico, via Rio Amazonas, e aos mercados europeu e americano. Seria muito mais fácil escoar suas mercadorias por aqui do que através dos Andes até o Oceano Pacífico, a meio mundo de distância dos portos europeus e da costa leste americana, pois nessa época o Canal do Panamá era apenas um sonho. A grande barreira para isso é que o Rio Madeira (e seus afluentes), que nasce em território boliviano, tem um trecho de cerca de 300 quilômetros cheio de corredeiras e cachoeiras, já no lado brasileiro, não sendo apto à navegação. A solução: uma ferrovia que “desse a volta” nesse trecho complicado. Sonho acalentado desde meados do séc. XIX.

Fim de tarde no Rio Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia

Fim de tarde no Rio Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia


A oportunidade finalmente apareceu na virada do século, quando ocorreu a Revolução Acreana. Ainda vou falar disso quando chegarmos lá, mas o fato é que o Acre era originalmente território boliviano e, numa das cláusulas do tratado que deu a soberania da região ao Brasil, estipulou-se que nosso país construísse a sonhada ferrovia ligando os trechos navegáveis do Rio Madeira, uma das formas de compensar a Bolívia pela cessão do Acre ao Brasil.

O gostoso parque nas antigas instalações da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia

O gostoso parque nas antigas instalações da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia


E assim foi feito. Entre os anos de 1907 e 1912, cerca de 20 mil trabalhadores de 50 diferentes nacionalidades enfrentaram os rigores da selva amazônica para construir essa ferrovia de 366 km. Quase 1.500 deles morreram durante a construção, quase todos de doenças tropicais. A construção, comandada pelo americano Percival Farqhuar, foi considerada um grande feito da engenharia, já que a obra era considerada impossível por muita gente na época. Apesar do sucesso na construção, o Ciclo da Borracha (principal produto a transitar pela ferrovia) estava terminando e a ferrovia nunca operou com mais de 10% de sua capacidade total. Não demorou muito para a empresa do americano quebrar e se constatar que a ferrovia jamais teria a importância imaginada. Durante a 2ª Guerra Mundial, no esforço aliado de guerra, a borracha da região até recuperou sua importância (já que a concorrente Malásia estava na zona de conflito) e com ela a ferrovia. Mas não durou muito. Por fim, na década de 60, ela foi desativada.

Antiga locomotiva da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia

Antiga locomotiva da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia


Independente disso, foi a construção da Madeira-Mamoré que trouxe a primeira onda de imigrantes e desenvolvimento para a região. Boa parte do material usado na construção veio de barco. Inicialmente, tentou-se trazer esse material até um porto recém construído, quase aos pés da cachoeira de Santo Antônio. Mas depois, por razões de segurança, optou-se mesmo pelo porto antigo, alguns quilômetros rio abaixo. Era o porto velho, que deu origem a capital do estado, chamada apropriadamente de Porto Velho.

Antiga locomotiva da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia

Antiga locomotiva da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia


Nessa época também chegava ao estado a linha de telégrafo, depois de um amplo trabalho de exploração do território entre Mato Grosso e Amazonas pelo militar e sertanista Cândido Rondon. Ele já havia sido o responsável por explorar e levar o telégrafo de Goiás à Mato Grosso. Explorador nato, foi o idealizador do antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), que mais tarde daria origem à FUNAI. Rondon foi o responsável pelo primeiro contato com inúmeras tribos que habitavam o sertão brasileiro e, enquanto viveu, foi um incansável defensor dos direitos indígenas. Dizia aos seus comandados nessa empreitada de explorações e contato com os indígenas que “se preciso for, morra, mas não mate!”. Pode parecer uma frase de efeito, mas o próprio Rondon foi atingido por uma flecha envenenada em uma de suas expedições e, ao invés de ordenar o combate, mandou que suas tropas recuassem, para evitar o conflito. Foi salvo da flecha pela bandoleira de couro de sua espingarda. Esse brasileiro notável recebeu inúmeras homenagens ainda vivo (morreu com 92 anos, em 1958), inclusive o título de “Marechal”, como todos o conhecemos.

Com o Rodrigo e a Rosana, no parque nas antigas instalações da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia

Com o Rodrigo e a Rosana, no parque nas antigas instalações da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, capital de Rondônia


Entre essas homenagens, o Congresso brasileiro resolveu mudar o nome do Território de Guaporé, formado por terras na fronteira de Mato Grosso e Amazonas, para Território de Rondônia, reconhecendo a importância de Rondon no desenvolvimento daquela região do país.

A usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia

A usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia


Os mesmos militares que optaram por desativar a ferrovia Madeira-Mamoré também foram responsáveis pela segunda onda de ocupação do ainda Território Federal. A imigração para Rondônia foi estimulada na década de 70, através da distribuição de terras. Dezenas de milhares de brasileiros de todas as regiões se mudaram para lá, apostando no futuro de Rondônia, no mais importante movimento migratório planejado dos últimos 50 anos. O resultado foi a explosão populacional do agora Estado de Rondônia e da rápida destruição de mais de 30% das florestas originais. Felizmente, nos últimos 15 anos, essa migração foi desacelerada, assim como a preservação de florestas nativas e territórios indígenas ganhou força. O belíssimo Parque Nacional dos Pacaás Novos é o melhor exemplo disso.

A usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia

A usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho, capital de Rondônia


Foi nessa Rondônia que chegamos, diretamente à capital Porto Velho. Aqui, ficamos hospedados na casa do Rodrigo e da Rosana. O Rodrigo é amigo das antigas da Ana, lá de Curitiba, do tempo em que eram escoteiros. Há muito não se viam, mas a internet e o Facebook os reuniu, principalmente agora que viajamos pela América. O Rodrigo é tenente da Força Aérea Brasileira, piloto de helicópteros, e está baseado aqui em Porto Velho. Gentilmente, convidou-nos para ficar na sua casa, muito bem localizada no centro da capital.

A praça das caixas d'água, uma das atrações turísticas em Porto Velho, capital de Rondônia

A praça das caixas d'água, uma das atrações turísticas em Porto Velho, capital de Rondônia


Aqui, aproveitamos para fazer a revisão da nossa Fiona, que já estava meio atrasada. Depois de cruzar a BR-319, ela merecia! Quem também foi para a “revisão” foi a Ana, que estava com princípio de pneumonia. Entrou no antibiótico, depois de consulta no médico. O que também fizemos, aproveitando que estávamos num lar, foi lavar todas as nossas roupas. Vamos poder sair daqui zerados!

As famosas e enormes caixas d'água em Porto Velho, capital de Rondônia

As famosas e enormes caixas d'água em Porto Velho, capital de Rondônia


Por fim, o Rodrigo também arrumou um tempo para, junto com a Rosana, nos levar para passear e jantar em Porto Velho. A grande atração turística da cidade é o parque onde funcionava a ferrovia Madeira-Mamoré. Bem ao lado do Rio Madeira, é um ótimo lugar para se passar um preguiçoso entardecer, o sol brilhando sobre as águas do rio. Nessa hora, o parque está sempre cheio e é um ótimo lugar para namorar, tomar cerveja, jogar conversa fora ou simplesmente, admirar o espetáculo da natureza.

Além disso, claro, podemos admirar as antigas locomotivas e os trilhos já meio depauperados. Assim que a ferrovia foi desativada, muito de seu material foi vendido para o ferro-velho. Uma vergonha e desrespeito com a nossa história. Tentou-se uma linha turística de trem, com apenas 7 quilômetros, mas o projeto não prosperou. Finalmente, um movimento ganhou força para se tentar preservar o que havia restado. Atualmente, com parte dos recursos pagos pelas Usinas de Jirau e Santo Antonio, as novas mega-obras de Rondônia, a ideia é reativar a linha turística e restaurar antigas instalações, trilhos, locomotivas e vagões. Só podemos torcer para que dê certo dessa vez!

Despedida do Rodrigo e da Rosana, que nos deram um lar em Porto Velho, capital de Rondônia

Despedida do Rodrigo e da Rosana, que nos deram um lar em Porto Velho, capital de Rondônia


Falando nisso, o Rodrigo também nos levou à Usina de Santo Antônio, ao lado da capital. Aí funcionou aquele tal de “porto novo”, que acabou preterido pelo “porto velho” durante a construção da ferrovia. Justamente onde estava a primeira cachoeira do rio Madeira. Santo Antonio já está gerando e, junto com a Usina de Jirau, algumas horas rio acima, são responsáveis pela mais recente onda migratória à Rondônia. Grandes obras, empregaram e empregam milhares de trabalhadores. Ao mesmo tempo que fomentam a economia do estado, são promessa de novos problemas sociais para o estado, já que, assim como empregam, vão desempregar também, ao término da construção. São problemas para acompanhamos ao longo do tempo. Dessa vez, só pudemos admirar a grande obra que domou o rio que, agora, gera energia que é enviada diretamente ao sul do país. Energia necessária para o Brasil, reconheça-se, mas que intervém na natureza da região. O Rio Madeira nunca mais será o mesmo, para o bem e para o mal.

Com o amigo Rodrigo, no tradicional reataurante Remanso do Tucunaré, em Porto Velho, capital de Rondônia

Com o amigo Rodrigo, no tradicional reataurante Remanso do Tucunaré, em Porto Velho, capital de Rondônia


Outra atração que fomos visitar é a praça das caixas-d’água, remanescentes também da época da construção da ferrovia. Armazenavam água para seus milhares de trabalhadores. Hoje, estão desativadas e servem para atrair turistas àquela praça, a insólita visão de três monstros de metal que mais parecem saídos de filme B de ficção científica sobre extraterrestres.

Um verdadeiro banquete no tradicional reataurante Remanso do Tucunaré, em Porto Velho, capital de Rondônia

Um verdadeiro banquete no tradicional reataurante Remanso do Tucunaré, em Porto Velho, capital de Rondônia


Por fim, o delicioso jantar foi no mais tradicional restaurante da cidade, o Remanso do Tucunaré. Peixes, peixadas e moquecas que atraem famosos quando vêm à cidade. Fotos a assinaturas na parede provam que o restaurante é mesmo popular entre políticos, músicos e esportistas. E agora, também com os viajantes do 1000dias. Mas ainda não temos o cacife necessário para sermos convidados a deixar nossos autógrafos, hehehe. A ótima comida foi nossa despedida dessa cidade, já que amanhã partimos para o Acre. Rodrigo e Rosana, nosso muito obrigado pela calorosa acolhida. Quem sabe, não passamos por aqui na nossa volta da Bolívia?

Despedida do Rodrigo e da Rosana, que nos deram um lar em Porto Velho, capital de Rondônia

Despedida do Rodrigo e da Rosana, que nos deram um lar em Porto Velho, capital de Rondônia

Brasil, Rondônia, Porto Velho, Rio, história, Madeira

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A capital, Porto Velho

Comentários (2)

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  • 15/08/2013 | 21:23 por mabel

    Muito bom relato!! Sempre aprendendo mais.

    Quase não reconheci a Fiona na foto rsrsrsrsrsr

    Abraços

    Resposta:
    Oi Mabel

    Hehehe, gostou da Fiona limpinha? É ela mesma!!!

    Um abraço

  • 15/08/2013 | 10:51 por Rubens Werdesheim

    Estive por aí , em Porto Velho ,em 92 ,93...esse local era um amontoadao de ferro velho mas pelo visto fizeram o parque ! Vcs vão explorar a Chapada dos Parecis ?

    Resposta:
    Oi Rubens

    Pois é, tem um parque bem gostoso por ali. Mas ainda falta fazer muito para preservar e divulgar a história dessa ferrovia, infelizmente.

    Vamos apenas passer ao largo da Chapada dos Parecis, em Rondonia e Mato Grosso. Uma pena, pois já vi fotos lindas de lá. Outro lugar que merece tempo para ser explorado...

    Um abs

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