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No cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Devidamente instalados no topo do Cerro Piltriquitrón, a 2.260 metros de altura, tínhamos todo o tempo do mundo para admirar a paisagem deslumbrante que nos cercava, uma visão completa de 360 graus. O céu azul, o calor do sol e o lanche em nossas mãos faziam essa tarefa ainda mais prazerosa, frio e fome já não sendo mais fatores a considerar. Naquele momento, estávamos sós nesse belo mundo, como se fôssemos dois viajantes recém chegados a uma Terra sem pessoas. O casal que também caminhava para o cume, talvez uma hora atrás de nós, estava escondido por uma encosta íngreme, o seu último desafio para também chegar ao cume.
O Cerro Tronador, o mais alto da região, visto do cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
O vulcão Osorno, no lado chileno, visto do cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Lá embaixo, dois quilômetros sob nossos pés, perdida no meio do vale, a pequena El Bolsón. Dali saímos no início da manhã e a pequena mancha urbana era o único lembrete que a tal Terra que visitávamos não era assim, “sem pessoas”. Mas não era para o fundo do vale que olhávamos agora, mas para as montanhas muito mais além. O Piltriquitrón reina absoluto na região ao seu redor, todas as montanhas próximas abaixo de seu cume. Mas a essa altitude, podemos enxergar muito mais longe. E lá no horizonte, bem afastadas, duas montanhas ainda mais colossais nos olhavam de cima, impassíveis. Para o norte, a 100 quilômetros de distância, mas perfeitamente visível com esse céu limpo, o Cerro Tronador. Mais de um quilômetro acima de que nós, ele sim é o rei dessa parte da Argentina, a mais famosa montanha de Bariloche. Na direção noroeste, ainda mais longe e do outro lado dos Andes, o magnífico vulcão Osorno, um dos mais conhecidos do Chile. Com quase 2.700 metros de altura e com aquele belo e típico formato cônico dos vulcões, ele é visível de todas as direções, seja aqui da Argentina, seja de pleno Oceano Pacífico. Ainda vamos passar por lá, no nosso caminho de volta para o norte, em pouco mais de um mês.
Por mais que se suba, sempre há alguém mais alto do que nós! (no cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina)
Paraglider sobrevoa linda paisagem patagôniaca no alto do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Não só esses gigantes nos chamaram a atenção com suas distintas formas contra o céu azul. Algo menor e muito mais próximo também era um ímã para nossos olhos. Movia-se no céu azul, mas não era um pássaro. Não, na verdade era outro lembrete da presença humana por aqui. Silenciosos, tampouco eram aviões! Nada disso! Eram afortunados praticantes de paraglider! Como nós, resolveram aproveitar as condições meteorológicas favoráveis para um “passeio” pelas montanhas. No caso deles, bem acima delas! Não sei de onde saltaram, mas sei que correntes de ar e térmicas favoráveis os levaram lá para cima e eles podiam ver o Piltriquitrón e toda a paisagem próxima de um ângulo bem favorável. Tranquilamente, deslizavam pelos céus, nos enchendo de inveja e também de possibilidades de fotos fantásticas. Afinal, não é todo dia que se pode fotografar essas “aves humanas” contra um background tão espetacular, montanhas nevadas cercando um vale encantado preenchido por florestas viçosas e um enorme lago azul. Eu e a Ana ficamos ali, hipnotizados por aquele momento mágico, quase que sem respirar para não atrapalhar o voo daquelas pessoas. Eles iam e voltavam, para um lado e para o outro, para cima e para baixo e eu só posso imaginar o que se passava em suas mentes com aquele verdadeiro cinema em 3D sob seus olhos e pés. Existirá algum lugar mais belo nesse planeta para se fazer um voo desses?
Aproveitando o dia lindo, diversos paragliders voando na região do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
No cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Aos poucos eles foram baixando, um verdadeiro enxame de asas coloridas. Agora já estavam lá embaixo e isso nos lembrou que também nós precisávamos descer. Quase no mesmo momento, finalmente chegou aquele casal ao cume. Depois de tanto tempo, foi estranho ouvir outras vozes humanas em nosso pequeno e infinito universo particular. Chegaram na hora certa! Chance de tirarmos fotos mútuas, casais posando solos no topo da montanha. Uma breve e agradável conversa (encontros em lugares assim são sempre interessantes!) e era hora de descer!
Atravessando trecho de neve na volta do cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Atravessando trecho de neve na volta do cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Para baixo, diz a lenda, todo santo ajuda. Ainda mais em um lugar assim, onde tínhamos agora toda a paisagem a nossa frente (quando subíamos, ela estava nas nossas costas!). Já não mais parávamos para respirar ou recuperar o fôlego, mas simplesmente para admirar a paisagem cinematográfica à nossa frente. A única preocupação foi atravessar aquela passagem mais difícil, mãos ajudando os pés. Depois, foi só diversão. A maior delas, talvez, atravessar os campos de neve. Aproveitando o calor do sol, era estranho e engraçado caminhar sobre a neve vestindo roupas quase tropicais!
Mangueira de coleta de água em riacho na região do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Voltando do cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
A neve ficou para trás e chegamos novamente ao trecho com trilha bem demarcada e ao riacho que abastece o refúgio com água pura e gelada. Cruzar o longo trecho de planalto ainda foi mais agradável do que na subida, todo o nosso pensamento concentrado apenas em desfrutar aquele momento e não mais preocupado em achar o caminho até o cume da montanha. Não demorou muito e já víamos o refúgio lá embaixo, conforto e cerveja nos esperando, a cereja do bolo do grande dia que vínhamos tendo.
Interior do refúgio do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Mensagens budistas decoram o refúgio do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
E assim foi. Chegamos e entramos no refúgio para logo ficarmos amigos da guarda-parque que está tomando conta dele nessa temporada. Outra moça, assim como havia sido no refúgio San Martín, na caminhada que fizemos em Bariloche. Essas argentinas são mesmo “porretas” e isso só me faz admirá-las ainda mais. Passam semanas aqui nesses rincões isolados, longe da civilização e das pessoas, mas perto da natureza. Mantém os refúgios limpos e aconchegantes e, nesse caso específico, ainda cuidam da manufatura da cerveja! Isso mesmo, ali estava todo um aparato para produzir cerveja e eu e a Ana tratamos de experimentá-lo. Ela não estava tão gelada como havíamos sonhado, mas deliciosamente saborosa.
Depois do cume, a merecida cerveja no refúgio do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Gato aproveita o aconchego do interior do refúgio do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Então, foi o momento de descansarmos e degustarmos cada minuto. Junto conosco, além da simpática anfitriã, um gato preguiçoso, feliz por estar dentro do refúgio aquecido. Uma enorme janela enfeitada com bandeirolas tibetanas nos possibilitava a vista das montanhas e do vale lá embaixo. Tanto estímulo só nos fez decidir passar da primeira para a segunda garrafa de um litro. Um lugar e um momento como esse merecem, isso não se discute!
Cerveja feita no próprio refúgio do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Com o espírito duplamente elevado, era hora de descermos um pouco mais para caminharmos no Bosque Tallado. Na sombra dos pinheiros, os antigos troncos mortos agora transformados em esculturas mais parecem espíritos da floresta. Com a devida ajuda dos litros recentes de cerveja artesanal, não foi difícil imaginar histórias, criar personagens e dar vazão à imaginação. Mais uma vez, fizemos nossa reverência ao artista que teve essa brilhante ideia de transformar um bosque morto em um verdadeiro jardim de esculturas.
Atravessando o Bosque Tallado na trilha do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Uma das esculturas do Bosque Tallado na trilha do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
Depois desse mergulho no mundo do imponderável, era hora de voltarmos à realidade. Felizmente para nós, nesse caso a realidade se materializou na forma da nossa querida Fiona, pronta para nos levar através da estrada empoeirada com todo o conforto e ar condicionado. Realmente, descer aquilo a pé, a esta altura, seria uma quebra de clima danada! Sorte também teve um grande grupo de turistas israelenses para quem demos carona. Meia hora mais tarde e estávamos de volta à nossa pousada e lar em El Bolsón. Amanhã pegamos estrada novamente, sempre rumo ao sul. Mas antes disso, outra noite de sono bem dormida e outro café da manhã que serve como um estímulo para despertarmos. Que assim seja!
Parada para admirar a paisagem na volta do cume do Cerro Piltriquitrón, em El Bolsón, na Argentina
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