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Karina (27/09)
Olá, também estou buscando o contato do barqueiro Tatu para uma viagem ...
ozcarfranco (30/08)
hola estimado, muy lindas fotos de sus recuerdos de viaje. yo como muchos...
Flávia (14/07)
Você conseguiu entrar na Guiana? Onde continua essa história?...
Martha Aulete (27/06)
Precisamos disso: belezas! Cultura genuína é de que se precisa. Não d...
Caio Monticelli (11/06)
Ótimo texto! Nos permite uma visão um pouco mais panorâmica a respeito...
Caminhando na ilha de Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
Dois mil quilômetros depois, estamos para chegar às Ilhas Malvinas, um pequeno arquipélago no Atlântico Sul que entrou no meu mundo e radar há mais de 30 anos. Foi quando, numa noite do início de Abril de 1982, o Cid Moreira anunciou solenemente nas manchetes do Jornal Nacional que a Argentina havia invadido aquelas ilhas remotas. Ondas de euforia tomaram não apenas as ruas e praças de Buenos Aires, mas também de todas as grandes cidades da América Latina, numa espécie de patriotismo continental. No dia seguinte o correspondente da Globo falava “diretamente de Comodoro Rivadavia e a caminho das Malvinas”. Comodoro Rivadavia é um porto no sul da Argentina, de onde saíam os aviões militares para o arquipélago. O otimista repórter da Globo nunca obteve a permissão para voar para lá, mas a curiosidade nascida no jovem adolescente não se arrefeceria enquanto ele mesmo chegasse nas tais ilhas. Por isso, este arquipélago sempre esteve no roteiro dos 1000dias. Pois seja argentino, seja britânico, faz parte do continente, independentemente de “sentimentos patrióticos”. O jovem adolescente, hoje bastante envelhecido, vai finalmente realizar seu sonho antigo: ver de perto as Malvinas. Ou seriam Falkland?
As ilhas Falkland e sua localização no Atlântico Sul
Localizado a menos de 500 km da costa argentina e a muitos milhares de quilômetros das ilhas britânicas, a tendência é logo optarmos pela primeira opção: Ilhas Malvinas. Mas será que essa análise rápida e no “olhômetro” é mesmo justa? Analisando a composição das rochas das ilhas, os cientistas chegaram a uma conclusão surpreendente: as ilhas nunca fizeram parte da América do Sul. Na verdade, a julgar pelo seu passado remoto, não deveriam ser nem argentinas, nem britânicas, mas sul-africanas. Isso mesmo, elas nasceram lá na África do Sul, ainda no tempo do super-continente chamado Gondwana, uma soma da atual América do Sul, África, Austrália, Antártida e Índia. Esses três últimos se separaram, rumando para o sul, enquanto África e a nossa América também “quebraram”, criando o Oceano Atlântico. Foi quando as Malvinas (ou Falkland!), há 100 milhões de anos, separaram-se da costa oriental da África do Sul (isso mesmo, eu disse “oriental”, aquela virada para o Oceano Índico), deram a volta no Cabo da Boa Esperança e rumaram para oeste, vindo de encontro à plataforma patagônica, onde estão hoje. É impressionante como as rochas sabem contar a sua história, pelo menos para quem sabe escutá-las.
Pela estrutura e composição das rochas, os estudiosos deduziram que as Falkland "nasceram" no antigo supercontinente de Gondwana, no leste da atual África do Sul
Ao longo desse caminho foram sofrendo a erosão do tempo, das glaciações e do mar, chegando a forma atual como as conhecemos. É um arquipélago com mais de 700 ilhas, mas as duas principais, East Falkland e West Falkland, representam 91% da área total de 12 mil km2. Isso é aproximadamente o dobro da área do nosso Distrito Federal, as ilhas distribuídas numa região com 220 km de leste a oeste e 140 km de norte a sul. Há uma grande presença de fiordes, prova indiscutível de glaciações no passado, e as duas maiores ilhas são separadas por um estreito (“sound”, em inglês) com 20 km de largura e profundidade média de 40 metros. Durante a época do gelo, quando o nível do mar era mais baixo, muito provavelmente as duas ilhas formavam uma única massa terrestre. Mas nem no auge das glaciações houve alguma ponte de terra ligando o arquipélago ao continente, como chegaram a defender alguns estudiosos argentinos. O oceano é muito profundo entre as Falkland e a Patagônia.
Mapa detalhado das ilhas Falkland, mostrando as ilhas do arquipélago, estradas e cidades (produzido por Eric Gaba)
Aliás, essa “ausência” de uma ligação terrestre entre o arquipélago e o continente só adiciona mais sabor ao maior mistério biológico das ilhas: a presença de uma espécie de lobo, o único mamífero terrestre de Falkland quando os primeiros europeus chegaram às ilhas. Conhecido como “Warrah”, ou “Falkland Wolf”, esses animais foram descritos por Darwin (incrível! Esse cara esteve em todos os lugares!) em 1834, mas já eram conhecidos desde o final do séc. XVII. O famoso biólogo inglês usou a diferenciação entre os lobos de East Falkland e West Falkland como mais um exemplo, ou prova, de sua teoria de evolução das espécies. Darwin previu também que os lobos estariam logo extintos, devido à maior ocupação das ilhas por seres humanos. Infelizmente, o animal não tinha nenhum medo de nós e, caçado pelo valor da sua pele e o perigo que representava para as criações de ovelhas, realmente foi extinto em 1876. Alguns espécimes ainda chegaram a ser levados para o zoológico de Londres, mas nada que evitasse mais uma tragédia evolucionária causada pela mais assassina criatura do planeta: os seres humanos.
Ilustração do já extinto "Lobo de Falkland", ou Warrah, o único mamífero terrestre do arquipélago
Eles sumiram para sempre, mas o mistério continua: como chegaram às ilhas? A primeira teoria era que tivessem sido levados pelos primeiros habitantes das Américas, que teriam chegado às Malvinas em canoas rústicas. Mas como nenhuma prova conclusiva que o homem tenha estado no arquipélago antes da chegada dos europeus foi encontrada, essa hipótese perde força. O mais provável é que, no auge de alguma glaciação, alguma ponte de gelo (e não de terra!) tenha existido entre as ilhas e o continente e os lobos, intrépidos exploradores, tenham a atravessado. Pesquisas genéticas recentes, tanto com os Warrahs como com antigos canídeos extintos da América do Sul parecem corroborar essa tese. O fato é que os “Falkland Wolves” parecem ter sido capazes de sobreviver durante alguns milênios se alimentando de pinguins e gansos, mas não resistiram a poucos séculos de contato com seres humanos.
A vegetação rasteira de Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
Vegetação em Carcass Island, no noroeste das Ilhas Malvinas
Além de não nos temerem, eles não tinham onde se esconder. Não há florestas nem árvores naturais no arquipélago, apenas espécimes importadas trazidas bem mais recentemente pelos colonizadores. A ilha é constantemente assolada pelos ventos, o que favorece uma vegetação mais rasteira, gramínea e herbácea. Com um relevo formado principalmente por colinas, embora haja uns poucos terrenos escarpados (a maior altitude é de cerca de 700 metros), a região é um paraíso para a criação de ovelhas. Com efeito, essa passou a ser a principal atividade econômica do arquipélago desde o declínio da indústria de reparação de navios, em meados do séc. XIX. Só que não vieram apenas as ovelhas de fora, mas também gatos, cães, raposas e até guanacos, para servirem aos amantes da caça. E claro, vieram os ratos também. Quem sofreu com isso foram as populações originais de pássaros, como gansos e pinguins. Com tanta concorrência assim, principalmente dos seus ovos por parte dos roedores, os pássaros acabaram desistindo das ilhas principais, refugiando-se nas ilhas pequenas, onde esses animais invasores não chegaram.
Caminhando em Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
Caminhando nas colinas de Carcass Island, no noroeste das Ilhas Malvinas
Mas nem ali eles estavam seguros. Entre 1864 e 1866, apenas nas Jason Islands, pequenas ilhas ao noroeste do arquipélago e um dos locais onde vamos desembarcar, mais de 2 milhões de pinguins foram mortos e cozinhados para extração de óleo. Felizmente para eles, a consciência da humanidade parece ter mudado desde então. Por exemplo, Steeple Jason, uma das Jason Islands, foi comprada por um filantropo americano e doada para uma associação de defesa dos animais. Se não podemos mais salvar os lobos, ao menos os pinguins estão seguros agora!
A paisagem de Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
A paisagem de Carcass Island, no noroeste das Ilhas Malvinas
Falei da parte natural, mas ainda falta a ocupação humana das ilhas. Hoje são cerca de 3 mil habitantes, além de 700 militares ingleses. Para manter a mesma comparação com o nosso Distrito federal, duas vezes menor do que a área total das ilhas, a sua população é 1.000 vezes maior que do arquipélago. Isso mostra o quão vazio as ilhas ainda são. Ainda mais se lembrarmos que, da população total, 2.200 vivem na única cidade de fato, Port Stanley, sobrando umas poucas centenas para todo o resto das ilhas, região chamada pelos “kelpers” (nome dado aos habitantes das Falkland) de “camp”. A grande maioria da população tem origem escocesa e galesa, embora haja uma crescente minoria chilena. Essa é a população fixa das ilhas, mas há também um número cada vez maior de visitantes, quase todos eles chegando em grandes navios de cruzeiro. Somente em 2010 foram 70 mil turistas. Em um só dia, num grande navio, mais de 3 mil visitantes. Ou seja, a população literalmente dobrou naquelas poucas horas de desembarque. O turismo representa uma parte cada vez mais substancial da economia das ilhas.
Início da manhã em Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
A paisagem grandiosa de Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
Pois bem, qual a história dessa ocupação que ainda hoje continua tão conflituosa? Tudo indica que foram mesmo os europeus os primeiros a avistar as ilhas, ainda no início do séc. XVI. O primeiro desembarque foi em 1690, pelo capitão inglês John Strong. Ele resolveu homenagear o principal financiador de sua viagem, o 5º Visconde de Falkland (nome de uma cidade escocesa) com o nome do estreito que separa as duas ilhas principais do arquipélago. Um século mais tarde, pelo menos entre os ingleses, esse nome passou a denominar todo o arquipélago. Já o nome espanhol, Islas Malvinas, deriva do nome francês, “îles Malouines”, dado pelo explorador francês Louis-Antoine de Bouganville em 1764, referência ao porto de onde havia partido, na França, St, Malo.
Um arco-íris nos recebe em Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
Foi esse mesmo explorador francês que fundou o primeiro povoado das ilhas, Port Louis, em 1764. Dois anos depois foi a vez dos ingleses fundarem Port Egmont, no norte do arquipélago. Aparentemente, um povoado não sabia da existência do outro. Os franceses logo repassaram seu povoado aos espanhóis que, ao saber da existência do povoado inglês, trataram de conquistá-lo. Isso quase levou as duas nações à guerra e os espanhóis acharam por bem devolvê-lo. Alguns anos mais tarde, em 1774, os ingleses resolveram abandoná-lo, mas pelo sim, pelo não, lá deixaram uma placa dizendo que a soberania do arquipélago era do rei George III, monarca britânico. Sem a presença da concorrência, a Espanha não deu muita bola para as ilhas, mantendo ali apenas uma pequena colônia penal. Até que, no contexto das guerras napoleônicas, abandonaram eles também aquelas ilhas isoladas.
Escarpa montanhosa em Steeple Jason, no noroeste das Ilhas Malvinas
Na década seguinte, já independente, eram as Províncias Unidas do Rio da Prata, futura Argentina, que se julgavam as detentoras do arquipélago. Mas não tentaram sua ocupação. Ao contrário, resolveram “arrendá-la” a um comerciante alemão para que ele as explorasse. Ao tentar forçar navios baleeiros e pesqueiros a lhe pagar “direitos”, acabou causando a ira do governo americano que bombardeou a ilha. O governo de Buenos Aires resolveu então instalar um batalhão na ilha, mas os próprios soldados de amotinaram em 1832. A situação só foi finalmente pacificada no ano seguinte, com o retorno das tropas inglesas, sob a alegação que as ilhas sempre foram de Sua Majestade. Um século e meio de protestos argentinos não demoveram os ingleses dessa ideia.
Uma espécie invasora, flores amarelas embelezam a paisagem de Carcass Island, no noroeste das Ilhas Malvinas
Vegetação em Carcass Island, no noroeste das Ilhas Malvinas
Na verdade, as Falkland tiveram valor estratégico durante a 1ª e 2ª Guerras mundiais, mas desde então eram um peso desnecessário para o orçamento inglês, sustentar aquelas ilhas distantes perdidas no meio do oceano. Negociações entre argentinos e ingleses avançavam no sentido de uma transferência de soberania, como a que acabou ocorrendo em Hong Kong, com a China. As negociações ocorriam sem a participação dos próprios kelpers e pareciam que seguiam bom caminho. Mas o golpe militar de 76 e o governo sangrento que se seguiu parecem ter atrapalhado um pouco o andamento das conversas. A situação se encontrava nesse impasse quando a decrépita ditadura militar, em grave crise econômica e política em seu país, resolveu dar sua última cartada. Mas isso é um assunto para quando chegarmos a Port Stanley, amanhã. Antes disso, ainda temos dois desembarques para fazer por aqui, em pequenas ilhas no noroeste do arquipélago, onde a paisagem ainda se parece com o que era antes dos europeus chegarem. Infelizmente, sem os lobos...
Admirando a belíssima paisagem de Carcass Island, no noroeste das Ilhas Malvinas
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