0 A Civilização Esquecida - Versão Brasileira - Blog do Rodrigo - 1000 dias

A Civilização Esquecida - Versão Brasileira - Blog do Rodrigo - 1000 dias

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A Civilização Esquecida - Versão Brasileira

Brasil, Rio Grande Do Sul, São Miguel das Missões

Interior da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Interior da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Eu sempre gostei de História. Acho que a paixão nasceu de quando, ainda bem criança, ouvia a minha mãe ler em voz alta o livro “História do Mundo Para Crianças”, de Monteiro Lobato. A ideia era, ao mesmo tempo, embalar nosso sono na hora de irmos para a cama e também nos dar uma primeira noção sobre a história do nosso mundo. Assim, junto com Pedrinho, Narizinho e a Emília, aprendi a admirar gregos e romanos, Julio Cezar e Alexandre, as Cruzadas, a época dos Descobrimentos, Renascimento e Iluminismo e tantas outras coisas.

Turistas visitam a Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Turistas visitam a Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Mais tarde, já na 5ª série, tive o primeiro contato formal com História. Por algum motivo, eram as civilizações pré-colombianas as que mais atraiam minha curiosidade. Astecas, Incas e Maias não saiam da minha cabeça e agora, durante esses 1000dias, tive a chance de conhecer essas antigas civilizações muito mais de perto. Para mim, um dos pontos altos de nossa viagem. Ver ao vivo as ruínas de Machu Picchu e as diversas pirâmides na América Central foi emocionante. A realização de um sonho que havia nascido quando vi, pela primeira vez, naqueles antigos livros de história, as desbotadas fotos desses incríveis monumentos.

Ruínas da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Ruínas da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Mas aquelas mesmas fotos e histórias que tanto me inspiravam também traziam uma certa decepção. As tais antigas civilizações e suas ruínas eram americanas, mas nenhuma era brasileira. Nada para alentar o meu nascente espírito “patriótico”. Enquanto no Perú e no México construíam-se pirâmides e criavam-se impérios, no nosso país os índios ainda caminhavam sem roupa, viviam da caça e do extrativismo e, em alguns casos, comiam-se ritualisticamente. Pelo menos, essa era a visão simplista e simplória daquele menino da 5ª série. Mas havia uma exceção, muito mal explicada e desenvolvida naqueles livros de História. Uma única foto, acompanhada de um único parágrafo, mostrava ruínas de pedra avermelhada, uma antiga igreja que nada se parecia com nossa arquitetura colonial. Certamente era outra coisa, haviam índios envolvidos naquilo e o texto falava de umas tais de “missões”. Uma mísera citação e nada mais do que isso. Num mundo ainda sem internet e sem Wikipedia, tive logo de esquecer o assunto...

Chegando à Missão de São Miguel Arcanjo, a mais bem conservada das Missões em território brasileiro, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Chegando à Missão de São Miguel Arcanjo, a mais bem conservada das Missões em território brasileiro, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Fachada da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Fachada da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Até que, alguns anos mais tarde, Hollywood lançou o magnífico filme “The Mission”, com fotografia impecável, trilha sonora emocionante e um elenco de fazer inveja: Robert De Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson em início de carreira. O filme conta a história do trágico fim dessa civilização quase desconhecida no Brasil. O filme é ótimo e, para quem não viu, recomendo! Foi aí que, finalmente, comecei a aprender sobre esse importante capítulo da nossa história, uma espécie de experimento da utopia comunista, contribuindo até para o mito do “bom selvagem” de Rousseau.



Agora, inspirado pelo bom filme, tratei de ler mais sobre o assunto e, na primeira oportunidade, visitei as ruínas de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul. Aí se encontra o mais completo conjunto arquitetônico dessa antiga civilização em território brasileiro, o mesmo que aparecia na foto do meu antigo livro de história. Foi emocionante estar lá e aprender ainda mais da história daquele período. Hoje, oito anos depois dessa memorável visita, tive a chance de voltar, dessa vez muito bem acompanhado pela amada esposa e dentro da expedição 1000dias, nosso último destino no Brasil antes de rumarmos ao sul do continente.

A imponente porta da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

A imponente porta da antiga igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Foram cerca de 4 horas de viagem desde o ponto de partida, em Derrubadas (mapa no post anterior). Chegamos no meio da tarde e, logo após nos instalarmos num hotel na cidade, seguimos para as ruínas. Elas ficam em meio a um grande parque, praticamente no centro da cidade. Em plena sexta-feira, estavam praticamente vazias e pudemos caminhar pelas antigas edificações completamente sós. Li e reli os cartazes informativos espalhados pelo parque, visitei o museu, tirei fotos, mas o maior prazer foi mesmo caminhar por entre as paredes e colunas que ali jazem adormecidas já há alguns séculos. Com um pouco de esforço, é fácil imaginar quando a região fervilhava de vida, quatro mil índios vivendo uma vida de paz, música e religiosidade, ao menos durante 3 gerações.

Visita à antiga igreja da Missão de São miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Visita à antiga igreja da Missão de São miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Visita às ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Visita às ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


De noite, a Ana voltou às ruínas, dessa vez para assistir ao show de luzes e sons, uma das exigências da Unesco para que o local seja considerado Patrimônio Cultural mundial. Como eu já conhecia o show, que não é grande coisa, preferi ficar no hotel, pesquisando na internet mais dados sobre a rica história desse povo, da difícil origem das missões até seu trágico desfecho.

Show noturno de luzes e sons em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Show noturno de luzes e sons em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Show noturno de luzes e sons em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Show noturno de luzes e sons em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Aliás, a primeira coisa a esclarecer é que as missões jesuíticas não tem nada de “brasileiras”, para tristeza do garoto patriótico da 5ª série. Apesar das ruínas de São Miguel das Missões estarem no território do país, na verdade elas foram criadas, viveram seu auge e foram destruídas no que era parte da América Espanhola de então. Já os portugueses, nossos antepassados, nessa história fazem o papel dos bandidos.

A cruz dupla nos jardins da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

A cruz dupla nos jardins da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Todos sabemos que o mundo foi dividido entre Portugal e Espanha no final do séc. XV, através do Tratado de Tordesilhas. Essa linha imaginária reservava apenas a parte leste do Brasil para Portugal, enquanto a maior parte do atual território nacional, incluindo toda a região sul do país, ficava sob controle espanhol. Ou seja, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, segundo esse tratado, deveriam falar castelhano! Para aí seguiram, já no início do século XVII, missionários jesuítas, com o intuito de catequizar os indígenas e, ao mesmo tempo, garantir a ocupação espanhola da área.

Uma enorme árvore cresce em meio às ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Uma enorme árvore cresce em meio às ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Só que, nessa época, a península ibérica estava unificada sob o governo de um só rei. Portugal e Espanha haviam se unido e o Tratado de Tordesilhas tinha perdido o sentido. Os colonizadores portugueses aproveitaram para estender seus domínios muito além da linha imaginária. Nessa época, a região de São Paulo, uma das mais pobres do novo continente, necessitava urgentemente de escravos para tocar suas nascentes lavouras. Ainda sem acesso à África, os bandeirantes paulistas viram nos índios catequizados pelos jesuítas um alvo fácil para suprir a forte demanda de mão-de-obra. Em duas décadas de ataques, todas as missões de Guaíra (atual Paraná) foram destruídas, enquanto as missões do atual Rio Grande do Sul foram deslocadas para o oeste do rio Uruguai, onde passaram a resistir aos caçadores de escravos. Na famosa batalha de Mboboré os paulistas foram definitivamente derrotados pelos índios guaranis catequizados. Vou contar mais dessa história quando chegarmos a essas missões do outro lado do rio, hoje território argentino.

Caminhando pelas ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Caminhando pelas ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


No final do séc XVII, já com o tráfico de escravos africanos consolidado, jesuítas e índios guaranis voltaram a cruzar o rio e se reestabeleceram no atual Rio Grande do Sul, fundando 7 missões, o que hoje conhecemos como os “Sete Povos das Missões”. Nessa época, Portugal e Espanha já eram, outra vez, reinos separados. O Tratado de Tordesilhas era “letra morta” e vários territórios eram disputados entre as duas nações, incluindo a área onde estavam estabelecidas as missões e também o sul do Uruguai, onde os portugueses haviam fundado a cidade de Colônia do Sacramento, na estratégica desembocadura do Rio da Prata, bem em frente a Buenos Aires.

Estátuas da antiga Missão no Museu em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Estátuas da antiga Missão no Museu em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Enquanto as duas nações ibéricas disputavam esses territórios por quase um século, as novas missões floresciam, quase 30 mil índios vivendo sob a tutela jesuíta, falando guarani, espanhol e até latim, com uma economia vigorosa e cultura exuberante. Obedeciam ao Rei de Espanha, mas eram, na prática, quase uma república independente.

Uma figueira cresce sobre as ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Uma figueira cresce sobre as ruínas da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


Infelizmente para eles, a política internacional falou mais alto. Portugal e Espanha chegaram, enfim, a um novo acordo sobre as terras do novo continente. O Tratado de Madrid estabelecia que Portugal entregaria aos espanhóis o controle da Colônia de Sacramento e receberia, em troca, o território dos Sete Povos das Missões. Índios e jesuítas deveriam mudar-se novamente para o oeste do rio Uruguai o quanto antes. Os índios se recusaram a fazer isso fazendo com que os exércitos de Portugal e Espanha se unissem contra eles nas chamadas Guerras Guaraníticas, episódio retratado no filme “The Mission”, onde os indígenas foram massacrados pelos exércitos europeus. Foi o trágico fim das Missões no atual território brasileiro, apesar de nunca terem sido brasileiras. A ironia é que o resto do Tratado de Madrid nunca foi cumprido, os portugueses recusaram-se a sair de Colônia do Sacramento e, por consequência, o território do Rio Grande do Sul continuou em litígio. Foram precisos mais seis décadas de guerras e batalhas para definir as atuais fronteiras, Uruguai e a região de “Entre-Rios” para lá e o Rio Grande do Sul para cá. Nesse processo, as Missões praticamente deixaram de existir, sobrando apenas as ruínas que hoje podemos admirar. Paredes que ainda ecoam a glória de outros tempos para quem quiser ouvir, mas que nos trazem também a tristeza de sua destruição inclemente, uma utopia que não pode resistir à força da realidade.

Estátuas da antiga Missão no Museu em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Estátuas da antiga Missão no Museu em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul


No próximo post, já em território argentino, volto com a parte feliz dessa história...

A cruz dupla nos jardins da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

A cruz dupla nos jardins da antiga Missão em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul

Brasil, Rio Grande Do Sul, São Miguel das Missões, Arquitetura, história

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Post anterior Foto aérea do Salto Yucumã, na fronteira entre Rio Grande do Sul e Argentina, no rio Uruguai. É o maior salto do mundo em extensão horizontal, mas hoje, estava completamente tapado pelo rio cheio. (foto retirada da internet)

O Salto Yacumá

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A Civilização Esquecida - Versão Argentina

Blog da Ana Uma linda foto do Salto Yucumã, na fronteira entre Brasil e Argentina, no município de Derrubadas, no Rio Grande do Sul

Salto Yucumã, o maior salto horizontal do mundo!

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