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A Fauna Exótica de Ocean Harbour

Geórgia Do Sul, Ocean Harbour

Renas galopam pelos gramados de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

Renas galopam pelos gramados de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul


A fauna natural de Ocean Harbour é mesmo impressionante, mas o que mais chama nossa atenção por aqui é a chamada “fauna exótica”. O mais claro exemplar desses alienígenas, porém não o único, são as renas. Pois é, como vieram parar aqui? Claro, trazida pelo homem! E quem teve essa brilhante ideia? Aquele mesmo senhor norueguês, Carl Larsen, que também teve a extremamente lucrativa e trágica ideia de vir caçar baleias por aqui. Aliás, por falar em baleias, também aqui em Ocean Harbour encontramos centenas de ossos desses pobres animais, da época em que apenas a gordura de seu corpo era aproveitada e o resto, descartado como carcaça inútil. Os ossos, mais resistentes ao tempo, espalhados pela praia, são o mais claro lembrete da barbárie de outrora. O outro lembrete é o Bayard, encalhado no meio da baía e aos poucos, disfarçado pela ação centenária dos shags. Mas os ossos, ninguém disfarça e teremos de dar mais tempo ao tempo...

Muitos ossos de baleia em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

Muitos ossos de baleia em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul


A Sarafina encontra alguns dos muitos ossos de baleia espalhados pela praia de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

A Sarafina encontra alguns dos muitos ossos de baleia espalhados pela praia de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul


Mas, voltando às renas, percebendo a semelhança do clima da ilha com o norte da sua terra natal, a distante Noruega, Larsen concluiu que as mesmas renas que viviam tão bem por lá também poderiam viver por aqui. Forneceriam carne e diversão através da caça aos baleeiros que aqui viviam. E assim as renas foram trazidas para cá, primeiro para Ocean Harbour e depois para outras áreas da ilha. Longe de qualquer predador natural, como o lobo, elas obviamente adoraram a casa nova. Só não se pode dizer se a casa nova gostou dos novos moradores...

Manada de renas em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

Manada de renas em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul


Pois é, as renas se transformaram em uma dor de cabeça ecológica para a ilha. Destroem a vegetação, pisoteiam ninhos de pássaros e, desde a partida dos últimos baleeiros, deixaram de ter qualquer preocupação. Proliferam-se tranquilamente. Mesmo depois de morrer, é fácil perceber que não são daqui. Apesar das skuas tentarem, as carcaças desses animais não são apetitosa para ninguém por ali. Sua decomposição é muito mais demorada e hoje, ao caminhar pelos campos de Ocean Harbour, vimos várias delas, expostas, sinal claro de que algo está errado.

Uma skua sobre uma carcaça de rena em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

Uma skua sobre uma carcaça de rena em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul


Carcaça de rena em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul. sem urubus por perto, elas duram muito mais tempo...

Carcaça de rena em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul. sem urubus por perto, elas duram muito mais tempo...


Mas nem tudo corre as mil maravilhas para as renas. Como expliquei no início do post, elas não podem circular a vontade. As baías são fechadas e elas não conseguem ir de um lugar ao outro. Após 100 anos na ilha, as renas de Ocean Harbour jamais viram (ou cruzaram) com as renas de outras baías. E se elas não fizeram isso até hoje, não poderão mais fazer...

Manada de renas em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de Mitch Jasechko)

Manada de renas em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de Mitch Jasechko)


Isso porque os humanos de hoje são diferentes dos humanos de 100 anos atrás. Os de hoje têm um pouco mais de visão ecológica. E decidiram que as renas não pertencem a este lugar e que são excessivamente danosas aos habitantes originais. E qual a solução para esse problema? Simples, o extermínio! Numa operação que envolveu veterinários, caçadores e até helicópteros, as renas das outras partes da ilha foram exterminadas. Todas elas transformadas em carne para ser vendida em supermercado a preços de ocasião. Não só isso. São servidas também para os turistas, que contribuem dessa maneira para reativar o equilíbrio natural da Geórgia do Sul. As renas mortas ano passado estão congeladas em Port Stanley. Quando os navios passam por lá, inclusive o Sea Spirit, eles se abastecem. E hoje de noite, no nosso restaurante a bordo, adivinha qual foi o prato principal? Isso mesmo, rena assada! As renas que circulavam livres há gerações por aqui, mortas e congeladas há um ano, hoje foram nosso prato principal. Duro, né? Não a carne, que estava bem saborosa, mas a solução encontrada para consertar uma grande burrada feita há um século.

Jantando carne de rena no Sea Spirit, na Geórgia do Sul (foto de Michelle DuBroy)

Jantando carne de rena no Sea Spirit, na Geórgia do Sul (foto de Michelle DuBroy)


Pode parecer desumano, mas a fauna e flora local agradecem. As mudanças em apenas um ano sem rena foram visíveis. E com isso, o destino dessas pobres renas que sobraram aqui em Ocean Harbour já está selado. Tem mais alguns meses de vida e, a partir do ano que vem, servirão de jantar para a próxima leva de turistas. Não deixa de ser um destino muito diferente do imaginado por Carl Larsen, um século atrás...

Grupo de renas em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de JP Salakari)

Grupo de renas em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de JP Salakari)


As renas, infelizmente, não foram os únicos animais introduzidos pelo homem na pristina Geórgia do Sul. Os primeiros baleeiros que aqui se instalaram também trouxeram porcos, galinhas e perus, para sua dieta balanceada. E cães e gatos, para fazer companhia. E mesmo sem querer, claro que trouxeram os ratos, que sempre pegam carona nos barcos. Quando partiram, boa parte desses animais ficaram por aqui. Mas os rigores da Geórgia do Sul deram cabo de quase todos eles. Sem a ajuda dos seres humanos, foram perecendo um a um. Aparentemente, foram os gatos os que mais duraram. Por mais de uma década, eventuais visitantes ainda os viam. Mas também eles sucumbiram.

Rena solitária observa o pequeno cemitério em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de JP Salakari)

Rena solitária observa o pequeno cemitério em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de JP Salakari)


Apenas uma espécie resistiu. A mais brava e valente de todas elas. Justamente aquela que não foi importada de propósito. Estou falando dos ratos, claro! Como as renas, acharam aqui seu paraíso. Uma vegetação fácil de se esconder, ausência de predadores naturais (exceto os gatos que duraram poucas décadas) e uma fartura de ovos de pássaros. O seu grande sucesso foi a grande tragédia desses pássaros que não haviam evoluído com um predador tão competente por perto e contra ele não tinham nem defesas nem técnicas eficientes. O resultado de luta tão díspar só poderia ser o desastre. A única coisa que evitou o desastre total foi a impossibilidade, mesmo para os valentes ratos, de se movimentar numa ilha repleta de geleiras e montanhas.

Uma das centenas de renas que vive na área de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de Mitch Jasechko)

Uma das centenas de renas que vive na área de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul (foto de Mitch Jasechko)


Assim, ao mesmo tempo em que decidiram eliminar as renas da ilha, os cientistas resolveram fazer o mesmo com os ratos. É claro que as renas são vítimas muito mais fáceis desse extermínio. Mas os cientistas resolveram sim, enfrentar os ratos. E na maior operação desse tipo já feita na história, partiram para cima dos roedores. Com ajuda de venenos inteligentes e de helicópteros, envenenaram já um bom pedaço da Geórgia do Sul. Não pode sobrar nenhum parzinho sequer, pois basta dois ratos para que eles virem milhares em pouco tempo. Contra o ceticismo de muitos, aparentemente a operação foi um sucesso, embora não se possa ter certeza absoluta. Observações continuam sendo feitas e, quando o grau de certeza for absoluto, vão partir para as próximas áreas. O investimento foi grande e, por isso mesmo, as medidas restritivas para visitar a ilha aumentaram. Tudo para evitar ao máximo novos ratos caronistas.

A linda paisagem de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

A linda paisagem de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul


A pressa para eliminar os roedores aumentou porque até aqui, na distante Geórgia do Sul, as geleiras estão retrocedendo. Mais um pouco e áreas antes completamente isoladas terão ligação terrestre. E quando toda a ilha tornar-se um ecossistema único e interligado, vai ficar ainda mais difícil, senão impossível, exterminar os ratos. Estão numa corrida contra o tempo. E nessa corrida, é fácil saber para quem torcer. Podemos até ficar com pena das renas, mas de ratos, não dá para ter dó! Depois disso, com o fim das renas e dos ratos, só faltam as baleias voltarem. E aí sim, teremos a boa e velha Geórgia do Sul que Carl Larsen conheceu. Será que nossos netos verão isso?

Momento de descanso em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

Momento de descanso em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul

Geórgia Do Sul, Ocean Harbour, Bichos, rena

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Um gigantesco elefante-marinho macho e a pequena fêmea ao seu lado, na praia de Ocean Harbour, na Geórgia do Sul
O monstro do lago Ness? Não, é apenas um gigantesco elefante-marinho que nada à nossa frente, bem perto do nosso caiaque, em Ocean Harbour, na Geórgia do Sul
Junto ao túmulo de Sir Ernest Shackleton no cemitério de Grytviken, na Geórgia do Sul
O Dave traz mais passageiros de volta ao Sea Spirit, depois de visita a Stromness, na Geórgia do Sul
Uma enorme fêmea de elefante-marinho descansa em Grytviken, na Geórgia do Sul
Praia repleta de lobos-marinho em Stromness, na Geórgia do Sul
Foto do grupo no ponto mais alto da caminhada entre Fortuna Bay e Stromness, na Geórgia do Sul
Dois Southern Royal Albatrosses nos céus de Prion Island, na Geórgia do Sul
Um pequeno pinguim gentoo e um gigantesco elefante-marinho dividem a mesma praia em Prion Island, na Geórgia do Sul (foto de Marla Barker)
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