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Kalinas, Creoles e Maroni

Guiana Francesa, Saint Laurent, Yalimopo

Entrada da antiga prisão em St. Laurent, na Guiana Francesa

Entrada da antiga prisão em St. Laurent, na Guiana Francesa


Hoje nos aproximamos da fronteira com o Suriname, ou seja, do fim da nossa viagem pela Guiana Francesa. Despedi-me de Yalimopo com uma sensação horrível de estar deixando para trás um lugar que merecia muito mais do que 1 ou 2 dias. Vivenciar a cultura kalina sem dúvida seria uma experiência maravilhosa, mas para isso mais 2 ou 4 dias não iam fazer nem cócegas. Primeiro por que eu não falo francês, embora entenda e arranhe umas três frases, não sou capaz de me comunicar com fluência. A segunda língua que eu poderia tentar é o próprio kalina, mas acho que ficaria só na tentativa, rs! Fiquei muito curiosa sobre a música, o artesanato, a sabedoria em torno da natureza, rios, mar, tartarugas e os festivais, enfim, tudo o que rodeia esta etnia indígena que chegou aqui nas Américas muito antes de nós. Eu me sinto totalmente brasileira, sul-americana, mas não posso querer ganhar deles nessa.

Com o Silvan, em Yalimopo, na Guiana Francesa

Com o Silvan, em Yalimopo, na Guiana Francesa


Durante o café da manhã conseguimos conversar um pouco mais com o Silvan, o gerente da pousada onde ficamos hospedados. Ele é um kalina (lê-se kaliná), nos contou mais sobre os animais que vivem ali, os projetos que desenvolvem para a proteção da fauna e flora e educação ambiental da comunidade. Conseguimos gravar um depoimento dele para o Soy loco por ti América, em francês! Muito bacana, pelo menos levaremos conosco uma lembrança mais roots aqui da Guiana Francesa, algo que me parece realmente mais genuíno e que sempre me lembrará que devo voltar.


A estrada de Yalimopo para Saint Laurent du Maroni é mais movimentada, passamos por diversos vilarejos e inclusive na entrada da Comunidade do Laos chamada Javouhey, em homenagem à freira francesa que os trouxe para cá. Como já havíamos conhecido sua prima-irmã, Cacao, seguimos para a fronteira. Chegamos a St. Laurent com chuva, conseguimos reservar uma vaga no Hotel Star e logo fomos nos informar da balsa que nos atravessará amanhã para o Suriname. Novamente chegamos àquele clima de cidade fronteiriça e portuária, muita pobreza, lixo nas ruas, pessoas zanzando de um lado para o outro em águas internacionais. Na cidade já vemos que nossos próximos dias serão mais trabalhosos para nos comunicarmos, o holandês e o sranan tongo estão em todas as rodas de conversas nos bares e mercados.

Igreja em St. Laurent, na Guiana Francesa

Igreja em St. Laurent, na Guiana Francesa


Aproveitamos a chuva para dar uma volta de carro e fomos até a cidade vizinha, há 16km dali, St Jean du Maroni. À margem do rio a vila fica em torno de uma base militar, possuía um zoológico que queríamos visitar, mas descobrimos que foi fechado. Encontramos um restaurante simpático à beira do Rio Maroni onde almoçamos defronte ao nosso próximo país.

St. Jean, região de St. Laurent du Maroni, na Guiana Francesa. O outro lado do rio é o Suriname

St. Jean, região de St. Laurent du Maroni, na Guiana Francesa. O outro lado do rio é o Suriname


Foi ali também que recebemos a notícia de um dos piores desastres naturais já acontecidos nos últimos tempos, o terremoto seguido pelo tsunami no Japão. 8,9 pontos na escala Richter é de chorar em alemão! Eu fiquei paralisada em frente à TV vendo aquelas cenas terríveis de destruição que acabavam de chegar à TV Francesa. Chorei, impossível não chorar e instantaneamente começar a rezar por aqueles que ainda poderiam estar vivos em algum lugar no meio daquela confusão. Infelizmente, além disso, não há mais o que eu poderia fazer naquele momento.

Ouvindo as notícias do terremoto e tsunami no Japão (em St. Jean, região de St. Laurent du Maroni, na Guiana Francesa)

Ouvindo as notícias do terremoto e tsunami no Japão (em St. Jean, região de St. Laurent du Maroni, na Guiana Francesa)


Voltamos à St Laurent, nos instalamos no hotel e depois de outra rodada de chuva, #prayingforjapan, seguimos para um lugar que iria nos apresentar mais algumas décadas de tristezas e histórias gravadas em suas paredes. St Laurent du Maroni começou a ser construída nos idos de 1860 e foi a maior colônia penal da Guiana Francesa. A colônia foi ficando tão absurdamente populada que, tempos mais tarde, se tornou uma cidade, com direito à uma prefeitura especial. Os presos do Camp de La Transportation eram divididos em 3 níveis, o terceiro eram os presos novatos, com menos de dois anos de casa, eles eram responsáveis pelo trabalho pesado, basicamente cortar madeira no meio da floresta para abastecer a cidade.

Ruínas da antiga prisão em St. Laurent, na Guiana Francesa

Ruínas da antiga prisão em St. Laurent, na Guiana Francesa


O segundo já podia trabalhar em serviços menos pesados, como a manutenção da cidade. Os presidiários do primeiro escalão já poderiam aspirar trabalhos melhores, como empregados nas casas da comunidade e até enfermaria, o que também facilitava muito as tentativas de fuga. Só depois da Segunda Guerra Mundial é que foi decretado o fim dos Bagnes (prisões em francês), demorando ainda quase 10 anos para os últimos “transportados” serem devolvidos à terra natal com a ajuda do Exército da Salvação Francês. Hoje estes prédios estão sendo restaurados, em um deles funciona uma biblioteca municipal e em outros, oficinas de teatro para a comunidade.

Estátua representando prisioneiro desenganado, em St. Laurent, na Guiana Francesa

Estátua representando prisioneiro desenganado, em St. Laurent, na Guiana Francesa


À noite conseguimos reencontrar a nossa amiga lá de Algodoal, Marjorie. Francesa que mora aqui em St Laurent há 4 anos, Marjorie está se preparando para retornar à França. Fomos jantar em um restaurante de comida creole, onde o principal atrativo são as carnes de caça, permitida em diferentes níveis aqui na Guiana Francesa. Alguns animais podem ser caçados apenas para subsistência e outros têm permissão inclusive para a comercialização. Nós provamos a carne de tatu, parecida com a carne de porco. Só é estranho, pois vem com casca e tudo, aquela carapaça toda de bolinhas que vemos por fora. O Rodrigo provou uma carne de um roedor, tipo uma cotia, acho que gostou, pois comeu o prato inteirinho.
Esticamos a noite em um barzinho creole na vizinhança mais pobre, à beira do Rio Maroni. Marjorie nos contou suas experiências com a população aqui na região. Ela é psicóloga e atende pessoas das mais diferentes culturas que habitam a região. Homens e mulheres franceses, creoles, indígenas, surinameses que enfrentam as dificuldades de um país (ou departamento) em que as culturas tão diferentes. Coisas que parecem simples, como por exemplo, o de pessoas que imigraram para cá há mais de 20 anos e não falam uma palavra em francês, assim como seus filhos, que por sua vez acabam não conseguindo acompanhar a escola. Ou então os índios, que são tão adaptáveis que estão perdendo sua cultura, língua e tradições. Todos eles convivem lado a lado, porém com pouca interação entre os grupos. O que para nós viajantes é uma riqueza imensa, na prática é um problema social difícil de ser resolvido. Como preservar estas culturas tão distintas, suas línguas e costumes e ainda assim criar uma identidade única para o país? É uma questão que só o tempo poderá responder.

Pequena praia em St. Laurent, na Guiana Francesa

Pequena praia em St. Laurent, na Guiana Francesa

Guiana Francesa, Saint Laurent, Yalimopo, índios, amerindians, Chez Judith & Denis, Saint Laurent du Maroni, Camp de La Transportation, presídio, bagne

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