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King George e a Civilização Antártica - Blog do Rodrigo - 1000 dias

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King George e a Civilização Antártica

Antártida, King George Island

Nosso roteiro e pontos de parada na região da Península Antártica

Nosso roteiro e pontos de parada na região da Península Antártica


Deixamos Elephant Island e continuamos nosso caminho para ao continente antártico, dessa vez rumo à principal ilha do arquipélago de Shetland do Sul, a Ilha do Rei George, ou King George Island, em inglês. A ideia era fazer dois desembarques na costa da ilha, mas o tempo mudou, coisa muito comum por aqui, e só tivemos a chance de pisar em terra firme uma única vez, em um lugar chamado Turret Point. A ilha tem 95 km de comprimento e 25 km de largura e está a apenas 120 km de distância da península antártica. Tão perto assim, ninguém mais duvida: chegamos mesmo ao continente mais isolado da Terra!

Apenas na King George island são onze estações de pesquisa de 10 diferentes países, incluindo a estação brasileira Comandante Ferraz

Apenas na King George island são onze estações de pesquisa de 10 diferentes países, incluindo a estação brasileira Comandante Ferraz


Mas, será mesmo assim, tão isolado? Ao navegar pela costa de King George Island, nos chamou a atenção a quantidade de edificações que vimos em suas encostas. São apenas parte das chamadas estações científicas que se espalham pela ilha, pela península antártica e por todo o continente. Ao ver tantos sinais da ocupação humana, a curiosidade logo me atiçou: a quantas anda a exploração do “continente mais isolado do mundo” hoje?

Base científica argentina, uma das muitas existentes em King George Island, na Antártida

Base científica argentina, uma das muitas existentes em King George Island, na Antártida


Base científica argentina, uma das muitas existentes em King George Island, na Antártida

Base científica argentina, uma das muitas existentes em King George Island, na Antártida


Quando chegarmos à península antártica vou falar do descobrimento e época da exploração heroica do continente e da corrida entre o inglês Scott e o norueguês Amundsen para chegar ao polo sul no início do séc. XX. Atingido o polo o movimento se aquietou um pouco e apenas algumas estações baleeiras foram instaladas em ilhas ao redor da península antártica. Foi apenas durante e após a 2ª Guerra Mundial que os olhos do mundo voltaram-se para cá, com diversas nações começando a instalar bases científicas no continente, além de reclamar posse territorial. Primeiro foi a Inglaterra, ainda no início do século, seguida por Nova Zelândia, França, Austrália, Noruega e por fim, Chile em 1940 e Argentina em 1943.

Países que tem pretensões territoriais na Antártida. As pretensões de Argentina, Chile e Inglaterra incluem a península antártica e se sobrepõem

Países que tem pretensões territoriais na Antártida. As pretensões de Argentina, Chile e Inglaterra incluem a península antártica e se sobrepõem


Nenhum desses pedidos foi aceito internacionalmente e, com a realização do Ano Geodésico Internacional em 58/59, consagrado ao estudo da Antártida, essas antigas reclamações de posse foram colocadas em moratória por 30 anos enquanto novos pedidos foram proibidos. O Tratado da Antártida entrou em vigor em 1961 e os trinta anos venceram em 1991, quando o acordo foi renovado por outros 50 anos. Assim, pelo menos até o ano de 2041, a Antártida será considerada território internacional. A maioria das nações que reclamavam territórios na Antártida já parece aceitar a ideia de um continente internacional. As exceções são os dois países sul americanos, Argentina e Chile, que continuam a reclamar seus territórios. Tanto que nos dois países há leis que obrigam as empresas de cartografia a sempre mostrar as dependências antárticas de seus países quando forem produzir algum mapa nacional. O interessante é que as partes reclamadas por esses países, que incluem toda a península antártica e suas adjacências, assim como o território reclamado pela Grâ-Bretanha, se sobrepõem. Por exemplo, a King George Island, por onde passamos hoje, estaria no território desses três países...

Tanto o Chile (esquerda) como a  Argentina (direita) têm leis que obrigam os mapas a mostrarem suas pretenções territorias sobre a Antártida

Tanto o Chile (esquerda) como a Argentina (direita) têm leis que obrigam os mapas a mostrarem suas pretenções territorias sobre a Antártida


Foram esses interesses políticos, aliados com interesses científicos e econômicos, que geraram um verdadeiro boom de estações de pesquisa no continente no tal Ano Geodésico Internacional. Os países que reclamavam território, somados a Estados Unidos, a antiga União Soviética, Bélgica, Japão e África do Sul são as doze nações originais a assinar o Tratado da Antártida. Juntos, já possuíam quase 50 estações científicas na Antártida até a ratificação do Tratado, em 1961. Com o passar do tempo, outros países foram aderindo e, para ter direito a voto nas decisões, era preciso que também instalassem estações permanentes, que funcionassem o ano inteiro, na Antártida. Um deles foi o Brasil, com sua estação Comandante Ferraz instalada em 1984. Hoje, já são 50 nações incluídas no Tratado Antártico, 29 das quais com direito a voto, já que possuem bases permanentes no continente. São quase 80 bases científicas, pouco mais da metade delas operativas durante todo o ano.

Mapa da Antártida mostrando a localização das mais de 80 estações de pesquisa. Apenas 6 delas são no interior. A maioria fica no litoral e, principalmente, na península antártica, de clima bem mais ameno

Mapa da Antártida mostrando a localização das mais de 80 estações de pesquisa. Apenas 6 delas são no interior. A maioria fica no litoral e, principalmente, na península antártica, de clima bem mais ameno


Essas estações se espalham pelo continente, mas a grande maioria delas se encontra no litoral ou muito próximo a ele. A razão disso é simples: é muito mais barato manter uma base perto da costa. Além disso, as condições de vida no interior, no alto do platô antártico, são muito mais severas. Ali, apenas as nações mais ricas do mundo mantêm bases. Justamente sobre o polo sul, os Estados Unidos mantém a base de Scott-Amundsen. Situada a mais de 2.800 metros de altitude, a estação tem uma população de 200 pessoas no verão e cerca de 50 pessoas no inverno. Os russos mantém no interior a estação Vostok, a mais de 3 mil metros de altitude. Ela é famosa por ter registrado a temperatura mais baixa já medida no planeta: -89,2 graus célsius, frio o suficiente para congelar o dióxido de carbono no ar! Outras estações no platô antártico são a franco-italiana Concordia, a alemã Kohnen, a japonesa Dome Fuji (3.800 metros de altitude) e a chinesa Kunlun, a mais de 4 mil metros de altitude! Essas três últimas só funcionam no verão, fechando suas portas no inverno.

Aurora austral sobre a base americana de Amundsen-Scott que fica justamente sobre o polo sul do planeta

Aurora austral sobre a base americana de Amundsen-Scott que fica justamente sobre o polo sul do planeta


Mas é mesmo no litoral onde se encontram a grande maioria das estações. Entre elas se destaca a gigantesca base americana de McMurdo, a maior do continente. Aí vivem cerca de 1.200 pessoas no verão e cerca de 200 durante o inverno. É uma pequena cidade, com direito a banco, porto e muitos automóveis. De McMurdo parte uma estrada construída de neve compactada até a estação de Scott-Amundsen, no polo sul. São 1.600 km de extensão, percorrendo toda a plataforma de Ross, subindo as montanhas até o platô antártico e seguindo pelo planalto polar até o polo sul. Obviamente, não é uma estrada para carros normais. Os comboios de tratores demoram quase 40 dias para ir de McMurdo até Scott-Amundsen levando suprimentos para a temporada. Na volta, sem peso, é bem mais rápido. Antes que alguém se apresse em reclamar da poluição causada por esses comboios, na verdade eles economizam vários voos de transporte para a estação do polo sul, eles sim muito mais poluentes. Esses voos e comboios para o polo sul só ocorrem até o inverno chegar. Aí, por mais de 4 meses gelados e escuros, os habitantes de Scott-Amundsen ficarão totalmente isolados. Mesmo casos de emergência médica deverão ser solucionados ali mesmo.

Uma estrada de neve compactada de 1.600 km liga as bases americanas de McMurdo, no litoral do continente, e Amundsen-Scott, no polo sul do planeta

Uma estrada de neve compactada de 1.600 km liga as bases americanas de McMurdo, no litoral do continente, e Amundsen-Scott, no polo sul do planeta


Caravana de tratores percorre a estrada que liga as bases americanas de McMurdo e Amundsen-Scott, na Antártida

Caravana de tratores percorre a estrada que liga as bases americanas de McMurdo e Amundsen-Scott, na Antártida


De volta às estações do litoral, há uma grande concentração delas ao longo da península antártica, onde o clima é ainda mais ameno. E é justamente na King Georg Island, ali pertinho da ponta da península, onde está o maior número de estações, inclusive a nossa brasileira. Apenas naquela pequena área são 12 estações de onze países diferentes. Entre elas se destaca a base chilena Eduardo Frei, com a pista de avião mais movimentada desse lado da Antártida. Junto à base científica, está uma “base civil”, praticamente uma pequena vila onde moram famílias e crianças, há uma escola, correio, banco, biblioteca entre outras amenidades. Aí nasceu Juan Pablo Camacho, em 1984, o primeiro chileno a nascer na Antártida.

Visão da estação chilena de Villa Las Estrellas, a maior das duas únicas estações civis da Antártida, em King George Island. Quase uma pequena vila, com escola, banco e correio. A outra é La Esperanza, argentina

Visão da estação chilena de Villa Las Estrellas, a maior das duas únicas estações civis da Antártida, em King George Island. Quase uma pequena vila, com escola, banco e correio. A outra é La Esperanza, argentina


Mas ele não foi a primeira criança do continente. Essa honra cabe ao argentino Emilio Palma, nascido em 1978 na base civil argentina de La Esperanza. Localizada na ponta da península antártica, esta também é considerada uma pequena vila. O nascimento das crianças, assim como a administração civil das bases faz parte do esforço argentino e chileno em consolidar o território como parte de suas respectivas nações. Também nesse sentido, mas agora por parte dos russos, foi construída a primeira igreja do continente, a mais austral do mundo, na base desse país em King George Island. A igreja é permanentemente habitada por um padre, o ano inteiro. Esforços não só para garantir a posse territorial, mas os direitos econômicos de uma possível exploração econômica no futuro. O Tratado Antártico, além de suspender as reclamações territoriais, também impede a exploração comercial dos minérios do continente. Muita gente teme hoje que isso não seja renovado em 2041, especialmente com tantos países interessados num subsolo que, tudo indica, é muito rico.

A primeira igreja da Antártida, na estação russa de Bellingshausen, em King George Island, na Antártida (foto de Jens Bludau)

A primeira igreja da Antártida, na estação russa de Bellingshausen, em King George Island, na Antártida (foto de Jens Bludau)


Falando em minérios, quem, por exemplo, também está presente na King George Island são os chineses. Entre outras amenidades de sua base está um imenso cômodo grande o suficiente para partidas de basquete. Na inauguração de sua base, seguindo uma tradição de seu país, foram soltas centenas de pombas brancas. Como se sabe, esse não é um animal natural da Antártida. Poucas horas depois, todas elas estavam mortas congeladas. A triste história das pombas da estação chinesa Grande Muralha só fica pequena quando comparada com o que ocorreu 6 anos antes, em 1979, do outro lado do continente.

Há até carros na gigantesca base americana de McMurdo, na Antártida

Há até carros na gigantesca base americana de McMurdo, na Antártida


A companhia aérea da nova Zelândia promovia voos turísticos sobre o continente branco. Um enorme- DC-10 decolava pela manhã de Auckland, voava até a Antártida e voltava, centenas de passageiros debruçados nas janelas acompanhados de guias que explicavam fatos sobre o continente. Até que um desses aviões se estatelou no mais famoso vulcão da Antártida, o Erebus, matando 273 pessoas no maior acidente aéreo da história daquele país. Até hoje, em verões mais quentes quando a neve derrete, é possível ver os destroços do avião nas encostas da montanha. Não foi um bom início para a história da exploração turística da região.

Visão noturna de Villa Las Estrellas, a maior das duas vilas existentes na Antártida (em King George Island)

Visão noturna de Villa Las Estrellas, a maior das duas vilas existentes na Antártida (em King George Island)


Falando em tragédias, dessa vez aqui mesmo em King George, impossível não lembra do que ocorreu com a nossa base brasileira. Foi destruída pelo fogo em 2011, logo uma explosão. Infelizmente, morreram dois brasileiros no acidente. A base foi desmantelada e uma estrutura provisória foi construída para abrigar pesquisadores enquanto uma nova base, muito mais moderna, não fique pronta. É importante para o Brasil continuar garantindo a nossa presença permanente no continente. Seja pelos nobres motivos científicos ou pelos não tão nobres econômicos.

Uma foto do incêndio da base brasileira Comandante Ferraz, em King George Island, na Antártida. Duas pessoas morreram

Uma foto do incêndio da base brasileira Comandante Ferraz, em King George Island, na Antártida. Duas pessoas morreram


Voltando ao turismo, hoje, a maioria de nós chega aqui de navio, mas ainda há os turistas que vem de avião, principalmente de Punta Arenas rumo à pista de pouso da vila de Las Estrellas. Entre as atividades que promovem o turismo daqui há até uma maratona que já começa a se tornar tradicional, a Maratona da Antártida, toda ela realizada em King George Island, atraindo cada vez mais participantes.

Corredores da já tradicional 'Maratona da Antártida', na King George Island

Corredores da já tradicional "Maratona da Antártida", na King George Island


Pois é, esse é o continente que chamamos de isolado. Com seus 5 mil habitantes durante o verão, cerca de 1.000 no inverno, quase 50 mil turistas anuais, uma estrada de 1.600 km e até uma maratona anual, acho que já não é tão isolado assim...

A base americana de McMurdo, a maior base da Antártida, com mais de 1.000 habitantes no verão

A base americana de McMurdo, a maior base da Antártida, com mais de 1.000 habitantes no verão

Antártida, King George Island, história

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Comentários (1)

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  • 09/12/2014 | 15:08 por Sheila Moralles

    Uau!! O que será que nos aguarda em 2041?!

    Resposta:
    Oi Sheila


    Pois é... só tempo dirá, e nós viveremos para ver...

    Abs

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